Enquanto Fernando Haddad realiza um périplo atrás de apoios para o novo arcabouço fiscal, o próprio governo cozinha a proposta em banho-maria, a começar pelo presidente Lula, que protelou o anúncio do tão aguardado projeto que substituirá o teto de gastos e que vai estabelecer os parâmetros que serão utilizados para controlar os gastos e o endividamento do País. Ao se inteirar do projeto do ministro da Fazenda na sexta-feira, 17, o presidente pediu que Haddad fizesse correções e ouvisse mais pessoas para obter a aprovação de lideranças do Parlamento e, sobretudo, de setores influentes do PT que minam publicamente pontos de sua iniciativa. Nos bastidores, temem que a dose do remédio para arrumar as contas federais calculada pela equipe econômica seja pesada demais. O receio é que o arrocho maior no controle dos gastos acabe por sacrificar investimentos públicos e limite o crescimento da economia nos próximos anos, afetando a avaliação do governo e o capital político do partido.

Se dependesse da vontade da equipe econômica, o novo arcabouço fiscal já teria sido anunciado. Nas últimas semanas, Haddad acelerou o projeto e intensificou as conversas com figuras estratégicas. Discutiu a iniciativa com líderes do Congresso, com colegas de Esplanada, com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e com o vice-presidente, Geraldo Alckmin. No dia 17, quando finalmente apresentou o plano a Lula e aos ministros mais importantes do governo, Haddad ansiava em deixar o encontro com o aval do presidente para enviar a proposta ao Congresso Nacional e com uma data para divulgação ao público, de preferência antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, marcada para começar na terça-feira, 21. Ao sinalizar com uma proposta concreta de reequilíbrio das contas públicas, esperava influenciar o órgão a reduzir a atual taxa de juros. Para tanto, Haddad afirmava que, batido o martelo por Lula, o ministério poderia redigir o texto da nova âncora fiscal em 24 horas para ser enviado à Câmara. Mas não foi isso que aconteceu.

À primeira vista, Lula chegou a demonstrar entusiasmo com a proposta, mas, na sequência, passou uma série de tarefas para Haddad. Solicitou que ele ouvisse mais estudiosos sobre o assunto e que discutisse a medida com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira. Pediu ainda a realização de novas projeções sobre os impactos das novas regras fiscais sobre o Orçamento e as contas públicas em diversos cenários econômicos. Não desejava que setores cruciais, como Saúde e Educação, fossem afetados pelas restrições orçamentárias. Com isso, a divulgação do projeto ficou sem data determinada, o que torna o teor da iniciativa mais sujeito a críticas e vazamentos.

E o fogo amigo contra a proposta começou um dia depois da apresentação de Haddad a Lula. Impactada pela revisão da projeção de crescimento da economia brasileira de 2,1% para 1,61%, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, defendeu o aumento dos gastos federais. “Se é verdade que a economia crescerá menos este ano segundo indicadores divulgados pelo governo, precisamos então aumentar os investimentos públicos e não represar nenhuma aplicação no social. Em momentos assim, a política fiscal tem de ser contracíclica, expansionista”, disse ela nas redes sociais. Ou seja, enquanto Haddad tenta emplacar uma saída para o atual rombo bilionário das contas públicas, Gleisi defende que o País gaste ainda mais. Uma conta que não fecha para especialistas e para o mercado financeiro, já que isso acabaria gerando inflação, resistência de setores privados e eventuais aumentos da taxa de juros. Já um dos principais economistas do PT, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, até apoia publicamente o arcabouço fiscal, mas nos bastidores detona o plano. “Não nos peçam para deixar de dizer o que pensamos e ajudar o governo a acertar”, declarou.

DO CONTRA Aloizio Mercadante (BNDES) e Gleisi Hoffmann (PT) criticam o plano de Haddad (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Nos corredores dos ministérios políticos, apesar do consenso sobre a necessidade de um arcabouço fiscal, existe também uma preocupação sobre os impactos das regras definidas por Haddad no Orçamento e, principalmente, no crescimento econômico dos próximos anos. Há um temor que, em busca de agradar o mercado financeiro, os ajustes sacrifiquem no curto prazo a capacidade de investimento do governo federal.

Taxa de juros

Se na gestão federal há divergências sobre o melhor modelo de arcabouço fiscal, existe também a unanimidade de que a aprovação das novas regras será fundamental para a redução da taxa de juros. Se pudesse, o presidente Lula já a teria diminuído na canetada. No entanto, o Banco Central é independente. Por isso, o governo e setores aliados adotam o caminho da pressão, como declarações e atos. Uma dessas trincheiras foi a realização de um seminário do BNDES às vésperas da decisão do Copom. Além de expoentes do governo, o economista Joseph Stiglitz, vencedor do prêmio Nobel de Economia, criticou os juros adotados no Brasil. Fato é que mais uma vez as pressões não surtiram efeito. Na quarta-feira, 22, o Copom anunciou a manutenção da Selic a 13,75% e sinalizou até com uma possível alta no futuro. Se a nova âncora tivesse sido divulgada antes, o resultado poderia ter sido favorável às expectativas do governo.