Guilherme Amado Coluna

Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

PlatôBR: Prisão de Bolsonaro causará tumulto social, analisa Pablo Ortellado

Professor da USP e um dos maiores estudiosos da polarização no país, Ortellado vê risco de intensificação da polarização com eventual prisão em regime fechado

Reprodução/Redes sociais
Bolsonaro exibe tornozeleira eletrônica no Congresso: dispositivo é parte de medidas cautelares contra ex-presidente Foto: Reprodução/Redes sociais

A prisão domiciliar do Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, reforça a polarização e oferece munição para que o ex-presidente desgaste o Supremo. A avaliação é de Pablo Ortellado, diretor-executivo da More in Common Brasil e professor da USP, em entrevista ao programa Matinal, do youtube.com/@amadomundo. A More in Common é uma organização presente em diversos países, que pesquisa e trabalha contra a divisão social.

Ortellado afirmou na entrevista que Bolsonaro “cavou” a própria prisão ao descumprir a determinação que proibia o uso de redes de terceiros. Para ele, a decisão de Moraes colaborou para isso, ao ser construída de forma heterodoxa, facilitando a narrativa de perseguição difundida pelo bolsonarismo.

O professor previu que uma eventual condenação em regime fechado, especialmente às vésperas da eleição, deve acirrar o clima político e aumentar a mobilização da base do ex-presidente.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como você viu a prisão de Jair Bolsonaro, decretada na segunda-feira, 4, à luz da polarização? Pode explicar o conceito de “polarização afetiva”?

A polarização afetiva é essa dinâmica que vemos na sociedade, na qual as pessoas que abraçam uma identidade, por exemplo, a identidade conservadora, tornam-se intolerantes com quem adota a identidade adversária, como a petista, e vice-versa. Isso acontece também do outro lado: pessoas de esquerda que adotam a identidade petista vão se tornando crescentemente intolerantes. Essa dinâmica começa no Brasil por volta de 2014 e dá um salto, consolidando-se em 2018.

Essa prisão é mais uma etapa nesse processo de reafirmação dessas dinâmicas de identidade. Alexandre de Moraes, ao construir essa primeira determinação de forma um pouco heterodoxa, proibindo redes de terceiros, deu a deixa para Bolsonaro explorar e forçar a situação. Ele [Bolsonaro] cavou essa prisão com o intuito de desgastar o Supremo, porque duas coisas acontecem em paralelo. Por um lado, há o julgamento de Bolsonaro e das pessoas envolvidas no 8 de janeiro e nos eventos e movimentações que o precederam. Por outro, há na sociedade um julgamento do papel da Justiça.

Os bolsonaristas estão em uma campanha de descredibilização da Justiça, que está funcionando. Pesquisas de opinião mostram o Judiciário bastante desgastado entre a metade da população que votou em Bolsonaro. O fato de essa primeira deliberação ter sido mal construída, na minha avaliação, de forma heterodoxa e não pacífica, com a ideia de proibir que terceiros publiquem e punir alguém por ação de terceiros, facilita que ele explore politicamente os efeitos da prisão. Ele obviamente fez isso de propósito: sabia que a cautelar proibia e publicou deliberadamente uma mensagem inócua. A Justiça precisa agir de forma muito ortodoxa e construir consenso na comunidade jurídica e na opinião pública para evitar esse tipo de desgaste. Isso está acontecendo agora e vai continuar acontecendo porque faz parte da dinâmica da polarização: o outro lado explorar e tentar desgastar a Justiça.

Essa decisão deve aumentar a mobilização nas redes?

Essa última manifestação foi grande, ao nível histórico de mobilização. No laboratório da USP, medimos isso há muito tempo e, nos últimos dois anos, as mobilizações bolsonaristas ficam nesse patamar de 35 a 45 mil pessoas por evento, um número muito alto — cerca de três vezes mais do que a esquerda normalmente reúne, embora já tenha havido ocasiões em que a esquerda colocou mais gente. Em geral, eles mobilizam em nível bem maior.

O ato de domingo retomou esse patamar. A manifestação anterior, cerca de um mês antes, foi muito baixa, caindo para aproximadamente um terço do que historicamente mobilizavam. O clima era ruim, havia desmotivação. Desta vez, houve um entusiasmo muito maior, que atribuo não tanto ao desgaste da Justiça, mas às tarifas e à Lei Magnitsky. Os bolsonaristas viram isso como uma espécie de vingança, sentindo-se justiçados por uma ação do governo americano. Isso energizou a base e trouxe de volta o nível histórico de mobilização.

Acredito que, após essa prisão, teremos dois efeitos acumulados: o sentimento de vingança e satisfação com a ação do governo americano, somado à indignação pela prisão de Bolsonaro. Espero uma mobilização bastante significativa na próxima vez.

Com a possibilidade de prisão em regime fechado a menos de um ano da eleição, o que esperar?

Acho que vai ser muito ruim e vai gerar grande instabilidade política. Não será como a prisão de Lula, que provocou manifestações de insatisfação, como o acampamento em Curitiba, onde as pessoas protestaram e consideraram a prisão injusta. Bem ou mal, não houve nenhuma tentativa além da retórica, e o jogo político continuou. Não houve descrença no sistema de Justiça.

Leia a entrevista completa e assiste ao vídeo em PlatôBR.