A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), de proibir banners e bonés no plenário da Casa e nas comissões não deve pôr fim à “guerra” interna entre parlamentares da Esquerda e da Direita no Congresso Nacional. As provocações entre os lados opostos deixaram as manifestações e passaram a ganhar protagonismo de uma forma mais discreta, por meio dos projetos em tramitação.
Nesta semana, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) iniciou a tramitação de um projeto para mudar a escala de trabalho 6×1, proposta que já era discutida e ganhou as redes sociais ainda em novembro do ano passado. A ideia, segundo o texto, é reduzir a jornada para quatro dias de trabalho e três de folga.
De acordo com a parlamentar, o projeto tem uma “gordura” de negociação para conseguir emplacar no plenário. Em conversas com jornalistas, ela admitiu que o texto deve contemplar a jornada 5×2, além de outras mudanças sobre a compensação ao setor empresarial. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já conta com 234 assinaturas de deputados.
O forte apelo da pauta na internet fez com que a Direita soasse o sinal de alerta e lançasse um projeto com o mesmo tema no Senado. De autoria do senador Cleitinho (Republicanos-MG), o projeto foi protocolado no último dia 11, quase 15 dias antes do projeto da psolista.
À IstoÉ, Cleitinho negou ter enviado o projeto para ganhar protagonismo e vê sua proposta como mais robusta que a da adversária. Na visão do senador mineiro, a guerra ideológica não deve contaminar as pautas internas.
“Eu acho que o meu é mais responsável e, tipo assim, mais viável. Eu vejo muito, eu escuto muita população, eu escuto muito empresário. Eu escuto empresário que não quer nenhum tipo de escala, quer continuar com essa escala 6×1, mas eu já vi empresário também que acha que o 5×2 seria mais adequado, tendo uma desoneração da folha, tendo incentivos”, disse.
“Eu jamais vou ser aliado ao Lula. Eu tenho que ser aliado ao povo. Eu tenho que ser uma oposição inteligente. Vou cobrar, vou fiscalizar, vou denunciar o que eu acho que está errado no governo. Agora, ficar com essa guerra ideológica só porque é o Lula, sei lá o quê, eu não posso fazer isso com o povo, não”, ressaltou.
A disputa não para na PEC da Escala 6×1, mas atinge outra pauta de interesse do governo federal: o Imposto de Renda. O Palácio do Planalto quer enviar um projeto para isentar o IR para quem ganha até R$ 5 mil. A proposta ainda está na mesa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tenta encontrar uma compensação para emplacar a medida.
A isenção foi uma das principais promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. Pressionado pela baixa popularidade, Lula pediu para que Haddad anunciasse a medida antes mesmo do envio do projeto e quer prioridade para a nova tabela do imposto ainda no primeiro semestre.
Enquanto o Planalto tenta encontrar alternativas para o projeto, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) largou na frente com um texto que isenta o IR para quem ganha até R$ 10 mil. Protocolado também no último dia 11 de fevereiro, o texto prevê o escalonamento do imposto para quem ganha até R$ 20,6 mil por mês.
O mesmo aconteceu com o pacote de gastos, quando deputados da oposição, além de um governista, entraram com um projeto paralelo para cortar até R$ 1,1 trilhão em seis anos. O texto previa um corte maior que o proposto pelo Palácio do Planalto, mas não foi levado adiante.
O professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Robson Carvalho alerta para o oportunismo dos parlamentares em relação às pautas no Congresso Nacional. Para ele, alguns projetos são dívidas de campanha, e a direita tenta surfar de forma populista.
“O que é movimento oportunista, de ocasião, para pegar carona, de um modo ou de outro? Especificamente, o que é que nós temos? A pauta de isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais não é uma pauta populista. Inclusive, isso foi compromisso de campanha”, afirmou.
“Aí, sim, é onde vem o oportunismo, o populismo de agentes da extrema-direita ou da direita de dizer: ‘Ah, eu vou botar agora um projeto de lei para isentar dez mil’. Não é assim. Isso é oportunismo, é um populismo descarado, porque você não tem condição de efetivar”, concluiu.
Guerras de placas e bonés
As “guerras” no Congresso Nacional sempre foram rotineiras, mas com poucos destaques e repercussão nacional. As disputas voltaram a ganhar protagonismo neste ano, após a troca na Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Ao assumir, Sidônio Palmeira, publicitário responsável pela campanha de Lula em 2022, subiu o tom nas propagandas do governo para se equiparar à oposição.
Logo no primeiro dia de trabalhos no Legislativo, deputados e senadores da base petista, além de ministros, foram ao plenário com bonés estampando a frase “O Brasil é dos brasileiros”, em referência ao slogan do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: “Make America Great Again”. A oposição respondeu de prontidão, com bonés remetendo ao aumento no preço dos alimentos.
As provocações retornaram após a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 33 pessoas no inquérito do golpe de Estado. Em plenário, deputados da base ergueram placas com os dizeres “Sem Anistia” e “Bolsonaro preso”, enquanto a oposição levantava cartazes com “Anistia Já” e outros que remetiam ao preço dos ovos.
Para Robson Carvalho, as “guerras” internas não são novidades nos corredores do Congresso Nacional. Ele avalia que provocações moderadas são saudáveis e diz que os parlamentares, bem como a população, precisam se preocupar com outros detalhes.
“O conflito é saudável, é necessário e faz parte do regime democrático. Conflito e disputa por ideias, por teses, só existem no regime democrático”, afirma.
“Eu acho que é uma coisa muito besta, porque nós temos questões muito mais preocupantes, mais graves, para que os parlamentares e a população brasileira passem a se deter. Eu acho que isso é uma coisa menor no meio de todo o debate”, completa o professor da UnB.
Opinião contrária tem o senador Cleitinho, que, mesmo sendo da ala mais à Direita, avalia como “ridículas” as disputas entre Esquerda e Direita no Congresso Nacional.
“Eu acho ridículo essa questão de querer colocar como se existisse na política hoje o bem e o mal. Como se a direita fosse o bem e a esquerda, o mal. Ou como se a esquerda olhasse para o povo e a direita não olhasse. Não é assim”, pontua o parlamentar.
“Eu acho estranho que tu preste atenção nesse tipo de coisa dentro do Congresso. Um Congresso caro, em que a gente ainda faz uma escala de 3 por 4. E chegar dentro do Congresso Nacional, principalmente dentro da Câmara, porque no Senado até não tem tanto dessas coisas, não”.