As medidas de estímulo ao consumo do governo anunciadas nos últimos 30 dias têm como foco os trabalhadores da classe média com carteira assinada e, portanto, com direitos e deveres regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). No entanto, nos últimos anos, o Brasil viveu um forte crescimento de profissionais autônomos, pessoas que trabalham por conta própria e, também, informais. Nesse cenário, especialistas alertam que o presidente Lula pode ser um problema para converter em votos o pacote de bondades que o governo vai implementar até as eleições de 2026.
Somente no último mês, três medidas anunciadas pelo governo prometem beneficiar 70 milhões de brasileiros e devem movimentar R$ 123 bilhões este ano e em 2026. Nessa lista estão a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, o consignado privado (linha de crédito para trabalhadores com carteira assinada a um custo menor e desconto em folha) e a liberação do saldo remanescente do FGTS para quem optou pelo saque aniversário e foi demitido entre janeiro de 2020 e fevereiro deste ano.
Considerado um dos maiores especialistas em consumo do país e em opinião pública, o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, destaca que todas as ações são para o mercado formal de trabalho. “O presidente Lula só irá reverter a baixa popularidade se crescer a sua avaliação entre os informais e empreendedores, porque esses muitos e são os menos protegidos”, afirma o pesquisador.
Segundo dados oficiais do IBGE, no final do ano passado, os trabalhadores por conta própria representavam 25% da população no mercado de trabalho, incluídas as pessoas que exploram o seu próprio trabalho, sozinhas ou com sócio, mas sem empregados. Se for considerada a taxa de informalidade geral, que computa as pessoas que não têm vínculo empregatício formal, o percentual é de 38,6%.
“Essas pessoas não são atingidas pelas novas medidas do governo, não estão sob a proteção dos programas sociais e não têm poupança”, destaca Meirelles. “Há uma mudança no mercado de trabalho, muitas pessoas são empresárias de si mesmas e a falta de perspectiva de um futuro melhor pesa muito na hora de avaliar o governo”, explica o economista André Perfeito.
Seja por vocação para empreender ou por necessidade, esses trabalhadores estão no mercado e, com a conjuntura atual de alta da inflação, elevação da taxa de juros e reversão do crescimento, eles se sentem afetados no bolso, na mesa, na conta bancária, e ficam assustados em relação ao futuro, aumentando a insatisfação com o governo.
Meirelles reconhece que as medidas anunciadas até aqui podem ajudar o presidente Lula a reverter parte da avaliação negativa, mas chama atenção para o fato de a inflação elevada corroer parte dos ganhos. Destaca também que o governo precisa entender que todas as pesquisas mostram que o grande sonho do brasileiro é empreender. Até mesmo entre os beneficiados pela CLT, metade dos trabalhadores diz que gostaria de empreender. “O governo não está olhando para esse público”, diz especialista.