Em um passado não muito distante é impensável que torcedores de um time de futebol exigissem dos dirigentes do clube o afastamento de um grande craque recém-contratado pela acusação de estar ele envolvido em crime de violência sexual contra uma mulher. Prevaleciam o fanatismo e o machismo. Nesse campo, o Brasil mudou, e mudou para melhor. Os diretores do Santos, duramente pressionados pela torcida, movimentos feministas e patrocinadores, não tiveram outra saída a não ser a de desfazer o contrato firmado com o rei da pedalada, Robinho. Ele está condenado na Itália, quando jogava no Milan, por ter participado em 2013, juntamente com outros cinco homens, de um estupro coletivo cometido contra uma mulher albanesa, alcoolizada (ou seja, estupro de vulnerável), na chapelaria de uma boate em Milão. Em 2017, o jogador foi condenado em primeira instância a nove anos de prisão, com o direito de recorrer em liberdade a outros dois graus de jurisdição.

“Já que o Santos contratou o jogador, fomos em cima das marcas. E somente quando doeu no bolso é que o clube voltou atrás” – Daniela Brum, escritora e feminista com mais de um milhão de seguidores nas redes sociais (Crédito:Divulgação)

Tão abjeto como o ato de Robinho, tem sido as suas declarações. Como se vê, o Brasil mudou, mas Robinho, não. “Por que as torcidas organizadas têm essa paixão? Porque elas se enxergam como uma família e, como família, não querem defender crimes sexuais”, diz a conceituada neuropsicóloga paulista Katherine Machado Libânio, especializada em psicopatologia. “Um jogador de futebol, embora seja muito bom em campo, não pode ser dissociado de seus atos. Não há mais como retroceder”. Acontece que o próprio Robinho, apesar de toda a repercussão do caso, ainda tentou esquivar-se com declarações que só pioram a sua situação. Ele assume ter feito sexo oral com a vítima, mas alega de forma ignorante que “isso não significa transar”. Ainda usou a seriedade da fé cristã para dizer que é uma “pessoa de Deus” e que seu “crime foi ter traído a sua esposa”. Aqui fica claro que o craque não entende nada de respeito a Deus – e, muito menos, de respeito às mulheres.

O antigo caso voltou à tona porque diálogos trocados pelo celular entre Robinho e o seu amigo Ricardo Falco, também condenado no mesmo estupro, foram descobertos. Um trecho: “A minha única preocupação é que se tivesse câmeras elas teriam gravado que eu estava transando com a garota. O fato de não ter câmeras foi a nossa salvação”, escreveu Falco. Mais: “Naquele dia ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé. Estava realmente fora de si” — torna-se, assim, mais evidente as nuances de um estupro de vulnerável, estando claro que a vítima não estava em condições de oferecer resistência. O advogado da moça, Jacopo Gnocchi, disse que sua cliente quer se manter preservada: “as investigações foram precisas e todos os fatos, confirmados”. Em outra conversa, dessa vez com o músico Jairo Chagas – que tocava na balada e, de acordo com as investigações, o estupro coletivo aconteceu em seu camarim –, o jogador assume que tinha conhecimento da embriaguez da mulher: “estou rindo porque não estou nem aí, ela estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”. Jairo, ainda por mensagem, também diz: “eu te vi quando colocava o pênis dentro da boca dela”. “Isso não significa transar”, foi a resposta do atleta.

 

Partida encerrada

Se não bastasse, depois de toda repercussão das conversas, Robinho ainda falou que “infelizmente existe esse movimento feminista”. “Essa sua fala só prova que ele vai contra o respeito e a igualdade de gênero”, afirma a carioca Daniela Brum, escritora e criadora de conteúdo – é ela responsável pelo perfil “Feminiismo”, contando com mais de um milhão de seguidores. Foi justamente nas redes sociais que começou a pressão para que os patrocinadores do time se manifestassem contrários à contratação de Robinho: “já que o Santos contratou o jogador, fomos em cima das marcas. Somente quando doeu no bolso, é que o clube voltou atrás”. O contrato entre Santos e Robinho durou apenas seis dias. “Se ele acabar condenado, vamos pedir a rescisão definitiva”, diz o presidente do clube, Orlando Rollo.

Há de se levar em consideração, no entanto, a própria personalidade de cada um. Pessoas propícias a considerar a mulher como simples objeto sentiam um clima favorável para isso, e alguns ainda o sentem dessa forma, em um País no qual um ilustre político certa vez declarou”: “Está com vontade? Vai e estupra. Estupra mas não mata”. O dono da porca frase é Paulo Maluf e foi dita em 1989. Vale lembrar que Jair Bolsonaro, em sua época de deputado federal, disse, a plenos pulmões, que a colega Maria do Rosário “é tão feia que não merecia ser estuprada” – como se sofrer um crime sexual fosse um prazer para a mulher. Não. Não é. Se Jair Bolsonaro fosse um ídolo do futebol brasileiro a torcida já teria, há tempos, pressionado a sua saída. Com esse discurso, nem ele e nem Maluf entrariam em campo jamais.

O fanatismo no futebol já não paira acima de tudo. A vida pessoal de jogadores famosos, que antes era deixada de escanteio, hoje, se cotejada à trajetória desses atletas, faz com que sejam execrados de clubes por envolvimento com bárbaros crimes. No caso do célebre rei da pedalada, a acusação e condenação de estupro não foram somente uma pisada na bola, mas, também, o melancólico final da carreira do jogador. O caso faz com que a aposentadoria do atleta de 36 anos possa vir de forma prematura – e vergonhosa. Com essa bagagem em mãos – e a lucidez da sociedade ao não tolerar tais comportamentos – ele, provavelmente, não entrará mais em campo. Não há pedalada da qual Robinho possa se valer para driblar o hediondo crime que, segundo a Justiça italiana, ele cometeu.