O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que, de acordo com a lei, não é necessária uma ordem oficial assinada para configurar o crime de golpe de Estado, bastam reuniões de teor golpista. A fala ocorreu durante a leitura da acusação do órgão contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus do inquérito que apura uma suposta trama golpista após as eleições de 2022.
A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou nesta terça-feira, 2, o julgamento contra o chamado “núcleo crucial” da suposta tentativa de golpe de Estado. No início da sessão, o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, disse que uma organização criminosa tentou “coagir” e “submeter o STF” ao governo de Donald Trump. O magistrado não citou a família Bolsonaro.
Gonet: ‘Cooperação dos envolvidos evidencia organização criminosa’
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Em seguida, o procurador-geral da República destacou que: “Quando o presidente da República e o ministro da Defesa se reúnem com comandantes militares, sob sua direção política e hierárquica, para consultá-los sobre a execução da fase final do golpe, o golpe, ele mesmo, já está em curso de realização”.
Gonet ressaltou que “tem-se até esta altura provada, na cadeia de fatos, a consumação da ruptura democrática. Está visto que, em vários momentos, houve a conclamação pública do então presidente da República para que não se utilizassem as urnas eletrônicas previstas na legislação, sob a ameaça de que as eleições não viessem a acontecer, bem como atos de resistência ativa contra os seus resultados”.
“Os golpes podem vir de fora da estrutura existente de poder, como podem ser engendrados pela perversão dela própria. O nosso passado e o de tantas outras nações oferecem ilustrações dessa última espécie: o inconformismo com o término regular do período previsto de mando costuma ser fator deflagrador de crise para a normalidade democrático provocada pelos seus inimigos violentos”, pontuou.
Em outro momento, o procurador-geral da República afirmou que a tentativa de golpe de Estado “se revela na prática de atos e de ações dedicadas ao propósito da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, um apelo ao emprego da força bruta, real ou ameaçada”.
“Não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, explicou.
Gonet afirmou ainda que a acusação contra os réus não se baseia em “suposições frágeis”, mas sim em documentos produzidos pelos próprios integrantes da “organização criminosa”.
Para o procurador, os atos golpistas do 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, “pode não ter sido o objetivo principal do grupo, mas passou a ser desejado e incentivado”.
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Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), Bolsonaro foi o líder da organização criminosa e participou ativamente na elaboração da minuta do golpe para evitar a posse de Lula. O ex-presidente ainda é acusado de editar uma minuta golpista e pressionar chefes das Forças Armadas a aderirem ao plano. Ele recuou da ideia após a recusa dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Além de Bolsonaro, outros sete aliados são réus no processo relatado pelo ministro Alexandre de Moraes. São eles:
- Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-SP)
- Almir Garnier Santos, almirante e ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, delegado do PF e ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno, general e ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional)
- Jair Bolsonaro, capitão e ex-presidente da República
- Mauro Cid, tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator
- Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, general e ex-ministro da Casa Civil
O processo é analisado pela Primeira Turma da Corte, que conta com cinco ministros: Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. O julgamento deve durar até dia 12 de setembro.
A expectativa é que o primeiro dia seja destinado para a leitura do relatório de Moraes e para os argumentos do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Em seguida, as defesas terão 1h para apresentar seus argumentos. O advogado do ex-presidente, Celso Villardi, deve ser o sexto a falar.
Os votos dos ministros devem ficar apenas para a segunda semana de julgamento. A expectativa nos bastidores do STF é pela condenação de Bolsonaro, a dúvida está no placar unânime ou se haverá voto contra de um dos ministros. A incógnita está no voto de Luiz Fux, que já deu indícios de que poderá divergir do voto do relator.
Da trama ao tribunal

Ex-presidente Jair Bolsonaro durante interrogatório no STF
Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.
Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.
Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.
Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.
Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.E
m março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:
– Organização criminosa armada;
– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; – Golpe de Estado; – Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; – Deterioração de patrimônio tombado.Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.