Sabe a mãe que, por zelo, pede para que os filhos levem o casaco para a escola? É assim que deveria se comportar um líder de governo: com o máximo zelo pela vida. E com o argumento da prevenção, e até com exageros se necessário, é que em todo o mundo foi utilizada a metodologia do distanciamento social como combate ao coronavírus. O fator mais discutido no Brasil, porém, é qual impacto econômico a medida trará ao País e quando a vida deve voltar ao normal. Hoje, as autoridades já planejam o relaxamento no isolamento, com a justificativa de que a curva de crescimento do vírus começa se estabilizar, com tendência de cair. Mas, o que todo mundo quer saber agora é quando o País deve reabrir? O clamor pela reabertura econômica não deve, no entanto, atender a critérios populistas.

À nível federal, o presidente vem insistindo na necessidade de tudo voltar ao normal já há algum tempo. Essa teimosia de liberar tudo mesmo quando a doença ainda estava contaminando e matando muita gente (uma média diária de mais de 200), levou inclusive Bolsonaro a demitir o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), que resistia a interromper a política de isolamento social. Em sintonia com o mandatário, o novo ministro, Nelson Teich, disse na quarta-feira 22 que o país precisa voltar ao normal o mais rápido possível: “não podemos ficar um ano e meio esperando a crise terminar”.

Garantindo que vai definir o calendário da volta à normalidade somente na semana que vem, o governo quer agora iniciar um projeto para a recuperação da atividade econômica. O ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, lançou um programa que prevê a criação de 1 milhão de empregos com aporte de R$ 30 bilhões, uma nova versão petista do PAC. O que mais chamou a atenção é que o plano foi apresentado sem a presença de Paulo Guedes, dando a entender que o ministro da Economia está enfraquecido e que o general.

Braga é o novo homem forte do governo, inclusive para assuntos econômicos. No setor privado, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — que congrega empresas responsáveis por 40% do PIB —, lançou um plano bem mais consistente, com sugestões de datas para a reabertura das atividades econômicas, mas de forma gradual (acompanhe a proposta da entidade no quadro acima). A Fiesp sugere que todo o processo de liberação leve pelo menos 42 dias.

Cautela na transição

Em São Paulo, o governador João Doria anunciou na quarta-feira 22 que haverá uma “abertura gradual e responsável da economia”. Ressaltou que as medidas restritivas atingiram apenas 26% das empresas, mas que o isolamento no estado, iniciado no dia 17 de março, atingiu mais de 50%. Após o próximo dia 11 de maio, o governo estadual iniciará o período de relaxamento da quarentena. Nos próximos dias, serão informados os setores e regiões que mais avançaram no combate à doença e isso servirá para orientar o governo na liberação gradual das pessoas na volta à normalidade, seguindo as orientações “médicas e científicas”, de acordo com Doria. O governador deixou claro que ainda não definiu o que vai reabrir primeiro. “Ninguém aqui disse quando haverá a abertura de escolas e comércio. Ainda não há essa deliberação”. O Plano São Paulo, como está sendo tratado, é coordenado pelo secretário da Fazenda do estado, Henrique Meirelles, para quem “o governo tem um papel fundamental, que é assegurar o padrão de consumo da população e a recuperação econômica das empresas”.

RESPONSÁVEL São Paulo planeja a reabertura gradual, conforme dados científicos. Apesar de mais de 50% das pessoas terem permanecido em casa, o governador Doria afirma que 74% das atividades econômicas não pararam durante a quarentena (Crédito:Gilberto Marques)

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que contraiu a Covid-19, também estuda a flexibilização controlada para comércio, transportes e igrejas a partir de 1º de maio. Outros estados, como Santa Catarina, já estão liberando o movimento em shoppings centers. Segundo levantamento das associações de shoppings centers, 43 estabelecimentos desse segmento, de um total de 577, já reabriram em 19 cidades brasileiras. Contra a tendência de abertura generalizada, o governador do Maranhão, Flávio Dino, diz que se a ocupação da UTI atingir 80% irá decretar lockdown.

Em todo o mundo há uma ansiedade pela reabertura das atividades cotidianas, seja por necessidade ou por desejo. Conforme o secretário de Saúde do estado de São Paulo, José Henrique Germann, “em torno de cinco ou seis meses a maioria das pessoas se imunizam e o vírus perderá força”. Mas não parece ser possível aguardar esse tempo todo para tudo voltar ao normal. Na China, três meses foi o tempo para que o vírus perdesse força, mas somente agora as pessoas estão voltando à vida anterior a janeiro deste ano. Enquanto que no Japão a ansiedade fez com que a flexibilização também esteja sendo revista. Países africanos, da América do Sul e da Europa ainda estão na fase inicial desse processo. Na Alemanha, por exemplo, o relaxamento do isolamento social começou na última segunda-feira 20, mas de forma bem lenta. O importante é o quanto ela será cuidadosa, segura e responsável. O que está em jogo é a vida das pessoas, muito acima das perdas econômicas.