Em sua primeira individual na Simões de Assis Galeria de Arte de Curitiba, aberta no sábado, 3, o pintor paulista Paulo Pasta exibe em duas dezenas de obras uma síntese de sua mais recente produção desde Anunciação Vermelha (2015), tela de referência do período – livremente inspirada pela Anunciação de Duccio e ponto de partida para obras posteriores. Por sempre considerar que pintura “é a construção da distância entre desejo e projeto”, como já escreveu, Pasta deixou que as novas telas se contem por si mesmas. Em resumo: essas obras criam uma temporalidade singular, ao evitar o ritmo acelerado da sociedade internética e servir de veículo para difundir a luz a partir da harmonia cromática de um artista já considerado pela crítica como um clássico da pintura brasileira.

Ao falar dele, num texto poético publicado no catálogo da exposição, a escultora Iole de Freitas descreve de modo sucinto a sensação de estar diante de uma de suas telas: “A cor nos invade”. Não há, segundo ela, “encobrimento de pigmentos, mas surgimento de luz” nessas pinturas. O crítico Paulo Venâncio Filho, no mesmo catálogo, conclui que essas telas atuam como difusoras/infusoras da luz”, transformando a pintura numa “superfície de emanação da luminosidade”.

Nem sempre foi assim. Em pinturas antigas e raras, feitas há 30 anos, hoje em mãos de poucos colecionadores, Pasta criava uma outra temporalidade, retirando da tinta o seu brilho para justamente remeter essa pintura ao passado. Eram telas em que o pintor misturava tinta a óleo com verniz de cera (de abelha), a chamada encáustica fria, que resultava numa camada espessa, tornando a luz turva. As camadas de cera, ao apagar os vestígios de figuras arcaicas (ogivas, arcos), levavam consigo a luz para o interior da tela. Assim ele se despediria dos anos 1980. Foi só quando Pasta, nos anos 1990, passou a pintar o espaço entre as coisas, afirmando – e não mais escavando essas camadas de cera em busca do passado – é que a luz emergiu do fundo para a superfície da tela, surgindo, então, arcos e colunas que fixaram sua imagem como um grande colorista.

Pasta não mais procurava nas áreas escondidas da pintura a sua essência, mas criava um espaço definido – assim como as formas, derivadas basicamente da arquitetura (depois das colunas vieram as vigas, que finalmente se transformaram em cruzes). A bem da verdade, essas cruzes não evocavam o signo religioso do cristianismo, mas resultavam de variações formais obtidas a partir das colunas dos anos 1990, que deram origem a figuras como lápis apontados e garrafas, sugeridos pelo espaço entre as colunas. Essa expansão das formas serviu para afirmar não o desenho, mas a cor, resultando desse amálgama com a figura a luz, construída principalmente de sobreposições das camadas cromáticas – ao contrário do que muitos defendem, Pasta nunca fez uma pintura monocromática.

É nessa atmosfera remissiva à harmonia da pintura de Matisse que se enquadram as atuais telas do pintor. Elas ainda conservam algo das antigas “vigas” que surgiram em 2004 e sugeriam vigas de construção, em que uma linha vertical é sustentada por uma horizontal num jogo mondrianesco. Contudo, o que emerge agora não é um arranjo ortogonal, mas uma afirmação física da cor – o crítico Paulo Venâncio Filho diz mesmo que sua pintura “é um corpo que se pode sentir” através do olhar, o que imprimiria um caráter sensual nessa pintura, algo semelhante ao que acontece na leitura de um poema de Manuel Bandeira.

A exemplo de Bandeira, a temperatura aumenta ou diminui, acentuando essa sensualidade, caso da tela Barômetro, deste ano, um óleo em que o azul e o rosa competem com a luz de um amarelo solar. Ou em Figari, também pintada em 2019, homenagem ao pintor uruguaio Pedro Figari (1861-1938) feita de um cromatismo vivo (verde e vermelho) que remete ao contraste cromático de sua série Candombe (anos 1930). São dois exemplos extremos do uso de cores na exposição paranaense de Pasta. Outras telas da mostra reacendem o suave cromatismo renascentista com luzes contemporâneas, permitindo, segundo Venâncio, uma “imersão total, de corpo inteiro” na tela. Só Volpi, segundo o crítico, ousou tanto. Volpi, como Duccio, tinha uma visão cromática polifônica. Pasta, seguidor dessa tradição, não poderia ser diferente dos mestres.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.