PlatôBR: STF tem desafio de definir o que é tramar um golpe de Estado

Tribunal vai deliberar pela primeira vez sobre acusações desse tipo de crime e, por isso, o próprio significado da prática ainda precisa ser debatido

Fellipe Sampaio/STF
Foto: Fellipe Sampaio/STF

O grande desafio do STF ao analisar a denúncia contra Jair Bolsonaro e outros sete suspeitos de planejarem um golpe de Estado será definir o alcance deste crime, que será discutido pela primeira vez na Corte. O julgamento está agendado para começar nesta terça-feira, 25, na Primeira Turma, formada por cinco ministros do tribunal. Se a denúncia for recebida, os oito acusados passarão à condição de réus em ação penal.

Como o Supremo nunca julgou antes o que caracteriza o planejamento de um golpe, os ministros vão precisar debater o conceito do crime antes de decidir se as condutas dos investigados se ajustam à definição da prática. A partir das discussões, o tribunal vai fixar balizas para nortear julgamentos futuros sobre o mesmo assunto.

O Código Penal define como crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito o ato de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. O crime de golpe de Estado consiste em “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Ou seja, apenas a tentativa de cometer esses atos é considerada crime. No entanto, o que pode ser considerado tentativa?

Na denúncia apresentada ao Supremo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, elencou uma série de fatos ocorridos a partir de setembro de 2021, desde o ataque à credibilidade do sistema eleitoral brasileiro até os atos de 8 de janeiro de 2023. Gonet sustentou que o somatório desses fatos, e não apenas um deles, consiste em tentativa de abolir a democracia e de usurpar o poder de forma violenta.

Existem algumas brechas nas quais as defesas podem caminhar. Uma delas é o argumento de que, ainda que houvesse um desejo golpista, as chances de o plano dar certo eram pequenas. Um dos pilares deste argumento é a recusa de parte das Forças Armadas em aderir ao golpe.

Neste ponto, ganha relevância o depoimento do ex-chefe da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Jr., à Polícia Federal. Segundo ele, o general Marco Antônio Freire Gomes, que comandou o Exército durante o governo Bolsonaro, ameaçou prender o então presidente em 2022 caso ele tentasse consumar o plano golpista.

Outra avenida pela qual pode trafegar a defesa do ex-presidente é insistir que não há prova de que Bolsonaro participou do 8 de janeiro. Caso os ministros comprem essa versão, o ex-presidente não responderia pelos crimes de dano contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado. Se for condenado ao fim da ação penal, poderia receber uma pena menor.

Análise técnica

O julgamento será realizado com base em premissas técnicas. Será levado em conta se a denúncia traz materialidade do delito – ou seja, comprovação de que os crimes ocorreram. Também será analisado se há indícios de autoria – isto é, elementos que indiquem que os acusados cometeram os crimes.

A sessão vai começar com o relator, ministro Alexandre de Moraes, apresentando um resumo do caso. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, terá 30 minutos para sustentar a acusação feita contra os oito investigados. Logo depois, a defesa de cada réu disporá de 15 minutos para se manifestar.

Ao fim dessas sustentações, a votação começa com Moraes. Primeiro, ele deve apresentar as questões preliminares suscitadas pelas defesas. Nessa fase, o tribunal avalia se o processo preenche os requisitos formais para seguir adiante.

As principais questões preliminares já foram analisadas pelo STF em julgamentos anteriores: o foro onde o processo será julgado e os ministros que participarão da sessão. Portanto, essa fase do julgamento deve ser breve.

O STF decidiu em dezembro de 2023 que o foro para julgar ações penais são as turmas, e não o plenário. As turmas são colegiados menores, com cinco ministros cada. O plenário maior é composto dos onze ministros, inclusive do presidente, Luís Roberto Barroso.

O tribunal também definiu que o foro indicado  para julgar crimes cometidos contra o tribunal é o próprio Supremo. Portanto, ainda que o suspeito não tenha foro especial, será julgado no STF. Esse entendimento foi firmado ainda em 2019, quando foi aberto o inquérito das fake news. As investigações sobre os atentados à democracia foram inseridas na mesma esteira.

Na semana passada, o STF decidiu que os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Alexandre de Moraes são isentos para julgar o caso. A defesa de Bolsonaro questionou a imparcialidade dos três, mas os ministros do tribunal derrubaram a tese.

Se a ação penal for aberta, como indica a tendência do tribunal, será iniciada uma nova fase de investigações, com depoimentos e produção de provas. Ao fim dessa fase, a Primeira Turma vai definir se os réus serão condenados ou absolvidos.