O subfinanciamento do SUS (Sistema Único de Saúde) por parte do governo federal; as perdas de receita dos Estados em razão da redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços); e “desarranjos” promovidos por emendas parlamentares na saúde pública fazem com que o piso nacional da enfermagem cause “impactos insuportáveis” sobre os cofres municipais e Estaduais. A avaliação é do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), em resposta enviada ao Poder Judiciário nesta sexta-feira (14).

De acordo com o Conselho, o SUS recebe apenas 3,8% dos 9,6% do PIB (Produto Interno Bruto) destinados à saúde. Estados e municípios, afirma o Conass, “aportaram, até mesmo nos anos de pandemia, maior volume financeiro destinado ao SUS”, mesmo com a União ficando com o maior volume de receitas tributárias. Além disso, a situação de caixa estadual e municipal “têm ficado sistematicamente mais agravada na medida em que o impacto provocado pela alteração de tributação” para energia elétrica, combustíveis e telecomunicações “reduz fortemente a arrecadação dos Estados”. O impacto pode chegar a R$ 30 bilhões por ano, para saúde e educação, destaca o conselho.

O documento é dirigido ao ministro Luís Roberto Barroso (STF), que suspendeu a aplicação da lei no. 14.434/2022, que foi promulgada em 4 de agosto deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, e que estabelece o piso nacional para enfermeiros e técnicos e auxiliares de enfermagem em R$ 4.750. A suspensão de Barroso determina que, antes de a lei entrar em vigor, é preciso que sejam esclarecidas a situação financeira de Estados e municípios e os impactos que terá sobre os empregos da categoria e a qualidade dos serviços de saúde. A suspensão foi confirmada no dia 15 de setembro por maioria no STF.
O Conass diz no documento que já enviou ofício aos ministérios da Economia e da Saúde pedindo informações sobre o lastro orçamentário para arcar com a nova despesa. Nenhuma das pastas respondeu ao conselho até o momento.

Sustentabilidade

O Conselho lembra o PLP (Projeto de Lei Complementar) 44/2022, que prorroga a liberação de recursos dos fundos estaduais e municipais de saúde e assistência social, como alternativa para financiar o piso nacional da enfermagem. O texto, aprovado no Senado no último dia 4, vai a votação agora na Câmara dos Deputados. Pelo projeto, fica autorizada a transposição de saldos que estejam ociosos nesses fundos – cujo fim original era prover recursos para combate à covid-19. Com a prorrogação, a validade passa a ser o fim de 2023 (o prazo original era final de 2021).

O Conass, no entanto, aponta que o piso da enfermagem é uma despesa permanente – o que faz do PLP uma “solução provisória, sem qualquer sustentabilidade”. “A ausência de indicação de fonte de custeio para as despesas impostas pela lei impõe tanto ao SUS quanto à saúde suplementar os riscos de solução de continuidade.”

Em audiência na Câmara dos Deputados (em dezembro do ano passado), representantes do Conselho disseram que o impacto do piso da enfermagem para Estados e municípios seria de R$ 26,5 bilhões – sendo R$ 14,3 bi para municípios e R$ 12,14 bi para Estados e Distrito Federal). “A União, nos últimos 30 anos, aplicou em média 1,5% do PIB em saúde. Nos últimos 20 anos, a União repassa responsabilidade, transfere responsabilidade, mas o dinheiro não acompanha”, diz o documento, citando a audiência.

Empregos e insegurança jurídica

O estabelecimento do piso nacional pode ainda fazer com que aumente o desemprego entre os enfermeiros, que poderiam ser substituídos por técnicos ou auxiliares – o que também teria impacto sobre a qualidade do serviço prestado, diz o Conass.

O conselho destaca um ofício da Sociedade de Nefrologia que aponta os riscos de que profissionais mais capacitados sejam substituídos por outros, de menor qualificação: “É possível que se busque ter menos enfermeiros para pacientes menos graves (…) por técnicos ou auxiliares, ampliando o desemprego dos primeiros”. Além disso, existe risco de que fique comprometida a renovação de equipamentos e de tecnologia – devido ao maior peso da folha salarial.

Também cresce o risco de insegurança jurídica, destaca o Conass, com uma “crescente gama de decisões monocráticas, em juízos iniciais, que passaram a elevar os riscos de solução de continuidade, além de propiciar um alargamento da insegurança jurídica existente sobre o tema”. O documento lembra a decisão da Justiça Federal da 1ª Região em favor da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. A instituição obteve a tutela de urgência para bloquear valores das contas dos Fundos Nacional, Estadual e Municipal de Saúde para custear o piso nacional da enfermagem.