PF prende general em operação que mira extorsão a garimpeiros

Era manhã da última terça-feira quando os federais bateram na porta do então secretário de Segurança Pública do Amazonas, Carlos Alberto Mansur. Queriam revistar o lugar, sob a suspeita de que ali poderiam encontrar provas de extorsões a garimpeiros ilegais de ouro e outros metais preciosos no Estado. Também procuravam armas, dinheiro e documentos.

O trabalho dos policiais seria concluído horas depois com a prisão do secretário em razão de os agentes terem achado uma arma ilegal no imóvel. Tudo poderia estar restrito à miséria da Segurança Pública do País, que já viu integrantes de suas cúpulas encarcerados ou acusados de crimes em São Paulo, no Rio, no Espírito Santo e em outros Estados.

A novidade neste caso é que Mansur não era um secretário qualquer. Ele é um general de três-estrelas, um oficial que escolheu a Arma da Artilharia quando estava na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e que saiu aspirante em 1983. Trata-se, portanto, de um oficial-general contemporâneo de academia de todo o Alto-Comando do Exército.

O caminho de Mansur, um paranaense que, segundo um colega, fez uma carreira que se caracterizava pela discrição e pela ponderação – uma “carreira bastante correta” – para essa situação começou depois de ele ter ocupado o comando da 12.ª Região Militar, com sede em Manaus. Desde então, estabeleceu raízes no Estado. E em seu mundo político.

Em 2021, após passar à reserva, foi convidado a assumir a pasta de Segurança. O Amazonas vivia o avanço do garimpo ilegal, do esbulho de terras da União por grileiros e era infestado por quadrilhas que extraíam ilegalmente madeira para exportação. A população tinha na memória os massacres da disputa entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a Família do Norte (FDN) pelo domínio da rota do Rio Solimões de escoamento de cocaína para a Europa e para os Estados Unidos.

América Latina

A chegada de Mansur ocorreu depois que a presença de militares – a título institucional – no combate ao crime organizado na América Latina já havia se tornado comum, após a redemocratização da região, entre os anos 1980 e 1990. O engajamento deles na chamada guerra às drogas financiada por Washington após o fracasso das polícias locais provocou distorções que levaram à contaminação de instituições, como no caso do México, em que oficiais de forças especiais estiveram por trás da criação do Cartel Los Zetas.

Também provocaram situações constrangedoras, como a prisão do general Salvador Cienfuegos, ex-ministro da Defesa do México, em 15 de outubro de 2020, em Los Angeles. O homem que dizia não ter estudado para perseguir delinquentes comandara a guerra às drogas do outro lado da fronteira americana entre 2012 e 2018, durante a gestão do presidente Enrique Peña Nieto.

A prisão de Cienfuegos provocou uma crise diplomática que terminou em 2021 com a retirada das acusações contra o general, cujo caso era analisado pela mesma Corte de Nova York que condenara Joaquín “El Chapo” Guzmán, o chefe do cartel de Sinaloa.

No Amazonas, as investigações sobre o general Mansur começaram com a verificação de informações de que seu filho Victor Mansur estaria envolvido em roubos de carregamento de ouro e pagamentos de propinas. Contra ele, o Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Amazonas, conseguiu a expedição de um mandado de prisão, cumprido na tarde de anteontem.

Liberado

É possível que o general Mansur não tenha avaliado corretamente os riscos de assumir uma posição na Secretaria de Segurança Pública sem ter uma equipe em quem pudesse confiar. Mas a decisão do governador Wilson Lima (União Brasil) de demitir o subordinado na noite de anteontem pode dar ideia do tamanho do estrago feito pelos promotores e pelos agentes federais. Preso, o general pagou fiança e foi posto em liberdade. As defesas dos citados não foram localizadas. O governo do Amazonas disse colaborar com as investigações (mais informações nesta página).

A Operação Comboio ganhou esse nome porque, segundo os investigadores, integrantes da pasta de Segurança Pública do Amazonas utilizavam viaturas da secretaria durante as diligências para a prática dos crimes. Os veículos seguiam organizados em comboios, sob a guarda de uma escolta.

Governo exonerou secretário para evitar ‘interferência’

O general do Exército Carlos Alberto Mansur foi exonerado do cargo de secretário de Segurança Pública do Amazonas nesta terça, 29, no mesmo dia da operação da Polícia Federal e do Ministério Público do Amazonas que investiga suspeita de crimes de corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro envolvendo a cúpula da Segurança Pública do Estado.

Em nota, o governo do Amazonas afirmou que a exoneração de Mansur teve o objetivo de evitar “qualquer tipo de interferência nas investigações”. Ainda segundo o comunicado, servidores efetivos que estão entre os investigados foram afastados das funções e os comissionados alvo da PF foram exonerados.

“O governo reforça que está auxiliando nas investigações, prestando todas as informações necessárias e que não compactua com quaisquer irregularidades ou atos ilícitos cometidos por servidores públicos”, afirma a nota oficial.

Apuração

De acordo com investigadores, integrantes da pasta são suspeitos de se aproveitar de informações privilegiadas para extorquir organizações criminosas com atuação no Amazonas. “Esse é o contexto de uma organização criminosa que atuava para angariar, por meio de ilícitos, dinheiro”, disse o promotor Igor Starling. Ele coordena o Centro de Apoio Operacional de Inteligência, Investigação e de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público.

Militares

O general Mansur assumiu a Secretaria de Segurança Pública em agosto de 2021, em substituição ao coronel da Polícia Militar do Amazonas Louismar Bonates. Dias antes, a pasta havia sido alvo de outra operação do Ministério Público e da PF. Batizada de Garimpo Urbano, a investigação mirou suspeita de desvio de ouro apreendido em operações policiais.

General de divisão do Exército, Mansur iniciou a vida militar em 1977, quando entrou na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas (SP). Anos depois, se formou bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, onde atuou como docente. (COLABOROU WALDICK JUNIOR)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.