Por Gabriel Stargardter

FLORIANÓPOLIS (Reuters) – Um dia após um integrante PT ser morto a tiros por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) em julho, a equipe da Polícia Federal que protege o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante sua campanha ao Palácio do Planalto enviou um ofício confidencial a colegas graduados em todo o Brasil: eles pediam reforços.

No documento visto pela Reuters, as autoridades alertam que a segurança de Lula estava sendo ameaçada por “opositores radicalizados”, cada vez mais bem equipados com armas mortais devido à flexibilização do controle de armas por Bolsonaro. Elas pediram aos principais policiais federais de cada Estado reforço nos eventos da campanha de Lula com carros à prova de balas, equipes táticas, drones e relatórios de inteligência.

“O atual cenário é inédito na história da democracia brasileira e amplia o desafio de garantir a incolumidade física do candidato”, escreveram.

O memorando faz parte de uma série de alertas com relação à violência política no período que antecede as eleições de 2 de outubro, as mais tensas no Brasil desde o fim da ditadura militar em 1985. Os avisos sobre uma armada e furiosa resistência ao PT também lançam luz sobre os persistentes desafios que Lula pode enfrentar caso vença Bolsonaro no próximo mês, como sugerem as pesquisas eleitorais.

O ex-capitão do Exército tem caracterizado Lula e seus aliados como “comunistas” criminosos. Bolsonaro também tem buscado apoio militar para suas contestações infundadas sobre fraude nas urnas eletrônicas, que buscam minar a fé no sistema eleitoral brasileiro, e chegou a pedir aos seus seguidores que se armem para se proteger contra qualquer trapaça eleitoral.

Alguns deles têm respondido por meio da estocagem de armas e do ataque contra pessoas alinhadas à esquerda em meio a uma campanha eleitoral tensa, marcada por casos de extrema violência.

Em seu ofício de 11 de julho, a equipe federal de segurança de Lula citou vários “atos de intimidação e violência”, incluindo o assassinato de Marcelo Arruda na véspera. O tesoureiro regional do PT em Foz do Iguaçu foi morto a tiros em sua festa de aniversário –que tinha Lula como tema– por um homem que gritava apoio a Bolsonaro.

Esse tipo de violência não é inédito nas eleições brasileiras. Candidatos estaduais e municipais são frequentemente atacados por rivais regionais e o próprio Bolsonaro quase morreu em 2018 ao receber uma facada dada por um homem mentalmente instável durante a campanha eleitoral.

Ainda assim, Bolsonaro também tem acompanhado um aumento acentuado nos ataques políticos. Os tribunais eleitorais apontam para um salto nas agressões a candidatos entre a eleição de 2018 e o ciclo de 2020. O Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) registrou um aumento de 23% nos casos de violência política no primeiro semestre de 2022 em comparação com o mesmo período de 2020.

Críticos acusam Bolsonaro de incentivar seus apoiadores a se armarem e de impulsionar a violência contra seus rivais de esquerda.

Neste mês, um bolsonarista matou e quase decapitou um apoiador de Lula na zona rural de Mato Grosso durante uma intensa discussão política, informou a polícia.

No último sábado, um homem entrou em um bar no Nordeste e gritou: “Quem aqui é eleitor de Lula?” antes de esfaquear até a morte o homem que respondeu: “Eu sou”, segundo a Polícia Civil do Ceará.

Nem todos os incidentes foram fatais. Em pelo menos dois casos, bolsonaristas foram presos por lançarem supostos resíduos fecais em eventos de Lula. A polícia tem buscado investigar um apoiador de Bolsonaro por fantasiar online o assassinato de Lula e outro por usar a imagem do petista para prática de tiro ao alvo.

A poucos dias do primeiro turno das eleições, o país está na corda bamba. Quase 70% dos brasileiros dizem ter medo de serem agredidos fisicamente por causa de sua preferência política ou partidária, segundo pesquisa do Datafolha divulgada neste mês.

“Eu não uso mais vermelho em público”, disse Gabriel Oliveira, referindo-se à cor do PT, em evento recente da campanha de Lula em Florianópolis, reduto de Bolsonaro. “As pessoas que apoiam Bolsonaro são muito agressivas.”

O gabinete de Bolsonaro não respondeu a um pedido de comentário.

TEMORES PÓS-ELEIÇÕES 

Se o caminho até a votação é tenso, muitos temem que os resultados possam ser piores. Após meses lançando dúvidas infundadas sobre o sistema de votação brasileiro, muitos temem que Bolsonaro siga a estratégia do ex-presidente norte-americano Donald Trump de se recusar a aceitar a derrota.

As instituições democráticas do Brasil, regularmente criticadas pelo presidente e seus aliados, se preparam para a possibilidade de manifestações caóticas e potencialmente violentas.

Em julho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin disse que o Brasil pode “ter um episódio ainda mais agravado do (ataque do ano passado) 6 de janeiro no Capitólio dos EUA”. Neste mês, em uma decisão mantida pela maioria do tribunal, ele suspendeu alguns decretos de Bolsonaro que contribuíram para um aumento na posse de armas, citando “o risco de violência política”.

Promotores federais em São Paulo também expressaram preocupação com o aumento de seis vezes nos registros de armas para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores –conhecidos como CACs– desde que Bolsonaro começou a afrouxar as normas sobre armas de fogo em 2019. Em julho, eles alertaram que a enxurrada de armas inspirou “medos bem fundamentados sobre o que pode acontecer em meio a possíveis protestos violentos” em torno das eleições.

A Reuters noticiou neste mês que as quadrilhas brasileiras estão usando cada vez mais as permissões de CAC para cometer crimes. Mas brasileiros comuns também parecem estar estocando armas de fogo para o caso de Lula vencer e cumprir a promessa de “desarmar” o Brasil.

As importações de armas para o Brasil subiram neste ano para o seu valor mais alto desde que os registros começaram, em 1997, de acordo com dados comerciais. Quase 57 milhões de dólares em revólveres e pistolas foram importados em 2022 até o momento, patamar acima dos menos de 12 milhões de dólares em todo o ano de 2018.

“Eu acredito nessa hipótese (de estocagem) porque a gente viu isso em outros países, em outras eleições”, disse Bruno Langeani, especialista em armas de fogo do Instituto Sou da Paz, citando um aumento nas vendas de armas durante a campanha eleitoral de 2020 nos EUA.

DÉCADA TURBULENTA

Antes visto como uma superpotência em ascensão, o Brasil tem passado por uma década turbulenta. Um grande escândalo de corrupção manteve Lula preso até que suas condenações fossem anuladas. Uma crise econômica recorde levou ao impeachment de sua sucessora, Dilma Rousseff. E a má condução da pandemia por Bolsonaro fez do Brasil o país com um dos piores números de mortes por Covid-19 no mundo.

Dez anos de problemas resultaram em uma forte polarização política –encarnada por Lula e Bolsonaro– que tem se tornado cada vez mais ameaçadora ao decorrer na campanha.

Em julho, um homem jogou uma bomba caseira de fezes em uma multidão de apoiadores de Lula durante um evento de campanha no Rio de Janeiro.

Em junho, em um comício de Lula na cidade de Uberlândia (MG), um drone sobrevoou o local, liberando um líquido que cheirava a fezes e urina, de acordo com testemunhas.

Rodrigo Luiz Parreira foi preso por supostamente planejar o ataque. O fazendeiro disse à polícia que estava com raiva de Lula ter vindo para Uberlândia, segundo seu depoimento. Então ele contratou duas pessoas para pilotar o drone e liberar um líquido não prejudicial de controle de moscas sobre os apoiadores de esquerda, disse ele. O promotor estadual Marcus Vinícius Ribeiro Cunha disse à Reuters que não ficou claro qual era o líquido.

A polícia identificou algumas ameaças online.

Após a tentativa frustrada de um brasileiro de assassinar a vice-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, com uma arma que não disparou, o usuário do Facebook Irony Alves De Paula Junior (a polícia acredita que este seja seu nome verdadeiro) escreveu que o atirador deveria ter usado uma marca brasileira de arma de fogo.

“Bosta de arma argentina, se fosse uma Taurus (fabricada nacionalmente) tinha mandado essa bosta para a puta que pariu”, escreveu na plataforma. “Isso fica uma boa ideia para usarmos para o sapo barbudo (Lula), mas tem que ser Taurus.”

Policiais federais encontraram a postagem e solicitaram uma investigação criminal contra Paula Junior, segundo uma pessoa envolvida. Paula Junior, que publica regularmente comentários pró-Bolsonaro e anti-Lula, não respondeu a um pedido de comentário.

REDUTO BOLSONARISTA

A Polícia Federal também tem procurado abrir outras duas investigações criminais por ameaças contra Lula, de acordo com a fonte.

A mais recente envolve um empresário pró-Bolsonaro que publicou um vídeo no Instagram disparando um fuzil contra uma imagem de Lula. Luiz Henrique Crestani depois apagou o vídeo e publicou um comunicado reconhecendo que era “antagônico” à esquerda, mas negando “incitar” atos ilegais.

Crestani é de Santa Catarina, um Estado rico do sul brasileiro com uma proeminente diáspora alemã e italiana, onde as armas e Bolsonaro são bem vistos. Em 2018, mais de 75% dos catarinenses votaram em Bolsonaro, o segundo maior total estadual. O Estado tem o maior número de clubes de tiro per capita do Brasil.

A segurança foi reforçada em um evento de Lula na capital do Estado, Florianópolis, neste mês, com snipers em cima de edifícios e um helicóptero sobrevoando baixo a multidão que agitava bandeiras.

Lula tem apenas 27% de apoio em Santa Catarina, contra 49% de Bolsonaro, segundo a sondagem mais recente do Ipec. Uma fonte da campanha disse que ele considerou não visitar o Estado. Em seu discurso, Lula disse que alguns haviam sugerido que ele ficasse longe porque “esse território é de Bolsonaro e eu não seria bem recebido”.

Marcia Hofmannn, apoiadora de Lula de 70 anos de idade, disse que os fãs de Bolsonaro muitas vezes lhe direcionam insultos quando ela usa roupas do PT na rua. Ela teme que muitos deles agora estejam armados.

“Os bolsonaristas são… muito violentos”, disse ela. “Então eu tenho um pouco de medo.”