PlatôBR: PGR vai usar documento da defesa contra réu da trama golpista

Equipe de Gonet inclui nas acusações finais registro de localização levado ao STF por advogado de Filipe Martins para corroborar mapeamento da PF sobre presença do acusado no Alvorada durante reunião da "minuta do golpe"

Divulgação/Fundação Alexandre Gusmão
Foto: Divulgação/Fundação Alexandre Gusmão

A equipe do procurador-geral da República, Paulo Gonet, trabalha de olho no relógio para concluir os pedidos de condenação dos acusados de integrar a linha de frente do plano de golpe de Estado, formada por homens de confiança de Jair Bolsonaro, como militares “kids pretos”, políticos, agentes públicos e assessores diretos. A PGR entrega ao STF (Supremo Tribunal Federal), até a próxima semana, as “alegações finais” do pacote de quatro ações penais que têm o ex-presidente como alvo central. O início dos julgamentos na Primeira Turma da Corte está previsto para setembro.

O acervo probatório que a PGR vai usar para sustentar os pedidos de pena de prisão e perda de cargos públicos para os réus ganhou recentemente uma prova inusitada. São os registros completos de deslocamentos por Brasília feitos de Uber por Felipe Martins, ex-assessor de confiança do clã Bolsonaro que tinha livre acesso ao Planalto no final de 2022.

O material “caiu de bandeja” na mesa da equipe da PGR e deve ser inserido nas acusações finais, em fase de ajustes finos antes da entrega ao ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos no STF, segundo apurou o PlatôBr. O documento foi entregue pelos defensores de Martins para questionar a consistência dos mapas de geolocalização feitos pela PF para indicar que Martins estava no Palácio da Alvorada em datas e horas em que reuniões dos planos de execução do golpe foram apresentados e debatidos com Bolsonaro e comandantes das Forcas Armadas. O ex-assessor nega ter participado dessas conversas.

Fornecidos pela empresa de aplicativos de transporte aos advogados, os dados indicam, na visão da defesa, horários que não batem com os eventos identificados no inquérito. No entendimento dos advogados, as informações contestam parte das provas de acusação. Filipe Martins foi denunciado pela PGR como figura central do “núcleo jurídico” da trama e autor do documento chamado de “minuta do golpe”. O delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, foi quem indicou seu nome como um dos autores do documento.

A PF montou mapas de localização dos alvos e dados, cruzou com celulares e sinais de antenas de telefonia, analisou mensagens apreendidas e quebras de sigilos para reconstituir os passos de Martins e de outros réus, como os militares “kids pretos” envolvidos no atentado a Moraes do dia 15 de dezembro de 2022, abortado durante a execução, segundo as denúncias.

O problema é que aparentemente houve erro de leitura dos registros de horários feitos pela defesa de Martins, que desconsiderou a necessidade de conversão do horário registrado pela Uber, que segue padrão internacional, para o fuso do Brasil, que tem três horas de diferença. Os advogados foram alertados da possível falha na última semana de julho por Fábio Shor, delegado da PF que chefiou as investigações nos interrogatórios dos réus e depoimentos de testemunhas. Ele interpretou as supostas divergências usadas pela defesa como inconsistências da apuração e até agradeceu em tom de ironia aos advogados por fornecer provas contra o próprio cliente.

“Bom, quero até agradecer ao senhor pela juntada desses dados da Uber. A Uber encaminhou para a gente um dado, que hoje a gente verifica que estava incompleto, em relação ao deslocamento do senhor Filipe Martins. Mas, com essa juntada desses documentos, auxiliou muito a investigação, inclusive corroborou encontros que o senhor Filipe Martins teve que a gente descreveu no nosso relatório final”, afirmou Shor, ouvido como testemunha no processo.

Registro de entrada
Um exemplo citado no interrogatório foi o registro da entrada de Filipe Martins no Alvorada às 7h53 do dia 9 de dezembro de 2022. Na planilha das viagens de Uber obtida pela defesa, consta a chegada do réu ao local às 10h53, dado que para os advogados indicava inconsistência da prova usada pela PF. Porém, considerando as três horas a menos de fuso, a informação confirma a presença do ex-assessor na data e hora indicadas pela acusação, segundo o delegado.

Em duas horas de depoimento, Shor disse que os dados de deslocamentos entregues reforçaram as provas da apuração. “Os dados que foram agregados pela defesa técnica, pelo senhor, do Uber, inclusive, foram muito esclarecedores nesse sentido, que comprovam, inclusive, os registros do Palácio do Alvorada de entrada dele.” O documento ainda reforçou, segundo o delegado, indício de que Martins usou “artimanha” também adotada por militares “kids pretos” para não serem rastreados nas investigações, deixando seus telefones oficiais em casa durante movimentações operacionais em Brasília.

O material foi anexado pelos advogados Jeffrey Chiquini e Ricardo Scheiffer na fase de instrução dos processos do pacote que deve condenar Bolsonaro. É só um exemplo dos debates que dominarão os julgamentos no STF dos acusados pela trama golpista. São 27 réus dos chamados núcleos 2, 3 e 4, que tinham funções operacionais, de gestão, execução e inteligência na na tentativa de golpe, segundo a PGR. Essas ações penais serão julgadas em conexão com a de Bolsonaro e dos seis cabeças do chamado núcleo crucial 1 da organização criminosa – que está em fase adiantada e tem pena de 49 anos de prisão pedida pela PGR.

As ações penais são o motor da escalada de ataques ao STF empreendida por Bolsonaro, e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), seu filho, para não ser preso por ordem de Moraes. A ofensiva teve como consequência, de forma surpreendente, retaliações de fundo político do presidente Donald Trump dirigidas ao Supremo e ao relator dos processos em busca de uma anistia forçada para o ex-presidente.

A defesa de Martins acusa a prática de lawfare no processo e pediu – como outros defensores – a nulidade das apurações e a retirada das ações penais das mãos de Moraes por suposta parcialidade.