PlatôBR: O dilema entre desenvolvimento e proteção ambiental na visão do MPF

Coordenadora da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal, Luiza Frischeisen defende a necessidade de debate no Congresso, com participação de todos os setores interessados, sobre os vetos presidenciais, a medida provisória e o projeto de lei que mudam as regras do licenciamento

Luiza Frischeisen
Luiza Frischeisen Foto: Daniel Medeiros/PlatôBR

Os recentes vetos de Lula às novas regras de licenciamento ambiental aprovadas em julho pelo Congresso retiraram parte significativa dos pontos apontados pelo Ministério Público Federal como contrários à tendência do resto do mundo, que busca conciliar desenvolvimento econômico com preservação do meio ambiente. Alguns itens do texto do Legislativo, o MPF identificou, descumpririam tratados internacionais.

Esse assunto está no centro das preocupações da subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF. “O Brasil precisa dos grandes empreendimentos, mas para que eles possam dar certo precisam respeitar as normas ambientais”, afirmou ela em entrevista ao PlatôBR.

A discussão agora volta para o Congresso, que vai debater os vetos, a medida provisória e o projeto de lei que o governo enviou em regime de urgência para substituir os trechos excluídos pelo presidente. Para Frischeisen, as alterações feitas pelo governo foram positivas, mas não resolvem o problema. “O Brasil vai sediar a COP30, em Belém, em novembro. Precisamos indicar que o país tem compromissos internacionais, não está isolado”, afirmou.

Abaixo, os trechos principais da entrevista.

O governo Lula sancionou com 63 vetos o marco legal de licenciamento ambiental. Há ainda pontos a se discutir?

O Ministério Público Federal fez uma nota técnica com sugestões de vetos, alguns foram plenamente acatados, outros não. O Executivo mandou para o Congresso uma medida provisória, que trata da licença ambiental especial, e também um projeto de lei com urgência constitucional. Não há dúvida de que é necessário um marco legal sobre o licenciamento ambiental modernizado, relacionado com as demandas atuais de grandes empreendimentos de infraestrutura. Mas, por outro lado, também temos que saber dos impactos desses empreendimentos. Porque tudo acaba afetando populações no entorno e, muitas vezes, pode gerar efeitos nocivos para os próprios empreendimentos, porque questões ambientais não foram consideradas. Existe a necessidade de diálogo no Congresso sobre os vetos, sobre a medida provisória enviada e esse projeto de lei com urgência constitucional. Para o Ministério Público Federal tem pontos que foram importantes, como a questão do marco legal, das regras gerais de licenciamento serem da União. No meio ambiente, embora União, estados e municípios possam ter atribuição para regular, o licenciamento tem que ser nacional e, a partir daí, ter regras locais. Vai ser um debate feito no Congresso e eu acho importante que eles abram um espaço para esse debate.

O que levou o Ministério Público a pedir vetos?

O que indicamos que poderia ser um retrocesso é não haver consulta às comunidades. Tem que fazer consulta em grandes empreendimentos. Havia também o autolicenciamento para médio porte, e isso também foi vetado. O desmonte, no sentido de que cada um poderia fazer suas regras. Você precisa ter regras gerais pela União. Aí os estados e os municípios têm que respeitar essas regras em perspectivas locais. Agora, há esse debate no Congresso de análise dos vetos. Como eu falei, tem a medida provisória específica e também o projeto de lei com urgência constitucional, a gente vai ter ainda no segundo semestre debates em torno do tema. Acho importante que o Congresso e o próprio Executivo consigam fazer um debate com a sociedade civil, com os órgãos de fiscalização, com o Ministério Público, com a as instituições ambientalistas, as ONG’s ambientalistas, para que a gente chegue a um denominador comum. O Brasil precisa dos grandes empreendimentos, mas para que eles possam dar certo precisam respeitar as normas ambientais. A gente tem exemplos aí de quando isso não é feito, o próprio projeto do grande empreendimento pode ficar prejudicado.

No caso da medida provisória editada depois dos vetos da lei especial, faltou discussão?

O Congresso vai ter esse tempo para analisar os vetos e pode derrubar ou não. O governo mandou a medida provisória para criar um rito específico, regulamentar de outra forma. Essa lei é um licenciamento especial para determinados empreendimentos. O governo diz: “Olha, é importante que alguns empreendimentos tenham uma licença especial, mais rápida”. Por outro lado, o fluxo ou o rito que foi fixado no projeto de lei, no ponto de vista do Executivo, não seria o mais adequado. Tem que ter um rito especial, tem que ser analisado e nós ainda vamos fazer isso. Eu espero que eles façam o debate agora em agosto, setembro. Vamos ver como vai ser.

O que aconteceu com o CAR, o Cadastro Ambiental Rural?

O CAR é autodeclaratório. O estado tem um sistema em que o produtor rural declara “olha, a minha propriedade é essa e nela eu preservo tantos por cento do bioma do meio ambiente”. Na região amazônica é um percentual, no cerrado, é outro. Isso é feito pelos estados e permite, por exemplo, que os órgãos federais digam: “Olha, aqui não houve desmatamento, porque aqui está preservado”. Então é muito importante que o CAR exista, que os sistemas estaduais sejam integrados de forma nacional, que é o que o Supremo Tribunal Federal mandou que fosse feito. O projeto do Congresso acabava com a obrigação. Se houver uma falsidade ideológica, por exemplo, aqueles que fizeram vão ser responsabilizados. Não podemos esquecer, o Brasil vai sediar a COP30, em Belém, em novembro. Precisamos indicar que o Brasil tem compromissos internacionais, o país não está isolado, existem compromissos internacionais que temos que atender. .

Os ambientalistas chegaram a chamar o projeto de “PL da devastação” e o MPF apontou pontos de retrocessos. O que faltou?

Acho que a gente tem que entender que em todo país as populações, em determinados lugares, querem o desenvolvimento socioeconômico. Para isso você precisa conciliar o interesse estratégico das populações e o interesse ambiental. Temos que pensar formas de desenvolvimento que respeitem o social. Formas de produção e desenvolvimento que estejam de acordo com o século 21 e que respeitem as populações. O principal é conseguir um debate franco, leal, democrático, republicano, onde as pessoas se escutem e possam chegar a um denominador comum. Esse lugar tem que ser o Congresso Nacional.

Os empreendedores, o agronegócio ou o MPF? Quem é o inimigo da natureza?

Não, eu acho que nem é o agronegócio, nem o Ministério Público o inimigo. Acho que a gente tem que sair dessa lógica de amigo e inimigo. Temos que admitir que existem mudanças climáticas, que afetam todos os negócios que dependem do clima. O que a gente tem que entender é que quando se fala em desenvolvimento estratégico, tem os compromissos internacionais do Brasil, tem que ouvir as pessoas locais, compreender que aquilo está sendo feito vai gerar consequências, tentar mitigar. A gente fala muito no agronegócio, mas a lei de licenciamento está relacionada a muitas outras coisas. Por exemplo, construção de estradas, portos, hidrovias, até os grandes resorts no litoral.

Outro ponto da discussão ambiental é a questão da mineração no país. Temos casos recentes de tragédias envolvendo resíduos. O marco legal abrange o problema?

A mineração é um uma atividade super importante para o Brasil, gera ICMS para os estados, também é geradora de empregos, de divisas para o Brasil, importantíssima para a indústria. Mas acontece que a mineração gera resíduos. Para que a gente não tenha problemas, como em Brumadinho, em Mariana (MG), na Braskem, em Maceió, e em outros lugares, temos que estar permanentemente pensando em normas de segurança, não só nas barragens de resíduos, mas para as próprias explorações de mineração. Fala-se muito hoje em terras raras, minérios que são poucos, em poucos países. Tudo isso a gente precisa ter regras claras. Primeiro para que a exploração se dê com o menor degradação possível no meio ambiente.

A senhora citou a COP30. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é uma referência mundial na área. A senhora esperava mais desse governo?

Não, eu acho que cada governo faz o que é possível. O Executivo é importante, mas esse tema necessariamente envolve o Congresso e também o Judiciário. A gente vive um um momento em que o tema do meio ambiente é nacional e é internacional. Muito difícil hoje você trabalhar qualquer tema sem tratar do meio ambiente, porque as mudanças climáticas estão aí. Se você for verificar no mundo, as cidades estão pensando nisso, temos que ter mais cobertura vegetal, mais absorção de água, lutar contra as enchentes, usar essas águas em locais em que falta. Tem também a parte do crime ambiental. Vários estudos no Norte do país mostram que os crimes ambientais estão altamente relacionados a financiamento de facções, tráfico de drogas. Isso é uma coisa comum na região amazônica.

A coordenadoria da Câmara é só uma das funções da senhora na PGR. A outra é a área criminal no STJ. Há um aumento de processos, escândalos, casos de crimes envolvendo tribunais de justiça nos estados, governadores, autoridades com foro?

Não acho que exista aumento. No caso de desembargadores, conselheiros e membros do Ministério Público, isso alcança inclusive crimes comuns, porque são mandatos vitalícios. No caso de governadores, só os crimes praticados em relação ao mandato enquanto governadores. E esses processos são sempre complexos, portanto, demoram um pouco, tanto na investigação quanto depois, se houver denúncia e julgamento. Não é que aumentou, nós estamos atuando em processos que já existiam. O que originou um aumento de volume não tem a ver com aumento de fatos criminosos, e sim com a nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que decidiu que a prerrogativa de foro permanece, mesmo que o governador não seja mais governador. O que nós estamos vivenciando hoje é a vinda de processos de ex-governadores, de investigações ou até de ações penais que estavam em andamento de ex-governadores, que estavam sendo investigados ou processados por atos relacionados ao mandato, enquanto governadores. Então a gente tem um volume, mas não é de novos fatos, sim de mudança da jurisprudência, o que no Supremo alcançou ex-senadores e ex-deputados.

Sobrecarrega?

Sobrecarrega… nós estamos nessa verificação lá. Estamos atuando na questão e acho que o aumento tem a ver com isso. É um aumento que ainda tá sendo dimensiona. Os processos ainda estão vindo.