PlatôBR: A saída do governo para retomar o financiamento agrícola

Solução, no entanto, não resolve um dos maiores problemas da área econômica: a falta de aprovação do Orçamento de 2025. Impasse com Congresso somente tem perspectiva de terminar depois do Carnaval

Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Brasília: na mira de partidos aliados Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foram 24 horas de muita tensão e negociação para debelar outra crise com potencial de causar grandes estragos para o presidente Lula com um dos setores mais importantes da economia, o agronegócio. Na tarde desta sexta-feira, 21, o governo respirou parcialmente aliviado: resolveu uma pendenga financeira, mas não estancou o imbróglio político com os parlamentares para aprovação do Orçamento da União de 2025, ainda parado no Congresso. No centro do problema, mais uma vez, estava o Ministério da Fazenda. Em jogo, a concessão de crédito para garantir a safra recorde que o próprio governo anunciou como fundamental para combater a inflação dos alimentos.

A solução saiu com aval do TCU (Tribunal de Contas da União), segundo o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e envolveu R$ 4 bilhões que serão legalmente remanejados no Orçamento por meio de Medida Provisória para permitir a retomada da liberação de créditos do Plano Safra 2024/2025.

Apesar de ter sido deflagrada publicamente no fim do dia da última quinta-feira, 20, a crise estava sendo gestada há mais de uma semana na equipe econômica. Os técnicos do Tesouro Nacional demonstraram desconforto com a execução do Plano Safra 2024/2025. O motivo: não havia mais dinheiro para bancar o diferencial de taxa de juros que garante financiamento a um um custo menor para os produtores. E, como o orçamento de 2025 não foi aprovado ainda pelo Congresso Nacional, eles não tinham como fazer remanejamento de recursos. Então, avisaram que seria preciso parar as novas concessões.

As linhas de crédito que contam com subsídio do governo são as mais concorridas, as primeiras a serem consumidas e beneficiam pequenos, médios e grandes produtores rurais. No Plano Safra 2024/2025, o governo deu aval para 25 instituições financeiras que operam com crédito agrícola emprestarem cerca de R$ 138 bilhões em operações que envolvem custeio, investimentos e comercialização dos produtos com juros subsidiados. Como os produtores pagam taxas menores nesses financiamentos do que as praticadas no mercado, o Tesouro ressarce a diferença para os bancos com recursos previstos no Orçamento da União.

O impacto da taxa Selic
Acontece que, em julho de 2024, quando o governo definiu o montante de crédito que poderia contar com o benefício da equalização, a taxa Selic, que serve de referência para economia, estava em 10,5%. Hoje, está em 13,25% e a previsão é subir para 14,25% no próximo mês. Resultado: os R$ 138 bilhões nem foram integralmente liberados e não havia mais como garantir novos desembolsos. Segundo interlocutores do governo, somente o Banco do Brasil, o maior financiador do setor, já tinha contratado cerca de 85% dos recursos previstos para a instituição.

Com o orçamento da União de 2025 ainda emperrado no Congresso em função de uma queda de braços com o governo por causa da liberação de emendas parlamentares, a Fazenda ficou de mãos amarradas. A solução encontrada veio num comunicado enviado pelo secretario Rogério Ceron (Tesouro Nacional) para os bancos que operam as linhas de crédito determinando a suspensão de novas concessões. A medida afetava até mesmo as linhas que financiam investimentos por meio do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que atende pequenos produtores rurais. Somente o custeio estava preservado.

O Banco do Brasil chegou a ser acionado. A instituição que responde por cerca de 60% das linhas subsidiadas, anunciou, em nota, que seguiria “financiando o agro por meio de linhas de crédito com recursos próprios” do FCO (Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste) e do Funcafé (Fundo de Defesa da Economia Cafeeira), entre outros. Mas a Fazenda sabia que esse não era o caminho para acalmar o setor. “O presidente queria que o orçamento fosse votado”, desabafou um interlocutor graduado do governo. “Se o Tesouro não tivesse feito nada, seria complicado do ponto de vista legal”, completou. “Daí veio a saída com o TCU. Foi um dia tenso.”

Medida Provisória
Na tarde de sexta-feira, 21, o próprio Haddad anunciou a solução, após conversa com o presidente Lula e com o ministro Vital do Rêgo (Tribunal de Contas da União). Na segunda-feira, será publicada uma medida provisória abrindo um crédito extraordinário, no montante de R$ 4 bilhões. O ministro fez questão de ressaltar que não haverá aumento de gastos. Em cerca de sete minutos de entrevista a jornalistas, em São Paulo, repetiu várias vezes que “tudo será feito dentro dos limites do arcabouço fiscal”, o conjunto de regras que restringe o crescimento das despesas públicas. Haddad reclamou que, “lamentavelmente”, o Congresso ainda não apreciou o orçamento. “A informação que tenho é que sequer o relatório foi apresentado ainda”. Disse também que, “em 20 anos, é a terceira vez que o orçamento não é aprovado dentro do prazo constitucional”.

Segundo o ministro, o dinheiro, que será liberado por meio de crédito extraordinário, estará disponível na semana que vem e os bancos poderão retomar as concessões. Enquanto isso, governo e Congresso seguem negociando a aprovação do orçamento