PlatôBR: É o mercado consumidor, estúpido: como o Brasil pode ganhar na crise

Numa adaptação da frase do marqueteiro americano James Carville, o potencial do mercado consumidor ganha destaque nas análises de investimentos produtivos. E o Brasil tem a chance de se sobressair, avalia o governo

Paulo Pinto/Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O saldo da política externa de Donald Trump nesta segunda passagem dele pelo comando de uma das maiores economias do mundo é, até agora, a disseminação de incertezas e insegurança pelo planeta. E isso está fazendo com que o tamanho do mercado consumidor seja mais valorizado por empresas estrangeiras na hora de definir a alocação de investimentos produtivos, deixando em segundo plano outros riscos que, até então, se sobrepunham. Por isso, na avaliação da equipe econômica do governo Lula, países emergentes como o Brasil precisam saber aproveitar a oportunidade.

“Relativamente, o custo Brasil ficou mais barato porque a grande referência, que eram os Estados Unidos, ficou incerta”, analisa o executivo de um grande banco estrangeiro. Segundo ele, isso está mudando toda a lógica do investimento privado que tende a dar mais valor ao tamanho do mercado consumidor. Na prática, países com grande potencial de consumo doméstico sempre estiveram na mira de investimentos produtivos internacionais. No entanto, no balanço de riscos versus retornos esperados, questões como instabilidades regulatórias e fatores políticos e fiscais costumavam chamar mais atenção na hora da decisão.

Elas continuam sendo levadas em conta, mas a capacidade de consumo interno está tendo um peso maior atualmente, na avaliação do governo. Nas últimas semanas, diante da volatilidade de curto prazo, a grande maioria dos países buscou, inicialmente, a sobrevivência. Tentam redirecionar a produção, que até então iria para os Estados Unidos, e evitar uma recessão econômica. À medida que o tempo passa, o processo de diversificação das relações comerciais, que já vinha sido iniciado nos últimos anos, ganha mais tração em paralelo com os obstáculos de curto prazo. Todos têm pressa.

Não dá mais para depender tanto das vendas para os Estados Unidos. Os interesses nacionais falam mais forte e é preciso buscar parceiros com quem se possa estabelecer alianças comerciais, políticas e de defesa. “Otimização de custos, agora, também contabiliza um mercado consumidor onde eu possa me apoiar se houver um choque externo, além da geografia que vai me penalizar menos num contexto geopolítico mundial mais complicado”, argumenta o executivo financeiro.

Vantagens brasileiras

Para a equipe econômica, o Brasil tem, nessa guerra tarifária, vantagens para se sobressair que até extrapolam o potencial de consumo doméstico. “Temos uma matriz energética limpa, acesso a suprimentos, inclusive, terras raras”, destaca um interlocutor graduado do governo, referindo-se aos minerais com características especiais e diversificadas muito usados nas indústrias eletrônica e automotiva. O Brasil possui a terceira maior reserva do planeta.

Além disso, enfatiza a fonte oficial, “por mais que tenhamos desafios, o Brasil é politicamente estável e está bem posicionado após inúmeros avanços, como a reforma tributária sobre o consumo”. A aposta do governo, agora, é que problemas que eram apontados como impeditivos no passado vão ficando para trás e, tendo à frente uma diplomacia que se relaciona com todos os países, há muito espaço para conquistar.

A equipe econômica está animada e acredita, por exemplo, que, finalmente, o acordo Mercosul-União Europeia será implementado. A guerra tarifária desencadeada pelos Estados Unidos, na avaliação do integrante do governo, está abrindo caminho para acelerar o processo. Recentemente, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) esteve na França e foi convidado, também, para uma visita oficial à Alemanha, ainda sem data confirmada.

A França sempre rejeitou o acordo Mercosul-UE, que se arrasta há 25 anos. As negociações foram concluídas no início de dezembro de 2024, mas o tratado de livre-comércio entre os dois blocos ainda depende de revisão jurídica, de tradução para os idiomas dos países envolvidos e de aprovação legislativa.

Além da União Europeia, a equipe técnica do Itamaraty mapeia oportunidades em conversas com outros países. O presidente Lula, que esteve em visita oficial ao Japão recentemente, pediu uma atenção especial ao parceiro comercial. Também são intensificadas as conversas com o governo da China.

Em paralelo, a equipe do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) prospecta os setores mais estratégicos para o governo brasileiro tentar abrir novas oportunidades de negócios e de atração de investimentos produtivos. Tudo isso sem grandes alardes, porque o que interessa para o Brasil é um equilíbrio entre os múltiplos interesses, sem chamar atenção dos Estados Unidos.