As repercussões negativas do vazamento na semana passada de uma fala da primeira-dama Janja Lula da Silva durante o jantar com o presidente da China, Xi Jinping, ainda produzem ruídos no governo. A Secom (Secretaria de Comunicação) trabalha para esfriar o caso, mas o ambiente de desconfiança e as especulações sobre quem teria passado as informações de Pequim para a imprensa mantêm o tema vivo no Planalto. Um fato desta segunda-feira, 19, deu mais fôlego ao assunto na mídia.
Pela manhã, a Secom observava que o vazamento da conversa da China começava a perder força das redes, quando uma nova fala de Janja esquentou de novo a notícia. Em discurso feito em um evento em Brasília, a primeira-dama retomou assunto para rebater a ideia de que ela deveria ficar calada no jantar dos chefes de Estado.
“Não há protocolo que me faça calar se eu tiver uma oportunidade de falar sobre isso com qualquer pessoa que seja, do maior grau ao menor grau, do mais alto nível a qualquer cidadão comum”, disse Janja. “Eu quero dizer que a minha voz, vocês podem ter certeza, vai ser usada para isso (combate à violência sexual contra menores)”, continuou. “E foi para isso que ela foi usada na semana passada quando eu me dirigi ao presidente (chinês) Xi Jinping após a fala do meu marido sobre uma rede social”, acrescentou.
Assessores do governo disseram que o discurso da primeira-dama não foi combinado com a Secom e que não deveria ter acontecido, por contrariar a orientação do ministro da área, Sidônio Palmeira, de esvaziar o assunto. Nesse sentido, a manifestação de Janja foi recebida com desânimo por pessoas próximas ao presidente Lula.
Por causa de outro episódio, sabe-se que influência da primeira-dama na comunicação do governo incomoda o ministro. Quando assumiu o cargo, Sidônio demonstrou que não queria interferência de Janja nessa área ao demitir as pessoas ligadas a ela que trabalhavam na Secom.
As reações de Lula
No Planalto, a versão corrente é que, na entrevista que deu em Pequim, Lula estava furioso porque entendeu que o vazamento de informações da reunião teve uma motivação machista contra Janja. E reagiu com o fígado. Mesmo assim, interlocutores do presidente não acreditam que vá haver uma “caça às bruxas” para demitir o responsável pelo vazamento. Esse não seria o estilo do presidente, que estaria mais preocupado em não deixar que esse fato atrapalhe o governo. Mas, todos sabem, Lula não vai esquecer que uma pessoa da comitiva traiu sua confiança.
Nas especulações sobre quem vazou a informação, o único nome tornado público foi o do ministro Rui Costa (Casa Civil). Não houve confirmação nem negativa. Nesse clima de intrigas, sem qualquer evidência, surgiu no governo até a hipótese de que a própria primeira-dama teria vazado a conversa do jantar. Seria uma forma de se autopromover. Não há elementos, porém, que sustentem essa conjectura.
Um ponto de preocupação real dentro do governo é a sensibilidade do assunto abordado no jantar. Por essa avaliação, pela complexidade do tema, essa discussão deveria ser feita de forma mais aberta, ampla e coletiva, para afastar qualquer ideia de censura. Mas foi uma conversa privada, com o presidente de um país que controla acesso a conteúdos. E ainda teria ficado acertado que Jinping enviará uma pessoa de sua confiança ao Brasil para tentar controlar o conteúdo da plataforma TikTok.
Dentro do governo, também existe o temor de que a fala vazada contamine o debates sobre regulação das plataformas feitos em seminários da Secom e nas discussões no Congresso. Uma aproximação com a China nessas questões reforça a ideia de que a legislação brasileira pode criar mecanismos de censura dos conteúdos nas redes.
Outro problema apontado no Planalto é que a polêmica partiu do próprio presidente que poderia ter tratado a conversa de forma natural, e não externado em uma entrevista, a indignação com os ministros e parlamentares presentes no encontro com o presidente chinês. Ao agir dessa forma, tomou para si o desgaste.