Cada vez mais em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem cuidado de tratar pessoalmente da difícil relação de seu governo com o Congresso Nacional. O petista chamou para si a tarefa de administrar os humores dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para tentar garantir nas duas casas os interesses do governo. Apesar de gostar da conversa política, o movimento de Lula tem também por motivo a inação de algumas áreas, entre elas a Casa Civil, comandada por Rui Costa, que deveria servir de retaguarda política para o chefe.
O governo está ciente de que há uma guerra de versões após a repercussão negativa do decreto que aumentou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e tomou providências para tentar unificar um discurso. O objetivo é evitar que os desentendimentos entre Costa e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) não continuem contaminando o ambiente já conflagrado pelo aumento do imposto.
Esse foi o assunto de uma reunião realizada na manhã desta quarta-feira, 28, no Palácio do Planalto. Participaram do encontro os ministros Sidônio Palmeira (Secom), Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais), Costa e Haddad.
A guerra de versões que atrapalha o governo tem Rui Costa como alvo. O chefe da Casa Civil é acusado internamente de não exercer a contento as funções do cargo que ocupa e, com isso, não poupar o presidente de situações delicadas, como o de ter que se envolver pessoalmente, mais do que gostaria, no embate político. As críticas indicam que Lula acaba aparecendo como refém do Congresso e, dessa vez, não foi diferente.
O fato de Costa colecionar desafetos agrava a situação do governo. Haddad é um deles. O titular da Casa Civil sempre se ressentiu do fato de o ministro da Fazenda tratar dos assuntos de sua pasta diretamente com Lula, e de só avisar os colegas palacianos das decisões depois do desenho feito junto ao presidente.
No caso do aumento do IOF, o que se seguiu após a repercussão negativa da medida foi uma guerra de versões. De um lado, pessoas ligadas à Fazenda apontam que a Casa Civil ficou sabendo uma semana antes do anúncio. Do outro, pessoas ligadas à Casa Civil indicam que os detalhes do decreto não foram informados e, por isso, Costa não teve tempo de agir. Também no Planalto, há quem diga que o assunto não foi tratado nem com Gleisi Hoffmann, que poderia ter preparado o terreno na Câmara e no Senado para receber a proposta.
Encontro de Lula com Alcolumbre e Motta
Após o anúncio que provocou uma enxurrada de reações negativas, Lula precisou chamar Alcolumbre e Motta para um almoço no Alvorada, no último domingo, fora da agenda. A imagem passada foi a de um presidente de um governo fraco, refém do Congresso. Hoje, interlocutores do Planalto avaliam que, se a Casa Civil tivesse atuado na retaguarda política, o quadro não seria tão desfavorável.
Gleisi tem evitado comentar a atuação de Rui Costa e atuado, junto com o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), para convencer Motta a não pautar o projeto de decreto legislativo que anula o decreto do governo. Ela não se mobilizou antes porque também não teve ciência do decreto, segundo interlocutores próximos. Agora, com os humores acirrados, ela trabalha para manter o decreto e busca se distanciar dos atritos entre as equipes da Fazenda e da Casa Civil. “Agora é tentar manter o decreto, não se importando se a Fazenda falou antes com a Casa Civil, falou pela metade o que seria o anúncio ou se não falou”, disse um dos interlocutores do Planalto.
Para convencer líderes a não derrubarem o decreto, Gleisi se utiliza de uma conta apresentada pelo Ministério da Fazenda que indica que, sem o dinheiro do IOF, o governo terá que fazer o bloqueio de emendas parlamentares para poder fechar o caixa. Em conversa com Motta, a ministra apontou a possibilidade de um congelamento ainda maior de emendas parlamentares caso o decreto seja derrubado.
A função da Casa Civil é assessorar o presidente, com um amplo leque de atribuições, como gerir ações governamentais, patrimônio e suprimentos, articulação com outros órgãos e entidades, com o Congresso e o Judiciário. No episódio envolvendo o aumento do IOF, o sentimento no governo é de que Costa deixou a rixa com a Haddad falar mais alto e não cumpriu a função que deveria desempenhar.
“Primeiro-ministro”
Vez por outra, Lula tenta enfatizar o papel central de Costa no governo. Em maio do ano passado, por exemplo, o presidente se referiu a ele como seu “primeiro-ministro”, dando apoio ao auxiliar quando houve a divulgação das investigações em que a Polícia Federal encontrou indícios ligando Rui a irregularidades em um contrato de R$ 48 milhões para a compra de respiradores na Bahia, durante a pandemia.
Na primeira reunião ministerial, Lula reforçou a autoridade de Costa ao pedir que cada ministro se reportasse a ele antes de fazer anúncio de qualquer “genialidade”. Ele havia ficado irritado com o anúncio feito por Marcio França (PSB), então ministro de Portos e Aeroportos, sobre um programa para oferecer passagens aéreas, subsidiadas, a 200 reais para uma faixa da população que ganha até 6,8 mil reais mensais.
Procurada pelo PlatôBR, a Casa Civil disse que não se manifestaria sobre a guerra de versões internas no Palácio do Planalto e que o próprio ministro deu ordens expressas para que esse assunto não fosse objeto de comentários. Um dos interlocutores de Costa disse que, se há uma guerra de versões sobre o tratamento dado ao decreto, a Casa Civil é vítima de um bombardeio e, por isso, prefere não tratar do assunto.