Governo anunciou pacote de R$ 30 bilhões para socorrer exportadores e conter danos na economia. Especialistas advertem para risco nas contas públicas e temor de que medidas perdurem, como ocorreu com isenções da pandemiaEm meio ao tabuleiro instável da geopolítica comercial, o governo Lula moveu suas peças contra o "tarifaço" do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: anunciou um pacote de R$ 30 bilhões em medidas para apoiar exportadores e conter os danos na economia brasileira, ampliando os gastos públicos e deixando menos margem de manobra para as novas medidas.
O plano, batizado de Brasil Soberano, responde às sanções definidas por Trump como pressão contra o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado.
"Com o Plano Brasil Soberano, o governo federal não está apenas reagindo a uma ameaça imediata: está reconstruindo e fortalecendo o sistema nacional de financiamento e seguro à exportação, para que o país seja mais competitivo e menos vulnerável a esse tipo de medida no futuro", afirmou, em nota, o governo.
Além de não aplicar tarifas recíprocas em produtos norte-americanos, a estratégia combina injeção de crédito, estímulo tributário e medidas emergenciais – em uma tentativa de manter empregos e não desestabilizar a já estressada meta fiscal, que tenta zerar o déficit público neste ano.
Impacto de R$ 9,5 bilhões
Segundo o governo, dos R$ 30 bilhões anunciados, o impacto primário previsto nas contas públicas será de apenas R$ 9,5 bilhões, distribuídos entre o Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras), e Fundos Garantidores para financiar pequenos e médios exportadores.
O Reintegra devolve aos exportadores brasileiros parte dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva na forma de crédito. O governo informou que o programa elevará em três pontos percentuais o ressarcimento de tributos às empresas afetadas, limitado a R$ 5 bilhões. A medida valerá até o fim de 2026, quando passarão a vigorar dispositivos da Reforma Tributária que já preveem mecanismos semelhantes de restituição.
Os outros R$ 4,5 bilhões de impacto virão do Fundo de Comércio Exterior (FGCE), o de Investimentos (FGI), do BNDES, e o destinado a Operações (FGO), do Banco do Brasil, voltados prioritariamente ao acesso de pequenos e médios exportadores.
Esse montante será aportado nos fundos para cobrir parte do risco dos empréstimos a pequenos e médios exportadores. Com a garantia dos fundos, os bancos podem liberar mais crédito, com juros menores e prazos mais longos, ampliando o acesso ao financiamento e multiplicando o efeito do aporte inicial.
Já os cerca de R$ 20 bilhões restantes serão remanejados de linhas de crédito estruturadas do Fundo Garantidor de Exportações (FGE), que deverá ser reestruturado. Hoje, o fundo funciona como um lastro para dar cobertura às garantias prestadas pela União a empresas que vendem produtos ao exterior.
Esses recursos são utilizados, por exemplo, por meio do Seguro de Crédito à Exportação (SCE), mecanismo criado para resguardar exportadores e instituições financeiras contra o não pagamento por parte de importadores estrangeiros.
Com a nova MP, o Fundo de Garantia à Exportação (FGE) será reformulado para que todo o setor exportador possa acessar esses recursos para financiar suas operações, e não apenas em situações de risco de inadimplência. A prioridade será para empresas com faturamento fortemente dependente das compras dos Estados Unidos, e o acesso às linhas ficará condicionado à preservação do número de empregos.
Impacto fiscal
Para Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e economista-chefe da Warren Investimentos, será necessário acompanhar se o impacto primário de cerca de R$ 10 bilhões estará sujeito às limitações do arcabouço fiscal – o que preocupa os agentes do mercado.
"O ideal seria não excluir tais valores do cômputo da meta, mas sim utilizar a banda de tolerância de 0,25% do PIB para absorver tais choques. Cabe notar que, em nosso entendimento, não se pode excluir um gasto da meta fiscal por meio de Medida Provisória", disse.
O arcabouço fiscal, criado para dar mais previsibilidade às contas públicas e que busca manter a dívida do país sob controle, prevê superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Ele, porém, possui uma margem de tolerância de 0,25% do PIB, citada por Salto.
Apesar da tentativa de ficar no azul, o déficit primário projetado para 2025 ainda é de 26,3 bilhões, cerca de R$ 5 bilhões acima do limite inferior da margem estabelecida pela meta fiscal. Em junho de 2025, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) foi de 76,6% do PIB. A projeção do Ministério da Fazenda é que ela poderá chegar a 84% em 2028.
Para Murilo Viana, mestre em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em finanças públicas, apesar de os gastos extraordinários serem uma das medidas aplicadas em todo o mundo contra o aumento das tarifas impostas por Trump, o Brasil tem uma margem pequena de manobra dado essa alta da dívida pública.
"O governo já está batendo no limite de despesas [previsto no arcabouço] e, por isso, qualquer medida que leve a deterioração das contas públicas acaba impactando e fazendo com que o governo precise cortar gastos de algum lado, em um quadro onde há dificuldades políticas para isso", afirma.
Por isso, o temor de economistas ouvidos pela DW é de que os benefícios anunciados se tornem duradouros, assim como o que ocorreu com alguns planos durante a pandemia do covid-19. O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado para socorrer empresas do setor, e que ainda hoje faz parte do pacote de cerca de R$ 20 bilhões de isenções fiscais.
"No Brasil, sabemos como começa e não como termina. Por isso, existe a preocupação de ainda que o programa seja totalmente diferente [dos lançados na época da pandemia], há o risco, sim, de que o programa acabe perdurando”, diz Viana. "Existe um risco de ter uma percepção [do mercado] de virada de chave por parte do governo na véspera do período eleitoral, no sentido de burlar a regra fiscal, e isso pode gerar algum estresse, mas ainda temos que ver como de fato vai ser implementada no MP", completa.
Câmbio, inflação e eleição
Além disso, para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o impacto de mais gastos no câmbio e na inflação tendem a ser moderados, dado que os juros básicos da economia já estão em 15% ao ano.
"Os efeitos sobre câmbio e inflação vão depender da reação dos investidores. Caso cresça a desconfiança quanto à capacidade do governo de reduzir o endividamento, a tendência é de juros mais elevados, câmbio mais volátil e inflação persistente acima da meta. O governo ainda pode adotar medidas adicionais, como venda de ativos ou privatizações, para amenizar essa pressão", conta.
Para ele, contudo, o foco imediato do governo é preservar empregos. "Lula sabe que seu eleitorado sente o impacto da inflação, sobretudo nos alimentos, mas considera o emprego o fator mais determinante. Se conseguir manter o nível de ocupação, dará um passo importante para 2026, ano eleitoral", completa.