A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a defender, nesta quinta-feira (27), o papel do Ministério Público Federal (MPF) de solicitar o arquivamento de processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A manifestação de Raquel Dodge está relacionada à sequência de arquivamentos de processos por ministros do STF sem o pedido expresso do MPF, o que não é usual no rito processual. Ao todo, nove inquéritos foram arquivados monocraticamente por ministros do Supremo, que apontaram excesso de prazo e falta de provas. A PGR recorre das decisões.

“Essa atitude judicial desafia e diminui a plenitude da vigência do sistema acusatório no Brasil. Por essa razão, foram apresentados os recursos cabíveis para sustentar que cabe ao Ministério Público, e só ao Ministério Público, decidir se a investigação está madura o suficiente”, disse, ao abrir o evento “Desafios Contemporâneos do Sistema Acusatório” na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

Raquel Dodge destacou a necessidade de se fazer respeitar a separação de acusar, julgar e defender. Em sua avaliação, esse tripé torna nítidos os limites do processo legal. “Torna também mais nítida uma noção introduzida na Constituição de 1988 de que o titular da ação penal exclusivo é o Ministério Público e, por isso, só pode haver arquivamento de casos quando o Ministério Público pede este arquivamento”, disse.

“Sabem todos que vigia no Brasil um sistema inquisitorial que confundia essas funções, não em benefício da sociedade brasileira, mas, muitas vezes, para assegurar aquilo que não é desejável: a impunidade dos poderosos. Eram medidas que produziam efeitos muito fortes, claros e evidentes quando se estava diante de uma investigação mais sensível, de uma atuação penal que eriçava as resistências daqueles que não queriam que a lei não valesse para todos”, disse Raquel.

O presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti, que participou do debate, reiterou a crítica que já havia feito às decisões dos ministros do Supremo e que considerou de extrema gravidade. Para ele, as manifestações nem “sequer são corretas”, já que, em sua visão, a maioria tinha menos de um ano e meio e envolvia assuntos complexos.

“Isso é extremamente grave, contraria o princípio acusatório e também das garantias individuais. Acho estranho que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não tenha se levantado contra esse tipo de questão. Pode ser que o advogado de determinado réu fique satisfeito, mas a Ordem tem a obrigação de ver o cenário como todo e não pode ficar satisfeita com a situação em que o juiz avança preliminarmente em questão criminal de investigação.”

Também presente ao evento, a coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, Luiza Cristina Frischeisen, disse que não é função do Supremo determinar “se cabe diligência ‘A’ ou ‘B'”. “Isso não cabe a um membro do Supremo. A função do juiz é julgar e garantir os direitos de quem está sendo investigado ou acusado.”

Lentidão

Na semana passada, em coletiva de imprensa, a chefe do MPF admitiu que há lentidão em “muitas investigações” e que os obstáculos para uma tramitação célere podem ser administrativos, técnicos ou jurídicos. Para Raquel Dodge, no entanto, a demora no processo investigativo nem sempre deve conduzir ao arquivamento do inquérito, mas passar por uma análise cautelosa.

Em julho, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que a sequência de arquivamentos deixou em alerta procuradores e delegados da Polícia Federal que atuam na Operação Lava Jato. Os reveses, na opinião de representantes da PF e do MPF, significam um obstáculo às investigações – que chegam a uma fase decisiva na Corte – e põem em xeque o potencial da delação da Odebrecht.