15/06/2024 - 7:01
A Câmara dos Deputados catapultou suas ofensivas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) após aprovar a urgência do projeto de lei que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao homicídio simples. A decisão foi tomada na quarta-feira, 12, em votação polêmica e sem deixar rastros aos eleitores.
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O texto foi protocolado no dia 17 de maio, data em que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, barrou uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia os médicos de realizarem o procedimento. A Corte ainda discute a liberação do aborto, mas o processo está travado e não deve ser retomado tão cedo.
Na avaliação do advogado Enzo Fachini, o projeto tende a acirrar a tensão entre os Poderes. Enquanto o Judiciário é provocado em pautas sensíveis, o Legislativo acredita que a Suprema Corte quer legislar sobre temas de responsabilidade de deputados e senadores.
“Ela é um aceno ao anseio de uma parcela específica da população e também ao Supremo Tribunal Federal, que anda em pé de guerra com o Congresso, pelo Congresso entender que o STF está querendo usurpar a competência do Congresso Nacional e que o STF estaria, de certa forma, legislando, em especial em matéria criminal, seja vetando aprovações de leis ou suspendendo a eficácia das leis que são aprovadas pelo Congresso”, afirma.
O projeto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e tem 32 coautores, sendo 11 mulheres. O texto conta com amplo apoio da bancada ideológica e evangélica.
Na primeira versão, a que teve o regime de urgência aprovado pela Câmara, o texto previa aumentar de 10 para 20 anos a pena máxima para quem realizar o aborto após 22 semanas de gestão. Após repercussão negativa, Sóstenes Cavalcante disse que vai propor também o aumento da pena para estupradores.
Atualmente, o aborto é liberado em apenas três casos: quando há risco de vida à grávida; caso o feto seja anencéfalo e para vítimas de estupro.
Fato é que a proposta preocupa os especialistas. Para Fachini, o projeto é um retrocesso e dá “proteção” aos estupradores.
“Essa equiparação ao crime de homicídio, que tem pena maior do que estupro, causa estranheza. Sem dúvida alguma, isso é um enorme retrocesso para a população e, em especial, para essa mulher que foi vítima de estupro”
A urgência do projeto foi votada em apenas 24 segundos. O presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), nem anunciou o projeto. A votação foi simbólica, ou seja, não houve digital dos parlamentares que votaram a proposta.
O acordo para a aprovação da urgência saiu a portas fechadas, em uma reunião de líderes realizada horas antes da discussão no plenário. De quebra, Lira ainda emplacou a urgência no projeto de lei que proíbe delações premiadas.
Para o advogado criminalista Rafael Paiva, o Brasil segue o rumo contrário de outros países do mundo, que já iniciaram a liberação do aborto. A França, por exemplo, incluiu oficialmente o direito ao aborto na Constituição em março deste ano.
“Particularmente, entendo que esse Projeto de Lei é totalmente inadequado, na medida em que equipara condutas totalmente distintas e vai à contramão de uma tendência mundial que é a descriminalização do aborto”, declarou.
Apesar da confiança da oposição em relação à aprovação do texto, a base governista trabalha para atrasar a votação e evitar que o projeto chegue às mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), o texto procura forçar as vítimas de violência sexual a serem mães, regulamentando que os estupradores possam ser pais, e querendo colocar “na cadeia as vítimas de violência de gênero”.
“Não passa de um trampolim para os seus representantes que não têm medo de acionar uma regressão histórica contra o direito das mulheres, das meninas e pessoas que gestam. Tudo isso acordado e mobilizado para favorecer o ataque às mulheres como plataforma política”, declarou.
Caso seja colocada em votação e aprovada pela Câmara dos Deputados, a matéria deve travar no Senado, já que a casa pende para o lado do Planalto em pautas ideológicas. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também já sinalizou que o tema deve tramitar nas comissões do Senado e defendeu “amplo debate” sobre a matéria.
Enzo Fachini alerta para a possibilidade de judicialização caso o texto passe pelo Congresso Nacional sem resistência. Neste caso, o STF deve ser acionado e intensificar os conflitos com o Legislativo.
“Não há obrigatoriedade de aprovação pelo Poder Judiciário, apesar de que estamos acostumados a ver no Brasil o acionamento do STF (Supremo Tribunal Federal) em diversas questões legislativas. Mas um partido político ou associação só pode acionar a Corte depois que houver uma decisão sobre a constitucionalidade do PL 1904/24”, ressaltou.