Desde dezembro, antes mesmo do presidente Lula tomar posse, o mercado e os especialistas têm aumentado suas projeções de alta da inflação e da taxa de juros para 2023. O motivo dessa desconfiança é a falta de uma política econômica clara, agravada pelas declarações polêmicas do presidente. As manifestações, infelizmente, se sucedem, o que tem aumentado o ceticismo e criado um círculo vicioso em que os índices deixam de melhorar ou se agravam sem necessidade.

3,25% Meta de inflação do Banco Central para 2023

Crítico do teto de gastos, Lula conseguiu aprovar uma emenda à Constituição antes mesmo de tomar posse para extrapolar o limite em R$ 145 bilhões. Mais recentemente, atacou a autonomia do Banco Central, dizendo que se trata de uma “bobagem”. Nada disso ajudou a melhorar as expectativas. “As metas de inflação que foram estabelecidas no Plano Real são importantes para o Brasil e para estabilidade da economia. A independência do BC foi um avanço. A autonomia permite que possa atuar como ‘guardião’ das metas de inflação através da política monetária e dos juros”, argumenta Joelson Sampaio, professor de economia da FGV EESP.

As críticas de Lula fizeram crescer o temor de que as metas sejam revistas na próxima reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). Isso despertou críticas de economistas e já faz a expectativa de inflação deste e do próximo ano crescer, aponta o boletim Focus, do BC. Ele capta as expectativas do mercado, mostrando que a projeção para a inflação deste ano passou de 5,08%, logo após a reunião do Copom de dezembro, para 5,74%, na última semana. Na última quarta-feira, o Copom manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano pela quarta vez seguida e afirmou que as expectativas de inflação subiram recentemente “dada a incerteza acima da usual”.

Economistas reagem com desconfiança à fala do presidente sobre metas de inflação
SOB PRESSÃO Presidente do BC, Roberto Campos Neto é um dos grandes defensores da autonomia da instituição da entidade (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

5,74 % Expectativa de inflação para 2023 segundo o boletim FOCUS

“A história mostra aonde leva este absurdo de considerar um pouco de inflação é positivo para a economia e principalmente para a renda do trabalhador. Estamos voltando para 1986”, critica Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES no governo FHC. Rica Melo, economista e especialista em gestão de negócios, avalia que a atitude de questionar o regime de metas de inflação, estabelecido desde 1999, e a independência do BC, cuja autonomia foi aprovada pelo Congresso em 2021, gera desconfiança em relação à estabilidade monetária, à previsibilidade das condições econômicas e à confiança na moeda. “Neste momento, questionar as metas de inflação perseguidas pelo BC e criticar as taxas de juros tira do foco dos reais problemas do País. Parece até que essa narrativa é para justificar a impossibilidade de entregar as promessas de campanha”, afirma Melo.

Caso os especialistas passem a prever inflação acima da meta, isso pode de fato levar a uma inflação maior. O BC, então, seria obrigado a reagir, com juros ainda maiores. Estudo feito pelo Itaú Unibanco diz que o Banco Central poderia ser obrigado a elevar os juros básicos para quase 15% ao ano no segundo semestre, caso o governo resolva aumentar a meta de inflação de 2024 em diante para 4,5%, na reunião do CMN de junho. “Caso não siga este princípio, qualquer banco central perderá a capacidade de estabilizar a inflação”, alerta o economista e ex- diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman.

Economistas reagem com desconfiança à fala do presidente sobre metas de inflação
FAVORÁVEL Ministra do Planejamento, Simone Tebet mantém sua posição a favor da independência do BC, mesmo tendo saído em defesa de Lula (Crédito:Roberto Casimiro)

O aperto monetário do BC começou há vários meses e conseguiu levar a inflação a patamares inferiores aos de alguns países, como os EUA e integrantes da União Europeia. Em 2022, a inflação brasileira fechou em 5,79%. As metas para a inflação perseguidas pelo BC para 2023 são de 3,25% e de 3,00% em 2024 e 2025, com margem de tolerância de um ponto porcentual. Schwartsman explica que, independentemente do formato preciso da regra, todos os bancos centrais historicamente capazes de manter a inflação ao redor da meta adotam um mesmo princípio: caso a inflação suba (ou caia) um ponto percentual, a taxa de juros deve subir (ou descer) mais do que um ponto percentual.

As expectativas de inflação podem estar certas ou erradas, mas quando é o próprio governo, por meio de decisão do CMN, órgão composto pelo Ministro da Fazenda, Ministra do Planejamento e o presidente do Banco Central, que levanta a lebre de que seja admissível uma inflação mais elevada, fica evidente que as expectativas do mercado financeiro acerca da inflação aumentem. “Isso já seria complicado se o BC gozasse de grande credibilidade”, frisa o ex-diretor do BC. A questão é como o Banco Central lidará com a piora percebida pelo mercado no risco fiscal e o risco de mudanças nos planos de metas depois da declaração do presidente. “Nós estamos em um momento crítico. Depois de décadas em que o Brasil tem um protocolo de combate à inflação, estamos involuindo para um sistema arcaico, baseado nesse pensamento absolutamente irreal de que um pouco de inflação é bom para o crescimento”, critica Barros.