A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa dois desembargadores de Minas Gerais de praticarem nepotismo cruzado ao nomearem a filha e a esposa para cargos comissionados em seus gabinetes. Ainda segundo a denúncia, as servidoras seriam funcionárias “fantasmas”, pois não há registros de acessos aos sistemas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) e há poucas visitas presenciais nos mais de cinco anos em que elas estiveram nos cargos. O caso corre em segredo de justiça no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo a acusação, o desembargador Eduardo Grion nomeou para seu gabinete Paula Dias, filha do desembargador Paulo Dias que, como compensação, nomeou Ludimila Pina, esposa de Grion, em seu gabinete. Ambas são concursadas, mas foram exoneradas dos cargos comissionados em dezembro de 2020 após determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A defesa de Grion e Ludimila afirmou, em nota, que elas “efetivamente trabalhavam”. O advogado de Paulo e Paula Dias disse que ela não era funcionária fantasma e muitas vezes cumpria carga horária superior à estipulada. O TJ-MG informou que não tem conhecimento da denúncia.

A PGR pede que os quatro denunciados percam os cargos públicos, tenham a aposentadoria cassada, no caso do desembargador Paulo Dias, e paguem R$ 4 milhões como indenização por danos materiais e danos morais coletivos. Pede ainda que todos sejam condenados criminalmente por desvio de dinheiro público (peculato) e os desembargadores também por falsidade ideológica, já que teriam prestado informações falsas ao realizar as avaliações de desempenho das assessoras.

O caso é similar à denúncia revelada pelo Estadão no início do mês na qual a PGR acusa outros três desembargadores do TJ-MG de falsidade ideológica para esconder um caso de nepotismo. Porém, no caso anterior, não há a acusação de desvio de dinheiro público porque a servidora Caroline Coelho teria efetivamente trabalhado no gabinete do pai, o desembargador Geraldo Coelho.

O TJ-MG informou durante as investigações que Ludimila sequer tem cadastros nos sistemas informatizados do Judiciário mineiro, como o Processo Judicial Eletrônico (PJE), o Sistema Eletrônico de Execução Unificado e o Themis. Foram encontrados apenas cinco registros de acesso dela aos prédios do tribunal em sete anos, um deles como visitante, durante os sete anos em que ocupou o cargo de assessora, de dezembro de 2013 a dezembro de 2020.

Em depoimento, ela disse que havia um sistema de rodízio em relação ao trabalho presencial no gabinete e que entrava no tribunal no carro oficial do marido, no carro da família ou os seguranças permitiam a entrada dela pela portaria principal porque a conheciam.

Também não há registros de cadastros de Paula Dias nos três sistemas do tribunal. O TJ-MG encontrou apenas 26 acessos dela como funcionária entre 2015 e 2019. Ela ocupou o cargo de assessora durante seis anos, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2020.

“A servidora Paula Michelle Magalhães Dias não era assídua, não auxiliava na análise de processos, não digitava os votos e não exercia qualquer atividade nos gabinetes dos desembargadores, pois restou demonstrado a sua condição de ‘servidor fantasma’, ou seja, não exerceu de fato nenhuma função para a qual estava designada”, diz a PGR na denúncia. O trecho é reproduzido na íntegra para se referir também à Ludmila.

No inquérito, o desembargador Eduardo Grion reconheceu que a esposa Ludimila atuava em seu gabinete, mesmo estando oficialmente nomeada no gabinete de Paulo Dias. “O login dela não funcionava no meu gabinete, só funcionava no gabinete da lotação oficial dela, que era a lotação do gabinete do Paulo Cézar Dias. Então, no meu gabinete os votos que ela sugeria, eram os votos inseridos no meu login”, disse. Segundo ele, a esposa recebia a mesma carga de processo do que os outros assessores e ainda era responsável por treinar novos estagiários e assistentes.

Já Paula Dias disse que usava o login do pai para inserir no sistema as minutas dos votos que ela produzia e que nunca pediu a criação de usuário para acessar o sistema Themis porque não achava que o acesso com sua matrícula era uma forma de comprovar que ela estava efetivamente trabalhando.

Ela também declarou que tinha a mesma carga de trabalho do que os outros assessores. Questionada durante depoimento sobre como entrava no prédio do tribunal, a filha do desembargador Paulo Dias respondeu que utilizava seu crachá ou carteira funcional e acrescentou que muitas vezes as catracas apresentavam problemas e por isso os seguranças permitiam a sua entrada.

O que dizem as defesas:

Paulo Dias e Paula Dias

“Paulo Cézar Dias e Paula Michelle Magalhães Dias refutam as injustas acusações. O Desembargador, enquanto julgador, cumpriu suas obrigações com retidão e honestidade. A servidora, ao contrário do que diz a Procuradoria Geral da República, era concursada, comparecia diariamente ao trabalho, cumprindo carga horária muitas vezes superior à estipulada, sendo que estes fatos já foram devidamente esclarecidos e provados em procedimento disciplinar. Ambos seguem com a consciência tranquila, certos de que a denúncia será devidamente rejeitada. Fica o registro do espanto causado pelo vazamento proposital de informações classificadas como sigilosas pelo Superior Tribunal de Justiça, que deve ser apurado com o devido rigor”

Eduardo Grion e Ludimila Pina

“A defesa de E.G. e L.P., instada a se manifestar, declara que a denúncia é contrária às provas, que não houve dano ao erário e que a Polícia Federal concluiu pela inexistência de crime e que as servidoras efetivamente trabalhavam. Acrescenta que as servidoras são funcionárias públicas concursadas, há vários anos, do TJMG. De resto, como a investigação tramita em sigilo de justiça, eventual vazamento, por prejudicar as partes, gera responsabilidade civil e penal.”