Nos últimos anos, o STF (Supremo Tribunal Federal) recebeu reiteradas críticas, principalmente da oposição, por causa de decisões tomadas individualmente pelos ministros, sem consulta ao plenário. No Senado, em particular, tramitam propostas para impedir essa prática. Agora, a própria corte se movimenta para mudar os procedimentos e reduzir as pressões externas. A preocupação com a construção de soluções coletivas ficou evidente na volta do recesso do Judiciário.
Dois casos julgados na primeira semana de trabalho do STF seguem essa linha, ambos relatados pelo ministro Edson Fachin: um recurso sobre as revistas vexatórias feitas em visitantes nos presídios e a chamada “ADPF das Favelas”, que estabelece normas para a redução da letalidade das ações policiais do Rio de Janeiro.
Nos dois julgamentos, não houve decisão. Na quarta-feira, 5, a sessão que tratou da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional) foi suspensa para que os ministros construíssem uma solução coordenada, que leve em conta as ponderações apresentadas por todos. O presidente Luís Roberto Barroso chegou a sugerir um almoço para que os magistrados possam apresentar suas observações e elaborar uma decisão coletiva.
Para o professor da FGV-RJ Álvaro Palma de Jorge, especialista em STF, a decisão tem um recado, mais ainda se for considerado que foi tomada logo depois das eleições de Hugo Motta (Republicanos-PB) na Câmara e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) no Senado. “Um Supremo unido mostra mais força do que 11 ministros separados”, afirma o professor.
Barroso procura reforçar, em sua gestão, a imagem institucional do Supremo. Os ministros também demonstram preocupação com as críticas e, já há algum tempo, levam suas decisões monocráticas rapidamente para serem ratificadas pelo plenário.
A ratificação pelo colegiado, como regra, enfraquece um dos projetos que limitam as iniciativas monocráticas em tramitação no Congresso. Indiretamente, as decisões conjuntas reduzem os holofotes sobre um ou outro ministro, o que deixa todos menos expostos a outro ataque: os pedidos de impeachment que tramitam no Senado contra alguns deles.
Também especialista em Supremo, a pesquisadora Damares Medina aponta uma diferença de encaminhamento desde o 8 de janeiro de 2023, quando houve sedes dos três poderes foram invadidas e depredadas por militantes pró-Jair Bolsonaro.“Uma decisão ganha força quando é tomada pela corte e não por um determinado ministro”, diz a professora.
Damares Medina explica que já houve tempo em que a Suprema Corte dos Estados Unidos proibia a divulgação de votos divergentes. “No Brasil, a criação da TV Justiça já havia gerado uma preocupação de incentivar os ministros a se preocuparem mais com a sua imagem pública do que com o conteúdo das decisões”, observa.
A pesquisadora lembra que a chegada do plenário virtual serviu para modular quais são os projetos que serão discutidos em sessões transmitidas ao vivo e quais podem ser julgados virtualmente. “O tribunal escolhe quais são as mensagens que serão levadas para a sociedade”, observa.
Professora da ESPM, a pesquisadora Ana Laura Pereira Barbosa diz que, com as reuniões fora do plenário entre os ministros, a transparência sobre os debates é menor, mas há uma força maior na decisão construída. Ela ressalta que em outros casos, como a demarcação da Terra Indígena Raposa Terra do Sol, em 2009, também houve reuniões entre os magistrados para modular a decisão. “A novidade maior está em assumir em plenário essa negociação”, afirma.
Revista íntima
Na quinta, 6, o plenário do STF retomou a votação dos limites da revista íntima no sistema prisional. O caso, de repercussão geral (quando o veredicto dos ministros deve ser seguido em ações semelhantes no restante do Judiciário), teve início com o flagrante de uma mulher que tentou entrar em um presídio do Rio Grande do Sul com uma porção de droga para entregar a um irmão. A defesa sustentou que a prova era ilegal por ter sido obtida em uma revista vexatória nas partes íntimas da acusada.
No relatório, Fachin considerou a revista vexatória como inconstitucional. O ministro entende que os presídios devem ter, obrigatoriamente, sistemas de escaneamento corporal, arcos e esteiras de detecção para fazer a revista dentro dos limites de respeito à privacidade e à intimidade das pessoas.
A tese de Fachin já havia sido complementada por outros dois ministros favoráveis a seu voto, para estabelecimento de prazo para a instalação dos equipamentos em todo o sistema prisional e tornar mais específica a possibilidade da revista e da busca corporal em caso de flagrante.
O caso já tinha maioria favorável à aprovação da tese quando o ministro Alexandre de Moraes, que abriu divergência, pediu destaque para análise no plenário físico. A votação estava em 6 a 4. Moraes fez uma série de ponderações sobre os riscos de impedir as revistas íntimas na falta dos equipamentos eletrônicos, citou exemplos de apreensões e apontou o risco de rebeliões em caso de proibição de visitas pela impossibilidade de fazer a revista eletrônica.
No final, os ministros decidiram que debateriam mais um pouco para chegar a um voto de consenso. Foi o mesmo que fizeram no dia anterior, no julgamento da “ADPF das Favelas”. Autoridades do Rio de Janeiro pressionaram os ministros. Para eles, a decisão liminar do STF que limite operações nas favelas tem favorecido criminosos. Fachin apresentou dados para refutar a alegação, mas concordou em ouvir os colegas para encontrar uma decisão de consenso.