Uma das poucas diversões dos vassalos que moravam fora das fortificações da Idade Média era usar as mãos para rebater bolinhas de pele de ovelha arremessadas nas muralhas dos castelos. Com o tempo, raquetes começaram a ser usadas como extensões de braços e deram origem a vários esportes, praticados em diferentes pisos e quadras e também com bolinhas das mais diversas.

O pickleball, que começou a ser jogado há cerca de dez anos nos EUA, ganhou tamanha força no pós-pandemia, com adeptos como LeBron James, astro do basquete, e Tom Brady, ex-jogador de futebol americano (e ex-Gisele Bündchen), que hoje já são 100 mil quadras naquele país.

Mistura de tênis, badminton e tênis de mesa, tem tudo para se tornar o “esporte de verão” no Brasil e até entrar no programa olímpico de Los Angeles 2028, na previsão de Luiz Fernando Secali, presidente da Associação Paulista de Pickleball e CEO do The Corner Sports & Health, na Vila Nova Conceição, bairro de São Paulo.

O pickleball é herdeiro da pelota basca, esporte jogado com uma “cesta” que arremessa bolinha contra paredes — e muito difundido na França do século XVIII. E do badminton e sua petequinha, que conta com uma rede divisória na quadra, saído da Índia e levado à Inglaterra, sede do Império Britânico no século XIX.

Mas também do tênis de mesa, dominado pelos chineses desde os anos 1970 (e que hoje tem o brasileiro Hugo Calderano como quarto no ranking mundial). E do tênis com seu derivado padel (pronuncia-se pá-dou), um “tênis” que passou a ser jogado em navios.

Do squash, com rebatidas em três paredes, com a quarta de vidro, e mesmo do beach tennis, este ao ar livre, em quadra de areia como o brasileiríssimo frescobol, informalmente uma cria de praia, sem redes nem quadras.

Das razões pelo forte crescimento do pickleball nos EUA, Secali lembra que é um esporte “de família”, com regras fáceis e raquete leve, que pode ser manuseada por crianças de 5 anos.

Como é disputado em espaço reduzido, tem baixo impacto e menor risco de lesões, resgata a vontade de praticar esportes por uma faixa etária mais alta, com benefícios cardiovasculares estendidos para os 80 anos.

“Mesmo quem não sabe jogar tênis, ou não tem condicionamento físico para tanto, pode se achar o Roger Federer jogando”, brinca o empresário.

Ele também lembra que as quadras de tênis em clubes americanos estavam quase vazias — cada uma delas podia ser transformada em quadra de pickleball. Daí a rápida expansão. E em São Paulo, hoje tomada por edifícios, essas “miniquadras” podem ser instaladas até no alto dos prédios.

Pickleball, a aposta do verão
Raquetes e bolinhas do pickleball: fibra de carbono e plástico (Crédito:Jardiel Carvalho)

Um ponto importante, para Secali, foi seu centro de lifestyle, que alia esporte e saúde, ter obtido o certificado PPR (Professional Pickleball Registry), com relação a quadra, equipamentos e, principalmente, capacitação de professores-instrutores do esporte.

Dessa maneira, diz, não se corre o risco da prática perigosa de se ter lesões por falta de orientação adequada.

Por estar mais estruturado, nos EUA já existem campeonatos com prêmio de US$ 1,5 milhão ao vencedor (e, como comparação, lembra que Roland Garros, o lendário Aberto de Tênis da França, tem premiação em torno de US$ 2,5 milhões).

Ele explica que são necessários investimentos de US$ 170 mil (cerca de R$ 800 mil) para implememtar uma unidade do esporte, incluindo desenvolvimento de raquete em fibra de carbono e bolinha plástica (oca e com furos, o que dá mais estabilidade).

Por enquanto, são em torno de 2 mil praticantes no Brasil (mais de 200 entre seus clientes, desde fevereiro), mas em menos de seis meses deve virar “uma febre”, segundo Secali.

Pickleball, a aposta do verão
Guilherme e Soraya na quadra do Paulistano de pelota basca, que tem 12 modalidades, com a raquete de paleta goma e a “cesta” do jai alai (Crédito:Jardiel Carvalho)

Antepassado de respeito

O Club Athletico Paulistano tem a única quadra de pelota basca do Brasil, que agora em 2023 completa 100 anos. O esporte — muito estratégico — tem 12 modalidades e em uma delas a bola ainda é rebatida com a própria mão, segundo Guilherme Killingsworth, ele mesmo um “peloteri”.

Uma das mais antigas é o jai alai, ou cesta-punta, em que se utiliza a “cesta” (xistera) para os fortes arremessos na parede (o frontão). A bolinha original, de borracha maciça, atinge a maior velocidade alcançada em esportes (310 km/h) em sustentação (no badminton a velocidade inicial da peteca chega a 340 km/h, mas cai). Para evitar riscos, jogadores utilizam óculos, capacete e, alguns, até colete.

Em décadas passadas havia profissionais no Brasil, com apostas em jogos disputados em clubes ou em quadras no centro e na Zona Leste de São Paulo (Vale do Anhangabaú, Praça da República, avenida Rangel Pestana).

Com a proibição dos jogos de azar nos anos 1940, esses profissionais deixaram o país por regiões onde o esporte segue forte como é o caso de Espanha, México, Filipinas e Miami (EUA), pela influência cubana (a pelota basca voltou ao programa dos Jogos Pan-Americanos em Lima 2019, quando Filipe Otheguy, que mora na França, ganhou um bronze para o Brasil).

Hoje, os poucos jogadores do Brasil, como Soraya Cuellas, que também jogou tênis e badminton, se reúnem na quadra do Paulistano e, na maior parte das vezes, se valem das raquetes (mais simples que as cestas de vime, que são artesanais) e bolinhas da modalidade paleta goma.