PlatôBR: ‘Me sinto pronto’, diz Eduardo Leite sobre plano de disputar o Planalto

Em entrevista, o governador do Rio Grande do Sul defendeu a necessidade de o país superar a polarização e o ódio na política. Ele também apontou como urgente a adoção de medidas para ajustar as contas públicas

Daniel Medeiros/PlatôBR
Eduardo Leite Foto: Daniel Medeiros/PlatôBR

Eduardo Leite se diz pronto para ser candidato ao Palácio do Planalto. E já tem o discurso equalizado: quer ser o caminho alternativo à polarização entre o petismo e o bolsonarismo e resgatar nos brasileiros um “sentimento de esperança” no lugar “da raiva e do rancor”.

Recém-filiado ao PSD, o governador gaúcho também tem na ponta da língua um argumento talhado para reivindicar prioridade em relação a seus concorrentes na centro-direita, em especial Tarcísio de Freitas (Republicanos), que nos bastidores é apontado como a opção predileta do comandante de seu novo partido, Gilberto Kassab: para além de lembrar que o governador de São Paulo pode buscar mais um mandato no Palácio dos Bandeirantes para “seguir semeando novos projetos” e consolidar seus feitos, ele promete que, se chegar ao Planalto, uma de suas prioridades será trabalhar pelo fim da reeleição. Sustenta que quer apenas um mandato – seria o suficiente, diz, para fazer o que pretende.

“O recado é o seguinte: me ajudem a fazer as reformas, me ajudem a colocar o país nos eixos e não se preocupem com a próxima eleição porque não serei candidato”, disse em entrevista exclusiva ao PlatôBR nesta quarta-feira, 6 (assista aqui).

Nas entrelinhas, é um discurso para assegurar aos demais pretendentes, em especial aqueles que correm na mesma raia, como Tarcísio, que não precisarão esperar tanto tempo na fila caso topem abrir mão da candidatura em 2026. Eduardo Leite, que diz ter como referências na política Fernando Henrique Cardoso e Barack Obama, ainda tem aparecido modestamente nas pesquisas de intenção de voto no primeiro turno (menos de cinco pontos percentuais), mas acredita que pode avançar. Em cenários de segundo turno, ele chega a empatar tecnicamente até com o presidente Lula.

Se repete incansavelmente o discurso de que o Brasil precisa superar a polarização, o governador também insiste em outra necessidade premente: ajustar as contas públicas, sob pena de a máquina parar. “Nós temos um déficit monumental nas contas públicas, projeções futuras de falta de dinheiro para pagar o custeio básico da máquina pública. Não é faltar dinheiro para investir. Vai faltar dinheiro para pagar os serviços para a população”, afirma, em tom grave.

Eis a entrevista.

O senhor se vê como candidato a presidente da República?
Eu participei das prévias do PSDB lá atrás, então acho que já demonstrei que tenho disposição, energia e me sinto pronto para exercer essa função. Agora, uma candidatura à Presidência não é uma decisão só nossa. Eu, sim, me sinto pronto, disposto e com energia, mas a gente tem que construir isso dentro do partido. Eu defendo que o Brasil possa superar esse momento de polarização e que a gente saia desse clima bélico de hoje, que tenta sempre tachar quem pensa diferente de alguém mal-intencionado. É preciso sair da discussão sobre as pessoas e passar a discutir os problemas. E se eu defendo esse movimento de despolarização, eu tenho responsabilidade com ele, inclusive para liderar esse movimento. Acho que, a partir do segundo semestre, com a retomada dos trabalhos legislativos, teremos um momento de tensionamento, especialmente em função de episódios relacionados ao ex-presidente (Jair) Bolsonaro e das questões das tarifas. Mas imagino que, mais perto do final do ano, a gente tenha um cenário mais claro do ponto de vista do tabuleiro eleitoral e, assim, possamos definir melhor as candidaturas. Mas, sim, eu me disponho. Me interessa e quero ajudar o país a sair dessa difícil situação em que está, inclusive me tornando candidato a presidente.

O presidente de seu partido, Gilberto Kassab, é secretário de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, outro nome colocado como pré-candidato ao Planalto. No próprio PSD tem ainda governador do Paraná, Ratinho Júnior, que também é apontado como interessado na disputa. Como o senhor entende que Kassab vai lidar com isso?
O presidente Kassab tem sido muito habilidoso e competente na condução do partido, e também muito firme em posições relacionadas ao país. Acho que o que ele construiu no PSD foi fruto de uma articulação que reuniu nomes verdadeiramente interessados em oferecer alternativas para o Brasil. Ao me movimentar para o PSD, eu estou justamente dizendo isso: “Olha, não contem comigo para dividir”. Se eu quisesse simplesmente ser candidato a qualquer custo, de qualquer jeito, para atender a uma aspiração pessoal, eu ficaria onde estava e provavelmente teria candidatura garantida. Mas não é sobre atender à minha aspiração. O político naturalmente também tem a aspiração de ascender. Eu fui prefeito, fui governador, e ser presidente da República será uma honra. Mas, antes da minha aspiração como político, vem a minha aspiração como brasileiro, e como brasileiro eu não quero mais ver o país se engalfinhando em conflitos. O governador Ratinho é um bom governador, tem habilidade e faz um governo correto no Paraná, com bons resultados. O governador Tarcísio também tem talento para a gestão e entrega bons resultados em São Paulo, modernizando a máquina pública. Temos convergências e divergências, e uma delas é justamente o posicionamento em relação ao ex-presidente Bolsonaro. Essa é uma diferença que nós temos. Eu não apoiei Bolsonaro, não sou apoiador dele, assim como não sou apoiador de Lula. Isso me dá mais independência para ajudar o país a superar o quadro de polarização. Mas a definição vai se dar mais à frente. Nós vamos ter que discutir projeto. Não é só sobre ganhar a eleição. É sobre viabilizar um projeto de país. Que projeto é esse, quais são as prioridades? O país precisa modernizar a máquina pública, precisa fazer reformas. Nós temos um déficit monumental nas contas públicas, projeções futuras de falta de dinheiro para pagar o custeio básico da máquina pública. Não é faltar dinheiro para investir. Vai faltar dinheiro para pagar os serviços para a população. É isso o que o próprio governo reconhece em seus relatórios. Qual é a agenda para superar isso? A gente vai ter que promover uma união em torno de um projeto. E tendo uma união em torno de um projeto, a gente vai identificar quem melhor pode liderar esse projeto na hora certa.

O senhor fala muito em convergências e divergências com o governo Lula. Seu novo partido está na base do governo e, ao mesmo tempo, na oposição. Qual é a sua postura em relação a isso?
Eu me posiciono como oposição ao governo Lula. Oposição no sentido de divergência de ideias, não para inviabilizar o governo. Discordo da forma como o país é conduzido. As manifestações do presidente Lula relacionadas aos Estados Unidos, por exemplo, são, na minha visão, absolutamente equivocadas. Elas abrem um cenário de instabilidade e prejudicam relações com um parceiro tão importante e histórico como os Estados Unidos. Por isso, me coloco como oposição. Mas insisto: sou, antes de tudo, governador de um estado que faz parte de uma federação e que tem um presidente da República. O povo me escolheu, e o presidente Lula governa também para os gaúchos e brasileiros do meu estado. Nós temos coincidência de público, mesmo que sejamos oposição, e precisamos trabalhar juntos. Sou muito republicano nisso e minha tarefa não é buscar inviabilizar governos. O PSD, em 2022, não teve candidato à Presidência. Até fui convidado a migrar para o PSD naquela oportunidade, mas achei que não era oportuno às vésperas da eleição. Não tendo candidatura própria, grupos do partido escolheram um lado ou o outro. Agora, em 2026, acho que teremos a oportunidade de ter candidatura própria do PSD, algo que o presidente Kassab mira e busca. Se houver necessidade de composição em torno de um projeto de superação da polarização. Pode ser que não tenha, mas é muito provável que haja.

O senhor entende que o PSD, pelo tamanho que ganhou, merece a cabeça de chapa?
Eu entendo que sim, chegou a hora. Acho que houve uma articulação correta ao longo do tempo. Muitos do PSDB migraram para o PSD, como eu, por enxergar não apenas uma agenda correta para o país, mas uma forma de fazer política. Porque na política não é só o que fazer, é também como fazer. Numa democracia, a política é instrumento fundamental para arbitrar diferenças. Se você despreza a política, cria um ambiente de atritos, como temos visto, que inviabiliza políticas públicas. Então, o “o quê” e o “como” são igualmente importantes. E acho que o PSD reúne pessoas que têm apreço pela política bem feita, não a de concessão de benefícios, mas a que promove consensos mínimos críticos para o país avançar.

E, nessa equação, como resolver o fator Tarcísio de Freitas? Nos bastidores, há quem diga que o presidente do seu partido tem certo pendor pela candidatura de Tarcísio. Como resolver isso?
O governador de São Paulo sempre será um presidenciável, seja quem for. É possível que seja um nome, mas ele ainda está no primeiro mandato, no seu primeiro cargo eletivo. É razoável pensar que queira continuar. Eu sou governador reeleito e sei que boa parte do que colhemos agora foi plantado no primeiro governo. Ele terá a oportunidade, se reeleito, de colher o que plantou e seguir semeando novos projetos. Mas o contexto político pode desenhar outro caminho. E eu também ouço dos analistas que nada é garantido. O governador de São Paulo vai ser sempre um presidenciável. É um estado que tem quatro vezes a população do Rio Grande do Sul, grande força econômica e, naturalmente, concentra a cobertura dos veículos de comunicação. A cobertura jornalística sobre São Paulo é imensamente maior do que a dos outros estados. Nós, lá no Sul, ficamos gritando para mostrar: “Olha, botamos as contas em dia, reduzimos indicadores de criminalidade, retomamos capacidade de investimento”. Tem um monte de coisa boa que a gente fez, mas conseguimos entrar nas notícias nacionais apenas em notas menores. Já em São Paulo, qualquer coisa que se faça é mega, é grande, é gigante, e isso ocupa muito mais espaço. Então é natural que seja sempre um nome que desponte.

O senhor declarou que encarou com desânimo a prisão domiciliar do ex-presidente Bolsonaro. O senhor é contra a prisão?
O meu desânimo não é simplesmente por uma prisão ou não, é pelo contexto todo. O país elegeu cinco presidentes desde a redemocratização. Desses cinco presidentes eleitos, apenas um — Fernando Henrique (Cardoso) — não foi nem preso nem sofreu impeachment. Todos os outros ou sofreram impeachment ou foram presos, ou as duas coisas, como foi o caso do ex-presidente Collor. É muito triste isso. Não tem como ficarmos felizes, como brasileiros, vendo o país vivenciar algo assim. Também me preocupa o contexto da decisão do ministro Alexandre de Moraes. Vamos lá: até vi algumas pessoas que trouxeram minha declaração quando o presidente Lula foi preso, porque Lula foi preso num contexto de decisão de órgão colegiado. O processo passou pela primeira instância, segunda instância (TRF-4), depois por órgão colegiado no STF. A Justiça cumpriu toda uma jornada para chegar àquela decisão. Não é o que aconteceu agora. A jornada do processo do presidente Bolsonaro ainda está acontecendo. Depois do inquérito da Polícia Federal, da denúncia da Procuradoria-Geral da República e da instrução com depoimentos e provas, haverá o voto do relator (ministro Alexandre de Moraes) e aí vai para um órgão colegiado decidir sobre a condenação ou não. Pelo que observamos, e não tive acesso às milhares de páginas do processo, parece que há indícios de uma trama para ruptura institucional ou golpe. Se houver esse conjunto probatório, vai ter o voto, possivelmente pela condenação, e será apreciado por um órgão colegiado formado por ministros indicados por diferentes presidentes e chancelados pelo Congresso Nacional. Mas, nesta prisão especificamente, estamos falando de decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, bastante criticada por juristas e especialistas, porque é de difícil cumprimento. É complexo proibir que um ex-presidente, figura política relevante, use redes sociais próprias ou de terceiros. Até então, com tornozeleira, ele podia sair. Se alguém o gravar num mercado, por exemplo, e ele disser algo que seja interpretado como uso de rede social de terceiro… É uma decisão ruim, equivocada, que criou a condição para a prisão domiciliar. Quero deixar claro: não é uma crítica sobre Bolsonaro ser preso ou não no curso normal do processo. Se for condenado, que cumpra a pena. Mas prisão domiciliar por causa de manifestação em rede social, dentro desse contexto específico, é algo complexo e, na minha visão, um equívoco.

O senhor considera exagerada a decisão?
Como disse, a prisão domiciliar é sustentada por decisão anterior que proibia Bolsonaro de se manifestar em redes próprias ou de terceiros. Essa decisão é que considero equivocada, porque criou algo de difícil cumprimento. É quase impossível impedir que uma figura política tão relevante, com movimento político em torno de si, não se manifeste de qualquer forma. No momento em que botar o pé na rua, alguém vai filmar e perguntar algo. Ele vai ignorar? É difícil. Por isso, acho que aquela decisão foi equivocada e gerou, naturalmente, uma medida cautelar também equivocada. Mas insisto: isso não significa dizer que Bolsonaro não deva ser preso se, no processo regular, ficar provada uma trama de ruptura institucional. Nesse caso, que seja julgado por órgão colegiado, como entendo que deveria ser no pleno do STF (embora a estrutura interna direcione para uma das turmas). O importante é que haja decisão colegiada. Todos podemos falhar… Jornalistas, políticos, juízes. A forma de reduzir riscos é justamente ter um processo com vários elos: investigação pela PF, denúncia do MPF e decisão colegiada na Suprema Corte.

Falta moderação e comedimento na cena política brasileira hoje? Isso também vale para o Judiciário?
Acho que a política tem sido exercida de uma forma que nosso sistema eleitoral acaba favorecendo. Não existe sistema infalível, mas o nosso modelo proporcional em lista aberta estimula posturas radicais. Um candidato a deputado, por exemplo, pode ser odiado por 95% da população e ainda assim se eleger, se conquistar 1% ou 2% de votos. Isso é suficiente. Por isso defendo o voto distrital. Ele estimula a moderação, porque o candidato precisa agradar a uma média do distrito, não apenas a um segmento. Também melhora o accountability, ou seja, a possibilidade de o eleitor saber quem representa seu distrito e cobrar diretamente. No sistema atual, o voto é disperso e muitas vezes acaba elegendo alguém em quem o eleitor não votou. Acho melhor o distrital misto, como na Alemanha, que mantém vagas por lista fechada para garantir representação de segmentos — mulheres, etnias, orientações sexuais, crenças religiosas. Isso tempera a composição do Parlamento. Hoje vemos desprezo pela política e um jogo individualista. Os partidos perderam força, e, mesmo com a cláusula de barreira, a lógica de emendas parlamentares e financiamento estimula atuações individuais. Com a política fragilizada, o Judiciário é mais acionado, pois o Parlamento emperra a discussão de temas críticos. Como a Constituição é abrangente, tudo acaba indo parar no STF.

Sua gestão no Rio Grande do Sul foi marcada por reformas e também pela enchente de 2024. Como isso reforça seu nome para o cenário nacional?
Acho que minha trajetória me proporcionou ser testado em momentos muito difíceis. Comecei o mandato com uma crise fiscal violenta: o estado não conseguia pagar salários no fim do mês, atrasava fornecedores, não tinha capacidade de investimento e os serviços públicos se deterioravam. Não conseguíamos repor servidores em áreas críticas, como segurança pública e inteligência do governo. Somos o único estado em que a contribuição de servidores civis e militares é igual. Os outros estados seguiram o modelo nacional, com contribuições diferentes para servidores civis e militares. Nós fizemos uma reforma administrativa profunda, que limitou e restringiu o benefício de vantagens temporais para servidores de todos os poderes, incluindo a vedação a esse tipo de vantagem. Privatizamos as companhias estaduais de saneamento, de energia e de gás. Foi um programa muito forte e robusto de reforma da máquina pública. O resultado é visto hoje nos indicadores. Na segurança pública, por exemplo, tivemos redução de mais de 50% nos homicídios, quase 80% nos roubos a pedestres e quase 90% dos roubos de veículos. Somos o estado com menos roubos de celulares no Brasil, segundo dados oficiais. O estado saiu de 2% para 10% de capacidade de investimento no ano passado. É verdade que, nesse período, contamos com o acordo com a União que suspendeu o pagamento da dívida para viabilizar investimentos. Mas no ano anterior já tínhamos alcançado 6% ou 7% de capacidade de investimento. Triplicamos antes mesmo desse fôlego extra. Vale lembrar que, quando assumi, o estado também não estava pagando a dívida, mas, mesmo assim, não conseguia investir. Hoje, deixamos de pagar a dívida para direcionar recursos a um fundo de reconstrução, e alcançamos 10% de capacidade de investimento. Essa experiência de lidar com crises — estiagens, pandemia, enchente em 2024 — nos dá muito aprendizado para enfrentar situações difíceis. E está claro que o Brasil terá situações difíceis pela frente, exigindo coordenação política e priorização de uma agenda de transformação do gasto público.

Qual é a sua maior referência na política?
Nacionalmente, eu diria que é o presidente Fernando Henrique, alguém que, com serenidade, conduziu o país mesmo sofrendo muitos ataques. É importante lembrar: o PT, que hoje fala tanto sobre o golpe do impeachment da Dilma e sobre democracia, nos anos 1990 tentava incendiar o cenário político contra Fernando Henrique. Era campanha de “Fora FHC” para todos os lados. Esse cenário belicoso vem de longe, com uma forma de fazer política contestadora e raivosa. Em alguma medida, o que o bolsonarismo fez contra o PT tem conexão com o que o PT fez com outros. Mas não acho que devemos responder da mesma forma. Internacionalmente, das figuras políticas mais recentes, cito Barack Obama. Assisto a vídeos da época em que ele era presidente e dá saudade de ver a liderança americana exercida com serenidade, respeito e convencimento por meio de uma agenda de avanços civilizatórios, e não por imposição do medo.

O senhor fala em necessidade de ajuste das contas públicas, mas sabemos que isso não dá voto. Se sua candidatura se confirmar, que plataforma adotaria? E, na hipótese de chegar ao Planalto, quais seriam suas primeiras medidas?
A candidatura é, antes de tudo, o momento de validar uma agenda para o país. A eleição deve aproveitar esse momento para angariar apoio a uma visão macro de governo, mesmo sem entrar em todos os detalhes de um plano de gestão. O que realmente impulsiona uma campanha é despertar um sentimento. A chave é captar o sentimento das pessoas. Na polarização, os polos acionam medo, raiva, ódio, sentimentos que mobilizam, mas não constroem. E isso tem sido exitoso eleitoralmente: um lado tentando destruir o PT, o outro tentando destruir Bolsonaro. Mas a partir disso não se construiu algo novo para o país. Se for para despertar um sentimento, que seja de esperança. Que as pessoas votem com confiança no futuro do Brasil, e não com rancor. Em 2022, muita gente votou mais contra alguém do que a favor de um projeto. Quero que o eleitor leve seus melhores sentimentos para a urna. Se for candidato, quero dizer a quem votou no Bolsonaro que entendo sua dor: indignação com corrupção, incômodo com a atuação do Judiciário em certos assuntos. Mas também não posso desprezar a dor de quem vota no PT por valorizar diversidade, políticas sociais e atenção aos mais vulneráveis. Não são coisas incompatíveis. É possível combater a corrupção, modernizar o país, abrir a economia, equilibrar as contas e, ao mesmo tempo, ser socialmente sensível, olhar as camadas mais vulneráveis e respeitar a diversidade em todas as dimensões. Não apenas a da orientação sexual, mas a diversidade religiosa, ideológica, de gênero, de tantas formas de ser do nosso povo, e conciliar as coisas, e não ficar dividindo o país.

E quais seriam suas primeiras medidas?
Eu sei que a pauta fiscal não seduz eleitoralmente, mas precisa estar entre as primeiras medidas. Talvez a primeira, se não tiver sido aprovada até lá, seja justamente encaminhar o fim da reeleição. O país está tão polarizado que, se elegermos um “terceiro caminho”, os polos vão querer derrubá-lo para voltar ao poder, então têm que buscar atrapalhar o presidente. Então, se tiver essa oportunidade, a primeira coisa que vou encaminhar é acabar efetivamente com a reeleição. Porque é sobre resolver os problemas do país e não sobre viabilizar outro mandato.

Isso é um sinal para o Tarcísio, não? O senhor há pouco disse que Tarcísio tem mais quatro anos, e poderia portanto seguir mais um pouco como governador…
Não só para o Tarcísio, mas para qualquer outro. O recado é o seguinte: me ajudem a fazer as reformas, me ajudem a colocar o país nos eixos e não se preocupem com a próxima eleição porque não serei candidato. Eu quero é poder endereçar as soluções de curto prazo para o país e superar essa polarização. Então, essa é uma das primeira medidas, além das reformas que vão ter que ser feitas, na Previdência novamente, a (reforma) administrativa, que ajudem o país a recuperar o equilíbrio das contas.

Em 2022, o senhor sofreu ataques homofóbicos na campanha e, na posse, teve o gesto de levar seu namorado à cerimônia. O senhor sente algum tipo de preconceito?
Claro que há manifestações preconceituosas o tempo todo. Já orientei minha equipe jurídica: não passa nada. Qualquer ataque homofóbico em rede social deve ser responsabilizado. Não defendo censura, mas sim responsabilização. Há os ataques mais frontais e há os que não são verbalizados, mas estão no ambiente. Existem muitos preconceitos no país: contra mulheres, por religião, por raça. Não vou dizer que este (preconceito) que sinto e percebo em relação à minha orientação sexual seja maior ou mais grave que esses outros, porque não considero que seja. Eu tenho uma série de outros privilégios, como costumam chamar, de ser um homem branco, de família de classe média. Isso não me permite equiparar o preconceito que eu sofro com o de outros, inclusive homossexuais, que por pertencerem a outras minorias são ainda mais segregados e vítimas de preconceito, às vezes até de agressão. Acho que é sobre nós empurrarmos a sociedade na direção correta. Rupturas são sempre traumáticas, e traumas nunca são bons. Quando decidi falar publicamente sobre minha orientação sexual e me recusei a criar um personagem para convencer que era algo que não era, e fiz questão de levar o Thales, estava tentando ajudar, dar alguma colaboração, como tantas outras pessoas dão tanta ou mais colaboração, por respeito à diversidade. É um processo de evolução de todos nós. Quando eu falei que eu era homossexual, perguntaram para o Bolsonaro sobre isso e ele disse: “Tudo bem, mas eu não quero que imponha sua forma de ser aos outros”. Eu não estou dizendo para ninguém ser gay. Estou dizendo que eu sou. E que respeitem, que respeitem a mim e tantas outras pessoas, sejam elas o que elas quiserem ser. Se a gente tentar destruir as pessoas pelo que elas são, não é do ponto do vista civilizatório, humano, o correto e a nossa energia vai para algo que não constrói absolumente nada. O que na vida dos brasileiros está melhorando por causa desse enfrentamento?

O governo Lula está errando na resposta ao tarifaço imposto por Donald Trump?
É muito claro que a responsabilidade desse tarifaço vem dos Bolsonaro. Não tem como dizer que não. Eles mesmo avocam essa responsabilidade. Mas não dá pra negar que o presidente Lula, com as suas declarações, sempre, recorrentemente, com o sentimento antiamericano e criticando e atacando o dólar, cria um ambiente desfavorável para essa relação. Eu espero que isso traga algum aprendizado ao presidente Lula, no sentido de ser mais pragmático. O Canadá foi fortemente agredido na sua soberania. Quer agressão maior à soberania do que dizer para um país que ele deve se tornar o 51º estado americano? Isso é, de fato, enfrentar a soberania de um país, e o Canadá reagiu com firmeza, sem ser grosseiro, sem atacar de volta, mas firmemente defendendo a sua soberania, com pragmatismo, bom senso e equilíbrio. Aqui, ser firme na defesa da soberania nacional não é atacar de volta os Estados Unidos. Temos uma relação histórica com os americanos e isso deve ser preservado.

O senhor vê solução?
A situação está muito nebulosa, infelizmente, porque depende muito de gestos de muitas pessoas. Mas eu espero que sim, porque o presidente Trump já disse que está disposto a falar com o presidente Lula quando ele quiser. Então, não é hora de o presidente Lula dizer que não quer conversar. Vai lá e vai conversar. Se fosse eu, já tinha ligado há muito tempo. Aliás, se fosse eu já tinha buscado o presidente americano logo depois que ele foi eleito, que tomou posse, para termos essas relações bem estabelecidas. E, se fosse eu, não faria discursos contra os americanos, como o presidente Lula faz. Mas se aconteceu um episódio como esse, imediatamente tem que procurar. Não é hora de vaidade, (de dizer) “olha, sou muito importante aqui, então não vou ligar, ele que me procure”… E o outro, que se acha mais importante, então não vai procurar também, e não vai conversar. O que que é isso? Tem que ser muito sereno. Claro que tem que ter cautela, tem que ter cuidados, é claro que tem riscos, mas tem que ter senso de urgência. Tem empresas brasileiras que podem sucumbir completamente. A gente precisa superar esse quadro imediatamente.