Ideia de remover palestinos de Gaza tornou improvável, por enquanto, melhoria dos laços diplomáticos entre Israel e Arábia Saudita. Mas Riad e Washington têm seus próprios roteiros.Propostas polarizadoras sobre o futuro dos palestinos na Faixa de Gaza parecem estar sendo feitas em ritmo acelerado desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, se reuniram em Washington na semana passada.
Na segunda-feira (10/02), Trump esclareceu que os palestinos não teriam permissão para retornar a Gaza se seus planos de adquirir e reconstruir o território devastado pela guerra se concretizarem.
"Eles terão moradias muito melhores (…) em comunidades um pouco distantes de onde estão, onde há todo esse perigo", disse Trump à emissora americana Fox News.
Trump gostaria de ver os vizinhos regionais, como o Egito e a Jordânia, como os principais países anfitriões para cerca de 2 milhões de palestinos de Gaza.
No entanto, especialistas afirmam que expulsar os palestinos de Gaza viola a lei internacional, enquanto as Nações Unidas alertaram para o que seria uma "limpeza étnica".
Outra ideia controversa foi apresentada por Netanyahu. Ele disse recentemente à emissora israelense Channel 14 que "os sauditas podem criar um Estado palestino na Arábia Saudita, pois eles têm muitas terras lá".
Por sua vez, não só o Egito e a Jordânia, mas também a Arábia Saudita, reiteraram que não estão dispostos a dar um lar aos palestinos de Gaza.
Rejeição árabe unilateral
"O governo saudita afirma que o povo palestino tem direito à sua terra e não é um intruso ou imigrante que pode ser expulso sempre que a brutal ocupação israelense desejar", publicou o Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita no X.
A pasta também destacou que "o direito do povo palestino permanecerá firmemente estabelecido e ninguém poderá tirá-lo dele, não importa quanto tempo isso leve".
Tais comentários incisivos marcam uma reviravolta de 180 graus em relação à amizade diplomática nutrida entre os EUA e o líder de fato da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, ou MBS, durante o primeiro mandato de Trump, de 2017 a 2021.
"Em 2017, muita esperança foi depositada em Trump, especialmente por MBS, que ainda estava consolidando seu poder", diz à DW Sebastian Sons, pesquisador sênior do think tank Center for Applied Research in Partnership with the Orient (Carpo), sediado em Bonn.
Nos anos seguintes, os laços políticos e econômicos entre os dois países se intensificaram.
No entanto, embora Trump tenha intermediado com sucesso os laços diplomáticos – apelidados de Acordos de Abraão – entre Israel e Sudão, Bahrein, Marrocos e Emirados Árabes Unidos, ele não conseguiu fechar o acordo com a Arábia Saudita antes de ser sucedido na Casa Branca por Joe Biden.
As negociações dos EUA entre Israel e a Arábia Saudita continuaram até o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra em Gaza.
De lá para cá, 15 meses depois e com Trump mais uma vez no cargo, muita coisa mudou.
A influência da Arábia Saudita
"MBS não só está firmemente estabelecido, como também se tornou muito autoconfiante, o que também pode ser visto por sua reação às declarações de Trump e Netanyahu sobre os palestinos de Gaza", avalia Sebastian Sons.
Na opinião do pesquisador, no entanto, a normalização com Israel continua sendo uma alta prioridade para Washington e Jerusalém. "Mais do que para a Arábia Saudita no momento", afirma.
"Para a Arábia Saudita, normalizar os laços com Israel é atualmente – e a ênfase está em atualmente – uma impossibilidade", diz ele, acrescentando que "isso significaria perder a credibilidade, e MBS não vê Netanyahu e Trump como parceiros confiáveis para estabelecer uma solução de dois Estados".
Outros analistas concordam. "O plano de Trump para Gaza tornará a normalização entre a Arábia Saudita e Israel ainda mais difícil", pontua Anna Jacobs, do think tank Arab Gulf States Institute, com sede em Washington. "Os sauditas deixaram bem clara a sua posição de que o deslocamento forçado dos palestinos de suas terras não é solução."
Aziz Alghashian, membro sênior da Observer Research Foundation Middle East (ORF), com sede em Dubai, também acha que a Arábia Saudita mudou seu foco político do pragmatismo para a disputa.
"Os sauditas estão dispostos a enfrentar e discordar dos EUA em vez de serem pragmáticos como no passado", afirma Alghashian.
Na avaliação dele, essa confiança é sustentada pelo apoio público em larga escala na Arábia Saudita e em todos os países árabes. "A nova postura de MBS é muito popular nas ruas sauditas", ressalta.
E, no entanto, Sebastian Sons, do Carpo, não descarta que MBS e Trump acabarão se negociando, já que ambos os líderes também precisam se concentrar nos interesses de seus países.
"O projeto de reforma econômica da Arábia Saudita, o Vision 2030, precisa ser garantido", explica Sons, acrescentando que, para isso, os investimentos dos EUA são fundamentais.
E a Arábia Saudita continua sendo um parceiro importante para os Estados Unidos no Oriente Médio.
Sons diz esperar que a Arábia Saudita busque uma redução da escalada em um futuro próximo, o que poderia complementar o cálculo político de Trump.
"Eu poderia imaginar que a intenção de Trump também é fazer o máximo de exigências para conseguir pelo menos algumas concessões da Arábia Saudita", arremata Sons.
No entanto, ainda resta saber se, ou em que medida, isso também envolverá o destino dos palestinos em Gaza – que permanece incerto mais uma vez, depois que o Hamas suspendeu o atual cessar-fogo no último fim de semana. Até o momento, o pior cenário para a população é a retomada da guerra.