A Polícia Federal apura se a Odebrecht usou uma empresa de pequeno porte, de Porto Alegre, para ocultar repasses ilegais ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na contratação, em 2011, das duas primeiras palestras do petista, patrocinadas pelo grupo.
A empreiteira foi a maior contratante da LILS Palestras e Eventos, aberta naquele ano, após Lula deixar o Planalto. São dez eventos realizados em Angola, na Argentina, em Cuba, Peru, Portugal, República Dominicana e Venezuela, sob investigação da Operação Lava Jato, em Curitiba.
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A Telos Empreendimentos Culturais recebeu R$ 1,3 milhão do Grupo Odebrecht – que teve seus acordos de delação premiada homologados pela Justiça, no dia 31 de janeiro. Os valores foram para pagamento de palestras de Lula na Venezuela e no Panamá.
A força-tarefa da Lava Jato suspeita que as palestras, os valores recebidos e as movimentações financeiras da LILS ocultaram valores de corrupção e crimes de lavagem de dinheiro. O inquérito será concluído em 2017 e deve ser anexado a mais uma denúncia criminal contra o ex-presidente, que é alvo de duas ações penais abertas em 2016, na Justiça Federal do Paraná.
As duas palestras renderam à LILS o total de R$ 631 mil, em dois pagamentos feitos pela Telos, nos dias 24 de maio e 6 de junho de 2011. Os valores foram transferidos poucos dias depois da contratante receber quatro depósitos da Odebrecht, a título de patrocínio cultural, e da Braskem – braço petroquímico do grupo, que tem como sócia a Petrobras.
Siga o dinheiro
A descoberta de que Odebrecht e a Braskem eram as fontes de pagamentos das palestras veio com a ordem do juiz federal Sérgio Moro – dos processos em primeira instância da Lava Jato, em Curitiba – de quebra dos sigilos fiscal e bancário da Telos.
“O Grupo Odebrecht/Braskem transferiu o total de R$ 1,3 milhão para a empresa Telos Empreendimentos Culturais. A empresa Telos repassou, poucos dias após o recebimentos de recursos do grupo Odebrecht/Braskem, o total de R$ 631.908,46 para a empresa LILS”, informa o laudo contábil-financeiro 2396/2016, da PF em Curitiba.
O documento pericial da PF detalha as duas operações. No dia 16 de maio a Braskem depositou R$ 200 mil para a Telos e no dia 17 a Odebrecht outros R$ 450 mil – totalizando R$ 650 mil; sete dias depois, a empresa de Porto Alegre paga à LILS o valor de R$ 306 mil. No dia 26, a Odebrecht faz outro pagamento de R$ 450 mil para a Telos, e a Braskem, R$ 200 mil, no dia 28; a Telos paga a empresa de Lula no dia 6 de junho, R$ 325 mil.
O valor pago à LILS pela Telos chamou a atenção da PF – as contratantes de Lula são, em geral, empreiteiras, multinacionais e bancos.
Aberta em 2005, em Porto Alegre, a empresa é de pequeno porte e tem capital social de R$ 3 mil, segundo documento da Lava Jato. Seu principal projeto cultural é o “Fronteiras do Conhecimento”, que organiza conferências com grandes pensadores, desde 2006.
Analisando os recebimentos superiores a R$ 5 mil nas contas da Telos, de 2007 a 2016, a PF constatou que de R$ 1,77 milhão que entraram, a maior parte veio do Grupo Odebrecht, pela Construtora Norberto Odebrecht e a Braskem. O grupo já era patrocinador de projetos da Telos.
Do ponto de vista fiscal, a Lava Jato destacou ainda que, como empresa de pequeno porte, a Telos está classificada numa faixa de negócios com receita bruta entre R$ 360 mil e R$ 3,6 milhões ao ano. Os pagamentos de R$ 631 mil para LILS, em 2011, chamaram a atenção.
“Considerando o enquadramento da empresa Telos e a ordem de grandeza dos valores pagos para à empresa LILS, comparado à faixa de faturamento bruto determinado pela lei”, os peritos da Lava Jato recomendaram a quebra dos sigilos fiscal e bancário da suposta “laranja”.
Intermediária
Intimados pela Lava Jato, os donos da Telos informaram, em documento enviado a Curitiba no final de 2016, que foram procurados por sua patrocinadora Odebrecht, para organizar as palestras de Lula no Panamá e na Venezuela, em 2011. Segundo a empresa, a conjuntura política impediu o evento na Venezuela e a palestra acabou sendo realizada na Bahia.
Era 18 de maio de 2011, quando Lula falou para uma plateia de bilionários e seus herdeiros, em evento patrocinado pelo mexicano Carlos Slim, no hotel Transamérica, na Ilha de Comandatuba. “Brasil e América Latina: Presente e futuro” foi o tema da apresentação. De lá, embarcou para a Cidade do Panamá, para a segunda agenda como palestrantes, dois dias depois, dessa vez falando para empresários sobre “Desafios da América Latina”.
A Telos enviou para a PF o contrato com a Odebrecht, assinado em 5 de maio de 2011, e indicou o nome de Luiz Mameri, como responsável pela formalização do negócio. Informou que recebeu da empreiteira para organizar, planejar e idealizar duas palestras de Lula.
Segundo documento assinado por Pedro Longhi, sócio administrador da Telos, a empresa pagou a LILS para “o patrocínio das palestras, sua idealização e planejamento logístico, com obtenção de autorizações relativas a diretos autoriais eventualmente exigidos”.
A organização das palestras, divulgação, inscrições e controle de convidados e autoridades, não foram objeto do contrato. “Procedeu a organização logística das palestras, idealizando datas de saída e chegada nos locais, contanto motorista, visitando e procurando possíveis hotéis, contanto segurança”, informou a Telos.
A força-tarefa reuniu, em dois anos investigações, e-mails e quebrou os sigilos fiscais e bancários da LILS, da Telos, da Odebrecht e de outras empresas relacionadas às atividades profissionais e institucionais do ex-presidente, para apontar movimentações financeiras suspeitas. A Telos pode ter sido usada para ocultar repasses.
A Informação Técnica 90/2016, da Polícia Federal de Curitiba, mostra que nos balanços contábeis da Odebrecht os pagamentos para a Telos apareceram. São os dois pagamentos de R$ 450 mil feitos à Telos, em 17 e 26 de maio de 2011, que foram registrados com a justificativa: “Patrocínio para entidades com fins culturais”.
Foi a Odebrecht também que custeou o jato usado por Lula para viajar para a Bahia e para o Panamá.
E-mails juntados nos laudos da PF mostram que um dos contatos que intermediaram o contrato da LILS via Telos foi o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar. Ele é um dos 77 delatores da empresa que fecharam acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal, em dezembro, e aguardam análise do Supremo Tribunal Federal (STF).
Palestrante
As palestras da Bahia e do Panamá foram as duas primeiras patrocinadas, indiretamente, pela Odebrecht, mas as oitava e nona da atividade profissional de Lula, pós-Planalto. Por cada evento, o petista cobra o valor fixo de US$ 200 mil. São 72 palestras realizadas em seis anos, segundo documento produzido pelo Instituto Lula, em março de 2016 – quando o ex-presidente foi alvo da 24ª fase da Lava Jato e levado coercitivamente para depor, em São Paulo.
A Odebrecht é a maior contratante das palestras da LILS, que estão na mira da Lava Jato. A empreiteira contratou e pagou diretamente para a empresa de Lula R$ 2,84 milhões por oito palestras realizadas depois dessas primeiras, feitas em maio de 2011, na Bahia e no Panamá, declaradas como palestras contratadas pela Telos.
“O discurso de Lula teve sempre o mesmo eixo: contar o sucesso de seu governo, sua história pessoal de superação e discorrer sobre as politicas públicas e programas sociais que aplicou no Brasil”, informa o Instituto Lula, no documento sobre as palestras do ex-presidente.
Defesas
Por meio de nota, o Instituto Lula negou irregularidades. “Lula é vítima de ‘lawfare’. Uma das táticas desse fenômeno consiste justamente na abertura de diversos procedimentos jurídicos sem materialidade, frívolos, exatamente como ocorre em relação a essa investigação relativa a palestras efetivamente realizadas pelo ex-presidente a partir de relações privadas e lícitas”.
“Todas as palestras do ex-presidente foram feitas e pagas com as devidas emissões de notas e pagamento de impostos. Todas as informações sobre elas encontram-se em relatório disponível na internet”.
“O ex-presidente fez a palestra na Bahia em um evento empresarial, o 9 Encontro de Empresários da América Latina – Pais e Filhos, e fez uma palestra no Panamá, de forma pública. Tudo da mesma forma que outros ex-presidentes e dentro da lei, cobrando o mesmo valor e condições de palestras para mais de 40 empresas e setores, incluindo, por exemplo, Microsoft e InfoGlobo”, finaliza a nota
Procurada, a Odebrecht informou, via assessoria de imprensa, que “não se manifesta sobre o tema”. “Mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça. A empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade.”
Procurado pela reportagem, Pedro Longhi, sócio-administrador da Telos Empreendimentos Culturais, não retornou às ligações. Para a Polícia Federal, a empresa disse que prestou os serviços para os quais foi contratada pela Odebrecht, de contratação e organização da logística de duas palestras do ex-presidente Lula. E que está disponível para colaborar com as investigações.