É raro que eleições municipais digam algo sobre a eleição presidencial que será realizada dois anos depois, mas é isto que vai acontecer em 2026. Em primeiro lugar, é claro, partidos de centro-direita se fortaleceram. O PSD, por exemplo, saltou de 638 prefeituras em 2020 para 887 em 2024, um aumento de 35%, consolidando-se como o partido com maior número de prefeituras no país. O PL, objeto de luta entre o seu presidente Valdemar Costa Neto e o ex-presidente Jair Bolsonaro, também teve bom desempenho, conquistando 516 prefeituras, um aumento de 50% em relação a 2020.

Mas esse sucesso dos conservadores já era esperado, considerando o volume de dinheiro despejado na campanha pelos partidos de maior bancada na Câmara dos Deputados, especialmente por conta dos fundos eleitoral e partidário, e das emendas orçamentárias que beneficiam prefeituras. (Nas próximas semanas, aliás, o Congresso e o STF devem decidir, juntos, o destino das “emendas pix”, que despejam dinheiro diretamente nas prefeituras, sem, digamos, “burocracia” nem controle.)

Há duas novidades reais nessas eleições. A primeira é que Pablo Marçal, pessoa física, veio para ficar. É pouco provável que a Justiça Eleitoral não o torne inelegível nos próximos meses, considerando que o candidato teria forjado um “laudo médico” para imputar a Guilherme Boulos (PSOL) um vício que o político não tem. Se Marçal sair impune, a culpa será do próprio Boulos.

O “comunista” (uma alcunha até carinhosa se considerarmos como Marçal se refere a Boulos e Ricardo Nunes, do MDB) aceitou ser entrevistado pelo coach-empreendedor pouco antes da eleição, com a desculpa de que estaria dialogando com os eleitores de Marçal. Bobagem. Passou o primeiro turno todo sendo humilhado e destratado pelo próprio. Digno seria processá-lo e ignorá-lo.

Como era de se esperar, topar a conversa com Marçal muito provavelmente não resultou em voto algum. Um estudo de Emily Elia e Leslie Schwindt-Bayer, publicado em 2022 pela revista Electoral Studies, mostra que só se beneficiam de acusações de corrupção contra o adversário os candidatos que se mostram “ideologicamente viáveis” para o eleitorado.

Boulos concorreu, no segundo turno, contra um candidato cheio de acusações de corrupção. Mas o psolista tem rejeição alta por ser, é claro, de um partido que só está à direita do PCO e PSTU no quadro partidário brasileiro. Gracinhas de campanha não foram suficientes para convencer os paulistanos do contrário. Boulos conseguiu a proeza de, mesmo com muito mais apoio político desta vez, praticamente igualar os votos que obteve em 2020 contra Bruno Covas (PSDB).

A segunda novidade, mais surpreendente ainda, foi a edição de um vídeo com a participação de Janja (esposa do presidente Lula) e Ana Estela Haddad (Secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde e esposa do ministro Fernando Haddad) sobre as acusações de violência feitas a Ricardo Nunes por sua própria esposa, com quem se reconciliou. De Janja essa imiscuidade é costumeira, mas da secretária, não. Ela compartilhou o vídeo, no qual fala que devemos votar “com esperança e amor”, em seu perfil no Instagram. As 5.025 curtidas custarão caríssimo, nos próximos meses, para a relação entre PT e MDB – que, aliás, não indicou ninguém para cargo de confiança de alto nível no Ministério da Saúde.

Sérgio Praça é professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC). Doutor em Ciência Política pela USP, é autor de “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”

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