A sangria dos cofres da Petrobras causada pela Lava Jato em 2010, no final do governo Lula 2, não tem fim. Após a operação criminosa ter provocado um rombo calculado pela própria estatal da ordem de R$ 6,2 bilhões, ISTOÉ revela agora, nesta reportagem recheada de documentos exclusivos, que a empresa está prestes a sofrer um novo golpe, com um prejuízo bilionário.

É que acionistas minoritários da petrolífera, de 26 fundos estrangeiros que adquiriram ações da empresa no período compreendido pelo escândalo investigado pela Polícia Federal (PF) e Justiça Federal do Paraná no maior caso de corrupção da história do País, se sentiram lesados pela queda do valor da empresa pública e estão prestes a ser indenizados por um tribunal arbitral constituído para julgar essas perdas.

A Petrobras pode ser vítima de ataques ao seu caixa duas vezes.

Agora, o presidente dessa câmara extrajudicial de reparação de danos, o advogado Anderson Schereiber, está na iminência de decidir que os investidores estrangeiros poderão ser ressarcidos em quase R$ 1 bilhão. Pior, o advogado carioca é suspeito de estar conduzindo o tribunal de arbitragem com poderes de substituir uma sentença judicial de maneira irregular e pode impor novos danos gigantescos à maior estatal brasileira.

R$ 908,8 milhões
Esse é o valor atualizado da causa movida pelos investidores estrangeiros contra a Petrobras, na câmara arbitral

O caso começou em outubro de 2017 quando centenas de pequenos acionistas da Petrobras, ligados à Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin) e que hoje mudou a sigla para Abradin, ingressou no Foro Central de São Paulo com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a estatal pedindo ressarcimento de danos causados aos acionistas por causa dos prejuízos que a petrolífera alcançou na BM&F Bovespa em razão da Lava Jato.

A queda nas ações dilapidou os cofres da empresa, fazendo com que seu valor caísse a níveis absurdos (estima-se que a empresa valia R$ 600 bilhões e passou a valer R$ 100 bilhões após a Lava Jato).

De 2006 a 2014, de acordo com essa ACP, a estatal, que era a segunda maior empresa de petróleo do mundo, perdeu bilhões de reais de seus cofres públicos, que, em última análise, prejudicou a sociedade brasileira como um todo.

Em 2010, por exemplo, a empresa efetuou a maior capitalização jamais feita por uma empresa de capital aberto, com o oferecimento de ações no mercado acionário no valor de US$ 72,8 bilhões, equivalentes a R$ 120,2 bilhões à época.Petrobras corre risco de perder cerca de R$ 1 bilhão

Petrobras mergulha em turbilhão jurídico

Em 2014, contudo, com os efeitos desastrosos da Lava Jato sobre a empresa, cujos diretores pagaram propinas milionárias a dirigentes de partidos como o PT, PMDB e PP, as ações da companhia desabaram, provocando grandes perdas aos acionistas, que decidiram, então, pedir o ressarcimento dos danos por via judicial.

A Justiça, porém, arquivou a ação e considerou que o meio adequado para a reparação dos prejuízos seria a constituição de um tribunal de arbitragem.

Essa modelação jurídica tem poderes de ação judicial, mas corre de forma sigilosa, se dispõe a ouvir todas as partes envolvidas no processo, e, ao final, decide a causa.

Esse tribunal não aceita recursos e a decisão final deve ser respeitada por todas as partes. Somente se um dos lados se sentir lesado pela decisão do tribunal extrajudicial é que a Justiça Comum pode ser acionada.

Até aí, tudo dentro das normas do mundo jurídico. Mas as irregularidades começam a ficar evidentes com o fato de que essa associação, agora conhecida por Abradin, ter como presidente Rafael Rodrigues Alves da Rocha, que, nada mais, nada menos, tem como advogado Anderson Schreiber, que, como vimos acima, é o presidente do tribunal arbitral dos minoritários estrangeiros contra a Petrobras.

Ou seja, o pivô de um colossal esquema que pode lesar os cofres da estatal em bilhões de reais não comunicou às autoridades legais o fato de ter um conflito de interesses por representar juridicamente um dos lados desse litígio.

A lei brasileira de arbitragem não deixa margem para interpretações. Em seu artigo 14, parágrafo primeiro, determina que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

Neste caso, Schreiber não revelou sua relação econômica como advogado da família fundadora da Aidmin/Abradin.

Petrobras corre risco de perder cerca de R$ 1 bilhão

Ação entre amigos

E o que é mais grave, Schreiber não informou que um dos seus sete sócios no escritório de advocacia Schreiber, Domingos, Cintra e Lins e Silva, estabelecido no Rio de Janeiro, é Eduardo Gomes Matoso, que é o advogado que assina a Ação Civil Pública contra a Petrobras em nome da Aidmin.

Mais do que isso. A ata da assembleia extraordinária da Aidmin, realizada em 24 de junho de 2016, que aprovou a decisão da associação de acionar a Petrobras, é assinada exatamente por Eduardo Gomes Matoso, o sócio de Schreiber.

Ou seja, ao mesmo tempo em que preside o tribunal contra a petroleira, Schreiber segue atuando como advogado de Rafael Rodrigues Alves da Rocha, da Aidmin.

ISTOÉ teve acesso a um documento datado de 11 de fevereiro de 2021, no curso da arbitragem dos acionistas estrangeiros contra a petroleira, em que Schreiber assina ação representando Rafael da Rocha na Justiça, numa clara prova das irregularidades.

Diante dessas ligações perigosas, as chances da Petrobras vencer as duas arbitragens são escassas, segundo fontes que relataram o escândalo à ISTOÉ, mediante a cessão de centenas de documentos à reportagem.

O pivô do esquema não comunicou as autoridades o fato de ter conflito de interesses no caso por representar juridicamente um dos lados em litígio

Na arbitragem dos 26 acionistas estrangeiros contra a estatal, uma das empresas que encabeça a lista de minoritários é a California Public Employees’ Retirment System, que pediu a constituição da câmara de arbitragem à Bolsa de Valores B3 em julho de 2017.

Os milhares de acionistas pedem o ressarcimento de R$ 521 milhões, que, com a correção do IGPM, está calculado hoje em R$ 908,8 milhões.

Mas, como esse valor ainda será acrescido de multas, a indenização que a Petrobras pode ter que pagar deve ultrapassar R$ 1 bilhão.

De acordo com a lei, o tribunal arbitral não tem prazo legal para acabar, mas, neste caso, sabe-se que Anderson Schreiber está próximo de divulgar sua sentença, a não ser que tenha seu nome impugnado pela Petrobras, em razão das ilegalidades, como sugerem as fontes de ISTOÉ.

OUTRO LADO

Em relação à Câmara de Arbitragem instituída contra a Petrobras pela associação de minoritários Aidmin, a Abradin, presidida por Aurélio Valporto, esclarece “nāo ter absolutamente nenhuma relação com essa arbitragem”. Valporto explica, ainda, que Rafael Rocha, presidente da Aidmin, também nāo tem nenhuma relação com a Abradin, nāo é membro do conselho, da diretoria e sequer consta no quadro de associados.

Esclarecimento:

Sobre a reportagem “Drama sem fim”, publicada na ISTOÉ de nº 2785, do último dia 16/6/2023, tenho a esclarecer o que se segue:

1. O advogado Anderson Schreiber nunca advogou para a AIDMIN em qualquer ação judicial ou arbitragem. Nem seu ex-escritório, atualmente denominado Domingues, Cintra, Napoleão, Lins e Silva Advogados, jamais atuou em favor da AIDMIN em qualquer ação judicial ou arbitragem.

2. A AIDMIN não mudou de nome. A Abradin é uma outra associação.

3. Eu, Rafael Rodrigues Alves da Rocha, não presido mais a AIDMIN.