Silviane Neno, é Redatora Chefe da Istoé GENTE Hoje cedo, procurando uma foto de João Ubaldo Ribeiro para o Instagram da revista, cismei que o baiano deveria estar sorrindo. Seria a única maneira de dar alguma alegria a uma notícia triste. A semana já vinha pesada demais. Ressaca da Copa, Israel avançando por terra sobre Gaza, o assassinato da dona do velho e bom Guimas da Gávea, um avião abatido levando a bordo, entre dezenas de vítimas, uma centena de cientistas empenhados em descobrir a cura da doença que já foi sentença de morte. Sobre a morte, o português Valter Hugo Mãe, disse, recentemente, que ?deveria ser justo pedir o milagre da ressurreição para todas as pessoas que nos deixaram antes que fosse necessário?. Se resigna, em seguida, concluindo que ?cada um de nós é a ressurreição possível. A memória que carregamos é uma forma de vida.? Fico pensando, se somos a nossa própria memória, por que será que tanta gente escolhe ser o inferno do outro? Que espécie de lembrança boa isso pode provocar? Há alguma coisa de muito podre na humanidade. Uma espécie de raiva coletiva, um rancor, que se alastra na liberdade perversa e covarde das redes sociais e nas formas modernas de comunicação. Lembro do meu filho pequeno quando assistia a um filme infantil e na largada perguntava: ?Mas ele é do bem ou é do mal??. Era tão fácil responder. Não se trata de maniqueísmo. A palavra bonita que, em outras palavras, divide o mundo entre Deus e o diabo. Outro dia um amigo me dizia que faltava muito pouco para não acreditar em mais ninguém. Enquanto relatava uma sequência de traições, contava também da alegria que tinha dado a uma funcionária depois que a ajudou a comprar uma passagem aérea para ver a família. Ela nunca tinha viajado de avião. Ora, o que será que produz a melhor memória, fazer o bem ou fazer o mal? A resposta talvez esteja no que mais justifica o sentido da nossa existência: o amor. ?Aquilo que motiva ou, em caso de ausência, aquilo que mata?. Ah, o amor! Esse bem que todo mundo quer , cujo maior bem nada mais é do que a alegria. E o amor, sempre envolvido em superlativos, quem diria, dá nome à menor poesia brasileira. A que Oswald de Andrade publicou nos anos 20. O título é ?Amor? seguido apenas por uma palavra, uma palavra-poema:?Humor?. Em tempos de curtidas, um poema curto. Porque assim todo mundo entende.