05/11/2024 - 10:33
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino era governador do Maranhão pelo PSB em dezembro de 2021 quando o plenário da corte deu um prazo de 90 dias para que o Congresso Nacional informasse os autores das emendas de relator ao Orçamento da União. Três meses depois, a ministra Rosa Weber, responsável pelos processos relativos ao assunto à época, rejeitou o pedido feito pelo senador Márcio Bittar (União-AC), relator do Orçamento de 2021, para que o prazo fosse prorrogado por mais 90 dias.
De lá para cá, Dino foi eleito senador, se tornou ministro da Justiça do governo Lula, foi indicado pelo presidente para a vaga aberta pela aposentadoria de Rosa Weber, teve seu nome aprovado pelo Senado e tomou posse como ministro do STF. Como substituiu a ministra, herdou o caso que estava sob a relatoria dela.
Nesses quase três anos, uma situação não mudou: as informações pedidas por Rosa Weber jamais foram entregues. Assim como sua antecessora, Dino não parece disposto a esquecer o passado para liberar as emendas parlamentares daqui para frente. O gesto seria equivalente a uma anistia às cegas, em que o tribunal perdoaria eventuais irregularidades passadas sem ao menos saber o que foi feito – e quais foram, afinal, os autores das emendas e os seus beneficiários.
O Congresso alega que não consegue levantar todos os documentos sobre cada um dos repasses. Em muitos casos não há qualquer informação sobre a aplicação das verbas. Alguns deputados e senadores até prestaram contas de suas emendas, mas esses dados não foram sistematizados.
Com a proibição, os parlamentares tentaram alguns puxadinhos para continuar com a liberação das emendas impositivas sem cumprir as exigências de transparência impostas pelo STF, como no caso das emendas Pix, aquelas em que os recursos vão direto para o caixa das prefeituras. Com os mesmos fundamentos, Dino manteve as proibições para todas as emendas que não seguem os requisitos estabelecidos para jogar luz sobre o caminho do dinheiro. A decisão foi confirmada em plenário.
No meio de outros assuntos espinhosos – como os inquéritos contra a tentativa de golpe de 8 de janeiro e da produção e distribuição de fake news, presididos pelo ministro Alexandre de Moraes –, o veto às emendas é motivo de irritação de parlamentares com a corte. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, participou ao lado de Dino de reuniões com representantes do Legislativo e do Executivo para discutir os requisitos para a liberação das emendas. Um acordo foi anunciado, mas até agora não deu resultado.
A disputa é complicada. O Congresso espera vencer pelo cansaço, com gestos que demonstram boa vontade, mas não entregam o principal: a garantia de transparência nas emendas daqui para frente e, ainda, informações sobre os repasses já efetuados. É assim que é interpretado o projeto apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento de 2025.
O texto foi apresentado para Dino na quarta-feira passada, e nele não há sinais do que o Supremo espera – e entende como exigências constitucionais de aplicação do dinheiro público. O texto proposto começará a tramitar pelo Senado. Não é, porém, a única proposta sobre o tema. Aliado de Dino dos tempos da política maranhense, o deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT) também apresentou um projeto para regulamentar as emendas de bancada e de comissão. Essa proposta deve tramitar na Câmara e, se aprovada, irá ao Senado. Caberá ao presidente Rodrigo Pacheco decidir se os dois textos serão apensados num só.
Como está, o projeto do deputado proíbe que as chamadas emendas de comissão sejam usadas para atender demandas individuais de parlamentares e obriga a publicação de atas que registrem cada destinação. Os órgãos responsáveis pela aplicação dos recursos, por sua vez, precisarão publicar os critérios que justifiquem por que determinadas obras ou programas tiveram prioridade.
Dino, ao menos por ora, evita dar opiniões sobre os textos em tramitação no Congresso. Como parte do acordo firmado entre os três poderes, depois de seguir o trâmite natural na Câmara e no Senado a proposta vencedora será analisada pelo próprio Supremo. Dino deverá submetê-la novamente ao plenário, com o seu voto de relator.
Na semana passada, o ministro indicou que suas preocupações não terminam por aí. Ele considera que é necessário, em nome da autonomia entre os poderes, discutir qual é a participação máxima do Congresso no Orçamento. Ele destacou – como já havia defendido a ministra Carmen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – que a Justiça Eleitoral precisa analisar o impacto eleitoral do uso das emendas parlamentares e como elas podem afetar a alternância do poder e a democracia.