Projeto anistia qualquer crime praticado por motivação política durante os ataques na Praça dos Três Poderes, em Brasilía. Quase dois mil são investigados, 898 já foram responsabilizados e 371, condenados.O Partido Liberal (PL) atingiu o número exigido de assinaturas e protocolou nesta segunda-feira (24/04) o requerimento de urgência à tramitação do projeto de lei que anistia os envolvidos nos ataques à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
A legenda tem obstruído votações na Câmara dos Deputados para obrigar que o chamado Projeto de Lei da Anistia entre na pauta.
A aprovação da proposta legislativa virou um cabo de guerra entre o Planalto, a oposição e mesmo partidos que compõem a base governista. O pedido de urgência também foi assinado pela liderança de quatro partidos que possuem ministérios na administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O que diz o Projeto de Lei da Anistia
A proposta legislativa foi apresentada em novembro de 2022 pelo deputado Major Vitor Hugo (PL-GO) e concede anistia a todos os que tenham participado de manifestações "em qualquer lugar do território nacional", do dia 30 de outubro de 2022 até a entrada em vigor da norma.
Apesar de ter sido protocolado antes dos ataques golpistas em Brasília, o texto recebeu projetos apensados para garantir que as mais de duas mil pessoas investigadas por participar dos atos antidemocráticos possam estar inclusas numa eventual anistia.
Se aprovada, a norma permite que elas sejam "perdoadas", ou seja, não podem ser responsabilizadas por atos de "qualquer natureza relacionados a crimes políticos ou praticados por motivação política".
A minuta da lei também blinda qualquer pessoa que tenha financiado ou apoiado a invasão dos Poderes em Brasília e isenta indivíduos que tenham feito publicações nas redes sociais incentivando um golpe de Estado.
O dispositivo impede ainda que a Justiça responsabilize os empresários que mantiveram os protestos ou disponibilizaram transporte de manifestantes à Brasília, por exemplo.
Apesar de já abranger qualquer cidadão que tenha cometido tais atos em todo o território nacional, um dos trechos detalha que a anistia se estende a "manifestantes, caminhoneiros, empresários" que se manifestaram em "rodovias nacionais e em frente a unidades militares".
A anistia alcança ainda condenados que entraram com processos de cunho eleitoral na Justiça por má-fé, se relacionados à eleição de 2022.
Se o texto for aprovado, apenas práticas de crimes contra a vida, integridade corporal, sequestro e cárcere privado não seriam anistiados.
Outros sete projetos de lei similares foram apensados ao original e podem compor uma redação final, se aprovada pelo plenário. Eles incluem, por exemplo, a revogação de punições já aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal "aos envolvidos nos eventos de 8 e 9 de janeiro de 2023".
Quase mil já foram responsabilizados
Até janeiro de 2025, 898 pessoas já haviam sido responsabilizadas por tais crimes. Mais da metade delas admitiram crimes de menor gravidade e fizeram acordos para evitar a prisão.
Outros 225 foram condenados por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa e deterioração de patrimônio público e 146 por incitação e associação criminosa. As penas já aplicadas variam entre prisão, multa, uso de tornozeleira eletrônica e serviços comunitários.
Tramitação em regime de urgência
O PL atingiu 262 assinaturas favoráveis a acelerar a tramitação da norma na Câmara dos Deputados sob o artigo 155 do regimento da Casa, chamado de "urgência urgentíssima".
Na prática, o modelo "fura a fila" de votação. O regime dispensa formalidades regimentais e permite que a norma seja votada sem a necessidade de passar pelas comissões da Casa, indo direto ao plenário.
Até outubro de 2024, o projeto de lei circulou na Comissão de Constituição e Justiça, e já havia recebido parecer da relatoria. No entanto, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tirou a análise do colegiado e pediu a instauração de uma comissão especial para analisá-lo, o que ainda não aconteceu.
Com o novo requerimento, o texto ainda precisaria ser pautado para votação pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e aprovado por maioria absoluta para entrar de fato em regime de urgência. Se isso acontecer, o projeto entra na Ordem do Dia na mesma sessão e precisa ser aprovado por maioria absoluta, de 257 votos.
Se aprovado, o texto ainda precisa passar pelo Senado para ir à sanção presidencial.
Bolsonaro pode ser anistiado?
O texto pode sofrer alterações no plenário devido aos projetos apensados e possíveis emendas. Mas trechos da minuta atual são criticados por governistas, que veem uma brecha para que a anistia se estenda ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado.
Isso porque o esboço cita possíveis crimes cometidos em território nacional, mas amplia o escopo dos anistiados. "A participação em manifestações de que trata o caput abrange também o financiamento, a organização e o apoio de qualquer natureza", diz.
Em outro trecho, considera perdoados, de forma genérica, os crimes com motivação política, "ou a estes conexos".
"Em linguagem clara: além dos atentados de 8 de janeiro […], seriam perdoados como 'crimes conexos' os decretos do golpe, o plano de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, a conspiração com os chefes militares, todos os crimes praticados por Bolsonaro e seus cúmplices contra a democracia, inclusive os crimes eleitorais", criticou a secretária de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, nas redes sociais.
Deputados defendem que atos são "democráticos"
Os parlamentares da oposição justificam tais projetos como forma de preservar "a ordem democrática, a paz pública e os direitos fundamentais". Antes do atentado antidemocrático em Brasília, Vitor Hugo havia defendido que seu projeto blindava manifestações "pacíficas".
"Importantes setores da sociedade […] podem impor às famílias hoje acampadas acusações de crimes, o que se configuraria na maior das contradições: aqueles que lutam, pacificamente, pela democracia são os acusados de atentar contra ela", afirmou.
Já em 2024, o deputado Rodrigo Valadares (União-SE), relator do projeto quando circulava na Comissão de Constituição e Justiça, comparou o 8 de janeiro com a Revolução Farroupilha, a revolta da Armada, a Revolução dos Tenentistas e a Revolução Constitucionalista.
"Ao longo dessa longa e dura história, o instrumento de paz utilizado e defendido por Ruy Barbosa, a anistia, foi utilizado quase na totalidade das vezes, de maneira ampla, geral e irrestrita", escreveu.
gq/bl (ots)