“Onde erramos?” Essa pergunta permeou todo o pronunciamento de Lula na abertura da Cúpula da Democracia, reunião em Nova York de líderes de cerca de 30 países para discutir estratégias “contra o extremismo” mundial. A abordagem pessimista do petista contrastou com a postura confiante que ele adotou nas demais aparições durante a 80ª Assembleia Geral da ONU na semana passada.
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Lula insistiu em perguntas sobre o avanço da direita mundial. “O que me importa hoje é a gente responder, para nós mesmos, aonde é que os democratas erraram? Onde é o momento que a esquerda errou? Por que é que nós permitimos que a extrema-direita crescesse com a força que está crescendo? É virtude deles ou é incompetência nossa?”, indagou o petista, diante dos presidentes do Chile, Gabriel Boric, da Colômbia, Gustavo Petro, do Uruguai, Yamandú Orsi, e do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez. Donald Trump, dos Estados Unidos, um dos principais representantes da direita mundial, não foi convidado.
Em seguida, Lula indicou alguns problemas enfrentados por líderes de esquerda no mundo, que recorrem a alianças políticas para atender diferentes segmentos da população para vencer eleições, como a frente ampla construída por ele no Brasil e pelos outros presidentes dos países latino-americanos presentes no encontro. “Muitas vezes, a gente ganha as eleições com discurso de esquerda, e quando a gente começa a governar, a gente atende muito mais aos interesses dos nossos inimigos do que dos nossos amigos”, afirmou.
Generalização?
O professor Jairo Nicolau, cientista político e especialista em sistemas eleitorais, encara a reflexão do presidente como um “desabafo”, mas se mostra cético em relação ao que se chama hoje de “crise da democracia”, já que houve momentos em que solavancos ainda maiores abalaram regimes democráticos em todo mundo. “É uma generalização, mas que eu acho que é improcedente do ponto de vista analítico”, disse o professor, ao PlatôBR.
“É legal, porque abre um debate sobre, afinal, o que está ocorrendo no planeta, não com a democracia. As pessoas estão envelhecendo, está faltando recurso para várias coisas, a inteligência artificial está chegando, o clima está piorando, mas tem coisas que estão melhorando, as pessoas vivem mais. Isso é humanidade”, ponderou Nicolau, autor de obras importantes do pensamento político no Brasil e no mundo, como a ‘História do Voto no Brasil”, “Representantes de quem?” e, o mais recente, “O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018”.
“A democracia é um sistema que não foi deliberadamente inventado, mas inventado no tempo, como uma forma de lidar com conflito em sociedades modernas. Lida com conflitos, abrindo mão da violência, e aceitando a ideia de que em uma disputa política você pode perder e pode ganhar”, analisou o professor. Ele ainda ressalta a diversidade de pensamento político possível dentro de um sistema democrático: “A virtude e o drama da democracia é que ela é aquele sistema que contempla, inclusive, forças políticas que defendem sua extinção. A ditadura sempre prendeu aqueles que não queriam viver na ditadura”.
Modelo americano
Ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu segue como um dos principais formuladores políticos do PT e toma os Estados Unidos como exemplo de esgarçamento da democracia.
“Há muito tempo os Estados Unidos viraram um império e uma plutocracia”, diz. Ele se mostra mais otimista do que Lula e aposta em uma derrota eleitoral da direita no Brasil e em outros países, espelhada na forma com que Trump governa. “As classes médias brasileiras estão olhando o que está acontecendo nos Estados Unidos e aqueles que passaram pela ditadura, ou são contra, já estão entendendo que ele está avançando contra todas as liberdades civis. Ele está atacando todos os direitos civis conquistados pelos negros, pelas mulheres, pelos imigrantes”, concluiu.