18/11/2024 - 7:36
A Argentina de Javier Milei ameaça o sucesso da reunião do G20 que tem o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva como anfitrião.
Na tarde deste domingo, 17, enquanto Milei desembarcava no Rio de Janeiro, os diplomatas encarregados de alinhavar os termos da declaração conjunta a ser apresentada ao final do encontro se preocupavam com o possível veto da Argentina a pontos-chave defendidos pelo Brasil, especialmente a tributação especial de grandes fortunas.
A taxação dos super ricos foi discutida previamente nas reuniões preparatórias para o encontro de cúpula dos chefes de Estado, sem divergências relevantes. Só que, agora, os argentinos sinalizam com ressalvas ao texto.
A reunião de dois dias da cúpula do G20 começa nesta segunda-feira, 18, na capital fluminense, que decretou feriado e está protegida por um forte esquema de segurança. O grupo congrega as vinte maiores economias do planeta. Entre os presentes estão os presidentes Joe Biden, dos Estados Unidos, Xi Jinping, da China, e Emmanuel Macron, da França.
O principal negociador brasileiro para o encontro (sherpa, no glossário da diplomacia), Mauricio Lyrio, passou as últimas horas em contato direto com representantes do governo Milei para tentar aparar as arestas. Até a noite deste domingo, porém, a questão seguia em aberto.
De acordo com fontes do Itamaraty ouvidas pelo PlatôBR, um dos argumentos brasileiros é o de que os termos relacionados à taxação de grandes fortunas já haviam sido alinhados, inclusive, no encontro de ministros da Fazenda dos países do G20, um dos vários eventos preparatórios para a reunião de cúpula desta semana no Rio.
Na ocasião, sustenta o Itamaraty, a Argentina não apresentou qualquer objeção. Pelo contrário, concordou com a proposta.
Vitória em xeque
O plano original, que já havia sido acordado também em uma reunião dos chanceleres do G20, previa incluir na declaração final da reunião o compromisso dos países-membros no sentido de tratar de maneira colaborativa a taxação dos super ricos, observando a soberania fiscal de cada nação.
É, por assim dizer, uma forma suave de tratar da questão, sempre polêmica, mas a simples inclusão do tema já representaria um avanço significativo. E, para além disso, seria uma vitória diplomática do governo brasileiro, que, na presidência temporária do G20, vinha se esforçando para emplacar o debate.
Normalmente, as declarações finais são resultado de consenso entre os países participantes. Em última medida, a oposição da Argentina pode fazer até com que a cúpula termine sem uma declaração final – o que seria um vexame histórico e uma derrota relevante para o Brasil e para o governo Lula, ora presidente do grupo e anfitrião da reunião de cúpula.
A alternativa ao veto total seria um texto com ressalvas. Mas, para isso, os diplomatas argentinos aguardam uma autorização expressa do próprio Milei. Nesse caso, a Argentina aderiria à declaração, mas deixando clara sua discordância em pontos específicos.
Na prática, com representantes das maiores potências do planeta no Rio, como Biden e Xi Jinping, a cúpula assiste, desde as suas primeiras horas, a uma queda de braço particular entre Brasil e Argentina – ou entre Lula e Milei.
Aliança Trump-Milei
O governo brasileiro enxerga na posição da Argentina claras razões políticas e ideológicas, já antecipando o alinhamento de Milei com o futuro governo de Donald Trump nos Estados Unidos – o que deve acirrar, regionalmente, na América do Sul, as diferenças entre Brasília e Buenos Aires. A tendência é que Trump opere para empoderar o aliado.
Milei, por sinal, acaba de retornar de um encontro com Donald Trump nos Estados Unidos. Ele foi o primeiro chefe de estado estrangeiro a ser recebido pelo republicano após sua vitória eleitoral sobre Kamala Harris. O argentino ganhou um baile de gala em Mar-a-Lago, o resort de Trump na Flórida, posou com o bilionário Elon Musk, dançou alegremente diante dos convivas e foi afagado pelo presidente eleito.
Logo após festejar com Trump, Milei deixou claro que não concorda com a taxação de grandes fortunas, numa prévia da dissonância argentina com a pauta que estava encaminhada para a cúpula do G20 no Rio.
Mais divergências
Há, ainda, outros pontos de atrito, como a regulação da internet e a chamada Agenda 2030 da ONU, que mira o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza.
O presidente argentino, que assim como Donald Trump é crítico ferrenho do organismo multilateral, já havia orientado seus diplomatas a se oporem à iniciativa, que tem à frente o atual secretário-geral da ONU, o português António Guterres, um político sabidamente de esquerda.
Oficialmente, o governo brasileiro trata de minimizar os possíveis reflexos da posição da Argentina sobre o resultado final da reunião do G20. Sustenta, por exemplo, que há “amplo consenso” entre os países sobre o trecho da declaração relativo à taxação de grandes fortunas e que, acerca desse assunto, as conversas com representantes de Milei estão em andamento na tentativa de se chegar a um bom termo.
O Itamaraty afirma que Maurício Lyrio, o sherpa brasileiro, está em contato com as delegações que desejam rediscutir os parágrafos da declaração final, incluindo a Argentina. E, na linha de jogar para segundo plano as divergências com o país vizinho, sublinha que o tema que mais tem mobilizado os representantes dos países-membros nesta etapa final de revisão da declaração é a guerra na Ucrânia. Para além da posição oficial, porém, é o duelo Lula-Milei que tende a movimentar mais animadamente os bastidores da cúpula no Rio.