30/08/2021 - 17:05
A caminho da minha primeira dose da vacina contra a covid-19 no começo deste mês, sonhava com todos os planos de uma vida imunizada: festas, abraços, mudanças, além de tentar controlar a euforia de finalmente sentir a agulha no braço. As chances de quem me lê agora ter compartilhado do mesmo sentimento são grandes. E, se por acaso você decidiu manifestar isso online, provavelmente contribuiu para o estudo da Orbit Data Science (bit.ly/posvacina), uma startup que analisa qualitativamente debates e tendências das redes sociais e que classificou quase 2 mil comentários relacionados ao pós-vacina entre fevereiro de 2020 e junho deste ano.
A ideia do que fazer uma vez que for vacinado está intrinsecamente ligada à experiência vivida durante a pandemia. Conforme ela mudou, os planos mudaram junto. Por isso, o estudo é dividido em quatro fases. No início da pandemia, o maior desejo é “reencontrar pessoas” (13,63% do total), mas, com o início dos testes da vacina, a principal categoria passa a ser “frequentar lugares” (15,34%). “Entendendo o contexto, fica claro porque o pessoal falava tanto em reencontrar familiares e porque eles deixaram de falar. Houve uma flexibilização e eles conseguiram encontrar essas pessoas entre as ondas”, explica Caio Simi, CEO da Orbit Data Science.
Foi o caso da administradora Marina Cury, de 30 anos. “Tive uma quarentena antes da quarentena. Em junho de 2019, descobri um câncer de mama e o tratamento durou até fevereiro de 2020. Logo entramos em reclusão”, conta. Enquanto ela morava com os pais, o isolamento foi seguido à risca. “Quando tomei a primeira dose, no começo de junho, comecei a sair para jantar e encontrar amigos em casa”, diz ela, que pretende, após a segunda dose, voltar a bares e fazer uma celebração de casa nova para poucos amigos vacinados.
“Quando você passa por uma situação dessas que eu passei, você começa a repensar a vida toda. O que quero de mudanças para quando a vida voltar ao normal é o tal equilíbrio profissional e pessoal, porque, no fim, o que fica são os momentos de lazer, de entretenimento.”
A terceira fase do estudo, na época do início da vacinação pelo mundo, passa a ser relacionada com a expectativa de chorar e se emocionar quando ela chegar no Brasil (13,57%). Se antes os planos eram longínquos, agora eles começam a parecer palpáveis. “É nesse lugar que as pessoas estão depositando toda atenção e toda angústia que sentiram durante o período de pré-vacinação, então elas estão falando que vão se vacinar e vão chorar, vão se vacinar e criar memórias: queimar as máscaras, enquadrar o cartão de vacinação. É um símbolo de vitória, esperança, que talvez tenha uma carga mais emocional e profunda do que as outras categorias”, diz Fernando Hargreaves, sócio da Orbit e coordenador da pesquisa.
O ator e influenciador digital Murilo Carvalho, de 27 anos, sabe bem desse sentimento. De tão ansioso para tomar a primeira dose, ele transformou o dia da vacinação em um “musical” em suas redes. “Como sou apaixonado pela Disney, veio essa ideia de Frozen, que tem uma música sobre liberdade”, diz ele, que ficou oito meses “sem colocar o pé para fora de casa”. O resultado foi mais de 1 milhão de visualizações no TikTok e 65 mil no Instagram. “Você influencia as pessoas a se vacinarem também.”
Depois da segunda dose, Murilo espera ver os amigos. “Fizemos um contrato com todos os planos pós-pandemia para cumprirmos: comemoração de formaturas, aniversários. Nem precisamos de festa ou um bar. Só de encontrá-los ao vivo, ao invés de telas, vai ser incrível.”
Já na última fase, quando a aplicação alcança os mais jovens – e mais atuantes nas redes -, o sentimento de medo dá lugar a uma forte sensação de carpe diem (aproveitar o momento). E, assim, o desejo passa a ser um só: extravasar. Simultaneamente, é nesse período que a categoria “continuarei tomando as medidas de segurança” mais cresce.
Apesar de o País ter um bom porcentual de vacinados com a primeira dose, o número de pessoas que tomaram as duas ainda é baixo, por isso é preciso cautela. “A variante delta está entrando no Brasil, e a gente sabe que ela é muito mais transmissível”, alerta o infectologista William Benedito de Proença Júnior.
Nenhuma vacina tem 100% de eficácia: sua principal função é impedir que as pessoas desenvolvam casos graves, porém as populações de risco, mesmo com a vacina, têm possibilidade de ter a forma grave da doença – que pode ser levada para casa pelos jovens. Assim, encontros reduzidos entre jovens vacinados, por exemplo, são aceitos, porém os familiares podem ser perigosos. “O importante é tomar as duas doses da vacina e esperar 14 dias para ter a imunização. Com isso, as pessoas podem, sim, ter algumas flexibilidades: bar, restaurantes, desde que sejam respeitadas as medidas de distanciamento social”, explica.
A assistente administrativa Larissa Alves, de 25 anos, compartilha desse pensamento. “Queria muito que a aglomeração acontecesse para ontem, mas eu preciso que as pessoas ao meu redor se vacinem. Não é sobre me colocar em risco, é sobre colocar os outros em risco”, diz. Enquanto isso, ela planeja fazer tatuagens para marcar esse período. “Vai ser um marco de uma nova vida. Quero tatuar uma rosa para a minha avó que perdi em 24 de junho do ano passado, um girassol e uma letra de música. Tudo de uma vez. É a Larissa 2.0”, brinca.
Durante todas as fases da pesquisa, muitas opiniões que envolvem mudanças e retomadas de comportamentos foram citadas para o pós-vacina. “A pandemia é um processo em que cada um vai responder de uma forma. É algo coletivo, mas que, de certa forma, é respondido subjetivamente”, afirma a psicanalista Aline Lima.
Enquanto para alguns esse foi um período de chamado para mudança, para outros foi uma adaptação: vivíamos de um jeito e fomos obrigados a modificar, bruscamente, esse estilo de vida. “No início, não existia data de vacina, eram muitas as incertezas. E, nos momentos de incertezas, sentimos angústia, que é diferente do medo, quando o objeto é conhecido. Mas a mesma angústia que paralisa é a que pode virar motor, se for na dose exata”, explica.
Se há algum momento certo para a mudança, é esse. Isso porque pensamos na passagem do tempo em capítulos ou episódios, e não como uma continuação. Assim, tendemos a iniciar um novo capítulo junto com algum marco temporal: primeiro dia do ano, último domingo do mês ou, neste caso, após as duas doses da esperada vacina.
“Viver a pandemia acelerou muitas coisas, ressignificou muitas coisas. Foi um período complicado que mudou nossos valores”, explica o jornalista Arthur Nunes, de 31 anos, que planeja viajar o mundo com a namorada, a chef de cozinha Angélica Mortari, de 36, e a cachorrinha Maguie. “A gente passou a morar junto e aí o plano começou a amadurecer, até que decidimos que iríamos sair quando estivéssemos vacinados. A gente não estava feliz com o rumo da nossa vida.”
Para concretizar o plano, o casal, que toma a segunda dose até setembro, já comprou uma Land Rover Defender e a transformou numa casa. Eles também começaram a fazer aulas de espanhol e estão no processo de vender o imóvel em que moram atualmente para, de fato, partir. “Não aguento mais conhecer o mundo pela tela do celular. Quero não só conhecer, mas viver”, diz ele, que fará um perfil no Instagram e um podcast do Project Around para compartilhar a experiência.
Para a psicanalista Aline Lima, as expectativas no futuro são importantes, mas é preciso cautela. “Esse processo de sonhar, de desejar, faz parte da nossa constituição. Agora, é necessário não ter expectativa demais, porque se a gente colocar muita expectativa nesse mundo pós-pandêmico, vai se frustrar. Algumas coisas vão mudar, outras, nem tanto.”
É aqui que se encaixa o plano pós-vacina da fotógrafa Jéssica Liar, de 30 anos. “Quero abrir um estúdio assim que estiver imunizada. Esse sempre foi um sonho, mas ficou dois anos atrasado por conta do medo de aglomeração, medo de encontrar pessoas”, diz ela.
Para concretizar o plano junto com a segunda dose, que vem em setembro, Jéssica já alugou a casa-estúdio, lugar que será morada e trabalho da profissional. “Se não fosse a terapia, eu não teria tido a resiliência que tive de ficar seis meses parada sem atender ninguém e manter a esperança de que tudo isso iria acabar um dia, sabe? Me ensinou a ter paciência e a viver um dia após o outro, entendendo que tudo passa.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.