Como muitos brasileiros, acompanhei o julgamento da inegibilidade de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como se fosse um jogo do Corinthians. Na sessão, meu time do coração era composto pelo relator Benedito Gonçalves e qualquer outro ministro que acompanhasse seu voto. Até agora, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares vestiram a camisa da Justiça. O jogo está assim: Brasil 3, golpista 1.

Acho curioso constatar que conheço mais a escalação do TSE do que da Seleção Brasileira. Deve ser um sinal dos tempos – ou do fim dos tempos, expressão mais adequada quando tratamos da distopia bolsonarista.

Como jornalista há décadas, acredito que possuo um certo domínio sobre a língua portuguesa. Por isso confesso que ainda fico surpreso quando percebo que os juízes, no Brasil, não falam o meu idioma. Comunicam-se em um dialeto que lembra o nosso, algumas palavras são até as mesmas, vejam só. Mas a distância entre o que os togados sussurram nos tribunais e o que o povo fala nas ruas é tão grande que me pergunto se a vontade de impedir que a população geral entenda tudo o que falam é proposital. Na minha opinião, é. A razão para isso eu deixo para você, leitor.

Mesmo com dificuldade para acompanhar o voto inteiro, queria dar parabéns ao ministro Benedito Gonçalves. Em uma sustentação tão brilhante como extensa, ele confirmou o que o Brasil inteiro já sabia: Bolsonaro fez de tudo para tentar dar um golpe de estado, e só não conseguiu porque foi incompetente até para isso. A alegria só não foi maior porque Gonçalves eximiu o general Braga Netto de culpa. O País ainda tem medo de punir os militares, mesmo quando merecem.

Queria comentar em especial a atuação de Raul Araújo, o ministro que votou pela absolvição de Bolsonaro. Não tenho nível jurídico para discutir com ele, mas queria apenas expor duas situações e deixar que você, leitor, use o bom senso em sua análise.

Na época do festival de rock Lollapalooza, em 2022, Raul Araújo censurou artistas que queriam declarar o voto em Lula – ele chegou a proibir toalhas com o rosto do atual presidente. Pois veja a diferença de atitude: em seu voto, na última quinta-feira, Araújo afirmou que quando um ex-presidente, no exercício de sua função, atenta contra a própria nação e mente deliberadamente para desacreditar o sistema eleitoral de seu país diante de diplomatas estrangeiros, ele está apenas exercendo sua “liberdade de expressão”.

Araújo afirmou ainda que, como Bolsonaro não teve sucesso eleitoral, seus ataques não foram tão graves assim. Tentar dar um golpe de estado e trair a democracia, na opinião de um juiz do Tribunal Superior Eleitoral, merece a absolvição. É coisa corriqueira, do dia a dia. Apenas um encontro informal, sem relevância. É estranho lembrar que o Itamaraty, órgão responsável pelas relações exteriores, sequer foi consultado sobre o evento.

A posição foi contestada, de maneira meio humilhante, pelo colega, ministro Floriano de Azevedo Marques. Ele usou os argumentos de Araújo contra ele mesmo. A comparação é tão boa que até eu entendi: Floriano disse que não é porque um bombeiro chega rápido e impede um incêndio que não se deve punir o incendiário. Uma metáfora perfeita e, para alegria da torcida brasileira, em português claríssimo.