Nada teria me preparado o suficiente para a cena. Na enfermaria, um ambiente único de cerca de 250 m2, não havia mais vagas. Alguns leitos, encaixados entre os demais, pareciam estar ali apenas para atender a emergência. Todas as macas estavam ocupadas por mulheres. Algumas delas, disse a médica que me acompanhava, não sobreviveriam a mais uma noite. As demais, com braços, pernas e rostos cobertos por curativos e unguentos, também demonstravam já ter abandonado a vida. Tinham um olhar apático e fixo de quem chegou ali por escolha própria. Todas tinham tentado o suicídio ateando fogo ao corpo.

Era o ano de 2004 e um movimento orgânico e endêmico de autoflagelo tomou conta das esposas de casamentos arranjados no Afeganistão. Levadas ao altar por indicação das futuras sogras, acabavam tornando-se escravas destas. Faziam-lhes as vontades, os serviços domésticos da casa na qual passavam a viver e atendiam aos desejos sexuais dos maridos. A elas era negada qualquer possibilidade de estudo ou trabalho, exatamente como na época do governo Talibã.

Pouco mais de uma década depois a capital do país respira novos ares. As mulheres ainda são discriminadas mas não se tem mais notícias de um movimento de protesto suicida entre as noivas de Cabul. E é a internet que está mudando a história das mulheres afegãs. As redes sociais se popularizaram substituindo e-mails e mensagens de texto para um grupo cada vez maior de jovens nas áreas urbanas.

A internet estimula ainda a qualificação da mão-de-obra feminina sob um contexto de anonimato que agrada as meninas. Elas podem sonhar com um trabalho e até começar um negócio sem se expor às críticas dos mais conservadores. Geram renda própria – e dinheiro, como se sabe, em qualquer lugar do mundo, é poder. Só uma mulher que ganha o próprio dinheiro pode fazer suas próprias escolhas.

Pode-se dizer, sem medo de errar, que a inclusão digital é um fator decisivo na história de empoderamento das mulheres. Pesquisa do recém-lançado Instituto Locomotiva mostra que, no Brasil, a internauta ganha em media 136% mais do que a não-internauta. “Isso mostra uma correlação e não necessariamente uma causalidade”, alerta o fundador do Instituto, Renato Meirelles. Alerta feito, quem duvida de que as 55,3 milhões de brasileiras que acessam a internet têm mais chance de se inserir no mercado de trabalho e aumentar sua renda?

Inclusão digital é também dar poder às mulheres para que elas mudem o mundo – ou o seu mundo particular – aumentando a riqueza e espalhando a justiça apesar do lento avanço na equidade de gênero.