RESUMO

• Magda Chambriard assume a Petrobras no lugar de Jean Paul Prates, que perdeu a batalha para os ministros Alexandre Silveira e Rui Costa.
• Terá como tarefas acelerar projetos estagnados, viabilizar exploração de petróleo na Foz do Amazonas e fazer a Petrobras produzir para “retorno social”
• São palavras que soam como música no Planalto, mas acendem alertas entre ambientalistas
• Além disso, mercado vê no olhar “desenvolvimentista” de Lula uma possibilidade de ingerência na gigante do petróleo, de economia mista

A Petrobras, maior empresa brasileira, é também a segunda companhia de petróleo e gás de origem estatal do mundo. Semanas atrás, atingiu valor de mercado recorde de R$ 563 bilhões, no fechamento da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. Seus lucros líquidos costumam apresentar cifras estratosféricas. Em 2023 ele foi de R$ 124,6 bilhões, o quarto no ranking mundial do ano. Um pouco mais da metade dessa dinheirama vai para a União, dona de 50,26% das ações, diretamente ou por meio de agentes estatais como o BNDES.

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Lula foi direto ao ponto tão logo Prates colocou os pés na sala da presidência. “Te chamei aqui porque vou precisar do seu cargo. Convidei a Magda para o seu lugar”.

Petrobras: conheça a dura missão de Magda, depois da fritura de Prates
(Ettore Chiereguini)

Feito o comunicado, o Conselho de Administração da empresa acionou o gatilho com rapidez. Na manhã de quarta-feira (15), confirmou a demissão de Prates.

A diretora de Assuntos Corporativos, Clarice Copetti, vice-presidente da Caixa no governo Dilma Rousseff, bem relacionada com Silveira, assumirá interinamente a presidência. Ficará no cargo por cerca de 15 dias, até Magda ser aprovada pelo Conselho.

Engenheira especializada em petróleo pela UFRJ, mestre em Engenharia Química, presidente da ANP na gestão Dilma, ex-funcionária de carreira da Petrobras, por 22 anos, a carioca Magda, 66, não esperou a confirmação de seu nome para colocar a mão na massa. Iniciou os trabalhos às 8h50 da mesma manhã em que o Conselho sacramentou a demissão de Prates, numa reunião de duas horas com Silveira.

“A escolha correta dos investimentos futuros tem relação direta com dividendos. Erros vão significar queima de dinheiro que seria usado no pagamento de dividendos e proventos.”
Ruy Hungria, da consultoria Empiricus

A pedido do ministro, prometeu impulsionar investimentos de R$ 17 bilhões em refinarias e de R$ 7 bilhões em gás natural, partes do Plano Estratégico 2024-2028.

Lula e Silveira estavam incomodados porque, diziam, o programa caminhava lentamente sob Prates. Os dois querem mais rapidez:
nas obras na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco,
e no Polo GasLub, antigo Comperj, em Itaboraí, no Estado do Rio.
E também a finalização do Gasoduto Rota 3,
• e a retomada da construção de plantas de fertilizantes no Paraná e Mato Grosso do Sul
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O plano prevê ainda financiamentos para o setor de fertilizantes, mas os valores ainda não foram definidos. Magda comprometeu-se a viabilizar outro desejo de Lula: a reativação de estaleiros do parque naval brasileiro, sucateados há décadas. Quer a Petrobras produzindo “para oferecer retorno social”. No Palácio do Planalto, essas soam como música.

Outro ponto importante colocado na mesa foi a intenção da nova CEO de explorar petróleo na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, que necessita de licença ambiental. O projeto parou no Ibama. Seus técnicos alegam ausência de estudos confiáveis de impactos ambientais.

A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, apoiou a decisão. Silveira pediu empenho para destravar a licença o mais rápido possível.

O cardápio variado de tarefas jogadas no colo de Magda é, antes de tudo, um retrato do punhado de atritos que colocaram Prates em rota de colisão com os dois ministros.

Em mais uma troca de comando – a oitava em oito anos -, o mercado mostrou temor e insatisfação com as mudanças repentinas. Na abertura do pregão da B3, na quarta-feira (15), as ações preferenciais (sem direito a voto) da companhia despencaram 8% e encerraram o dia com desvalorização de 6,04%.

O forte recuo gerou perda de R$ 37 bilhões no valor de mercado da empresa e provocou paralisações no pregão. No pré-market de Nova York, o valor dos papéis caiu 8% após o anúncio e 7% na quarta (15). Na metade da tarde de quinta (16) o pregão da B3 acusava perda de 2,55% nas preferenciais. A questão atual é saber até quando haverá oscilação como efeito das mudanças.

Reação cautelosa

Os agentes do mercado reagiram com cautela à escolha de Magda.
A XP investimentos registrou que, se a troca ocorresse em outras circunstâncias, seria mais positiva, pois Magda é técnica experiente. “Os investidores estão preocupados com conflitos de interesse na distribuição de dividendos, política de preços, planos de investimento, passivos fiscais contingentes e outros. A incerteza aumenta a percepção de risco”, afirma a corretora em relatório.
“Ela é tecnicamente capaz, mas terá que se provar”, elogia o chefe de análise da Órama, Phil Soares.
“Vemos a indicação como compromisso de que todas elas seguirão critérios técnicos a partir de agora” afirmou em nota a cúpula do BTG.

Com Magda, Costa, Silveira e Lula falando aparentemente a mesma língua, o medo do mercado é de ingerência do governo na definição de investimentos futuros e na política de distribuição de dividendos.

Este último ponto motivou duro embate entre Prates e o Planalto. O ex-CEO tentava fazer o meio de campo entre governo e minoritários. Em março último, defendeu a distribuição aos acionistas de 50% dos dividendos extraordinários de R$ 21,9 bilhões vindos do lucro gordo de 2023.

Contrariou Lula, que defendia a retenção total. O desejo do presidente prevaleceu no início, mas no final de abril, com o aval dele próprio e o sim dos acionistas, o Conselho voltou atrás e definiu a distribuição de metade da bolada, em duas parcelas.

Outro temor é o de que a Petrobras invista muito em ativos arriscados, o que diminuiria lucros a serem distribuídos. Muitos lembram que a empresa ainda não conseguiu resultados expressivos em setores como fertilizantes, indústria naval e energia fora de petróleo e gás.

“A escolha correta dos investimentos tem relação direta com dividendos. Erros significam queima de dinheiro que seria usado em proventos”, resume Ruy Hungria, da Empiricus.

No fundo, os agentes temem que Lula vire, na prática, o “verdadeiro CEO” da Petrobras, como costumam dizer em tom de ironia.

Dispensa de Prates

A demissão de Prates encerrou uma novela recheada de arranhões entre ele, Silveira e Costa, iniciada logo nos primeiros dias de seus 16 meses de trabalho.
•  Após a posse, o ex-CEO reuniu-se com os dois ministros e apresentou uma lista fechada para o poderoso Conselho de Administração da Petrobras.
Silveira ficou contrariado por não ter sido consultado.
Lula teria repreendido Prates pelo mesmo motivo.
O troco veio na mesma moeda.
Depois da reunião, com o então CEO ainda no trajeto de volta ao Rio, Silveira despachou para a empresa uma outra lista, feita por ele, sem consultá-lo.

Atritos em sequência

Em outra colisão de frente, Silveira cobrou publicamente de Prates um aumento rápido na produção de gás natural, para reduzir o preço do produto. Em seguida, trocaram estocadas sobre a política de definição de reajustes no preço dos combustíveis.

Na ocasião, Prates sugeriu, com ironia, que Silveira “alterasse o estatuto” da Petrobras para definir o assunto. No choque sobre o Plano de Negócios 2024-2028, o ex-CEO foi acusado de lentidão.

O capítulo final foi a discordância sobre o percentual de distribuição dos dividendos do lucrão de 2023.

No último dia 11 de março, Silveira declarou: “Jamais cogitamos demitir o presidente da Petrobras. É mais uma grande especulação”. Dois meses e três dias depois, Prates tombou.

Seu encontro com o presidente Lula consumiu escassos 20 minutos. Chegou depois de Silveira e Costa. Maldade ou distração, a cadeira reservada a ele foi posicionada ao lado das ocupadas pelos rivais.

• Lula justificou a demissão alegando a diferença entre as visões dele e dos ministros.
Reforçou não ter gostado da atitude do executivo nos dividendos (o presidente queria que Prates votasse no Conselho a favor da retenção total, mas o ex-CEO optou pela abstenção),
agradeceu e colocou ponto final na reunião.

“Minha missão foi precocemente abreviada na presença regozijada de Alexandre Silveira e Rui Costa”, escreveu Prates a colaboradores próximos. Na quarta (15), chorou na despedida aos funcionários, no Rio, afirmou ter deixado a empresa “muito melhor”, admitiu “estar muito triste” e até mesmo a possibilidade de deixar o PT.

Nos bastidores da crise, a demissão de Prates era dada como certa há pelo menos um mês, quando Lula consultou para o posto o presidente do BNDES, o ex-senador Aluízio Mercadante, mas desistiu.

Além do risco de rejeição do nome pelo mercado, Mercadante teria se desgastado por revelar, inclusive ao próprio Prates, que havia sido convidado.

Na quarta (15) soube-se que naqueles mesmos dias Magda fora sondada por Costa e Silveira, que bateram o martelo na segunda-feira (13), após a concordância de Lula. A reunião de Silveira com Magda horas, depois da decisão, reforça a tese de que apenas Prates não sabia que estava fora quando foi chamado por Lula.

A mudança traz duas preocupações ao governo.

• Uma é política: advogado e economista com 25 anos de atuação na área de energia, Prates, ex-senador petista, sai machucado pela longa fritura a que foi exposto sem saber que seus adversários já haviam levado a disputa. Quando foi chamado do Planalto, imaginou que a crise tinha acabado.

• O poder financeiro da Petrobras e as remunerações poupudas explicam, em parte, o empenho voraz com que as partes entram nas batalhas pelo seu controle. Na conta de Magda, cairão mensalmente R$ 130 mil mensais de salários – mais do que a soma dos R$ 50 mil de Lula e os R$ 45 mil do vice Geraldo Alckmin –, e bônus anuais que poderão bater nos R$ 1,4 milhão. A troca constante de CEOs em transatlânticos empresariais do porte da Petrobras petrolífera não faz bem a nenhum grupo em qualquer lugar do mundo. Que Magda Chambriard dure mais. Será bom para todos.

Colaborou Vasconcelo Quadros

A derrota dos ambientalistas

Eles já foram chamados de terroristas, ecochatos e outras coisas igualmente pouco edificantes. Vira e mexe, são acusados de obstruir o desenvolvimento do País com suas opiniões duras e atitudes radicais. As imagens do caos instaurado no Rio Grande do Sul e os fatores por trás dos efeitos da tragédia demonstram, no entanto, que os ambientalistas têm grande parcela de razão: o desenvolvimentismo ruralista transformou o Brasil no celeiro do mundo, mas os desmatamentos e exageros do processo apresentaram a conta.

E não há, no curto prazo, um plano que concilie crescimento com sustentabilidade diante do desafio dos eventos climáticos extremos.

Petrobras: conheça a dura missão de Magda, depois da fritura de Prates
Marina tem dificuldade de fazer exigências nos pedidos de licença para projetos de interesse do Planalto e do ministério das Minas e Energia (Crédito:Ton Molina)

Antiga, a disputa custou, no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o cargo da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no confronto direto com os ex-ministros da Casa Civil José Dirceu e Dilma Rousseff. Agora os atritos se repetem, dessa vez tendo do outro lado os ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Silveira, das Minas e Energia.

A bioquímica Luciana Gatti, pesquisadora de mudanças climáticas no Inpe, se diz decepcionada com Lula que, segundo ela, elegeu-se defendendo menos emissões de gases de efeito estufa, mas rendeu-se ao desenvolvimentismo e agora quer ver o Brasil como o último país produtor de petróleo do mundo. “Pouca coisa mudou. Não se pode pensar apenas em dinheiro quando o grande problema do mundo são as emissões geradas pelos combustíveis fósseis”.

Luciana destaca que o desenvolvimentismo continua vencendo o jogo no governo. “A Marina está perdendo todas as quedas-de-braço”.

Na Agricultura, lembra, o ministro Carlos Fávaro incentiva o aumento de exportação de matéria-prima agropecuária. “Mais soja, milho e carne no solo significa desmatar e acelerar os eventos extremos”.

Petrobras: conheça a dura missão de Magda, depois da fritura de Prates
No segundo governo Lula, a pressão sobre o Meio Ambiente era feita por Dilma e José Dirceu. Agora parte de Rui Costa, da Casa Civil (Crédito:Fabio Rodrigues/Agência Brasil)

Os ambientalistas avaliam que, após o desastre do governo Bolsonaro e do rastro de destruição deixado pelos extremos de chuvas e calor no mundo todo, o governo atua corretamente na contenção da tragédia gaúcha, mas não tem um plano aplicável diante das alterações irreversíveis na natureza.

Os quatro anos do governo anterior, com os maiores índices de desmatamento na história (37.094 mil quilômetros quadrados, mais que o dobro do período anterior, segundo o Inpe), representam a destruição dos parâmetros de proteção contra mudanças climáticas. Isso, avaliam os ambientalistas, deveria exigir de Lula adesão a um novo modelo de economia, onde a preservação fosse o carro-chefe.

“Desde 2019, o governo gaúcho, ao flexibilizar leis e regras, ajudou a derrubar mais de 500 proteções ambientais. E 90% das pessoas creditam as tragédias apenas aos eventos climáticos. A ciência também precisa aprender a falar uma língua todos entendam”, diz Luciana Gatti.

Ela alerta que, se a visão puramente desenvolvimentista não ceder e as mudanças de modelo não forem aceleradas, o que hoje está sendo chamado de “novo normal” será “exponencialmente pior” do que se viu até aqui.

Responsável pelo resfriamento das temperaturas, ao jogar água em forma de vapor na atmosfera, florestas tropicais como a Amazônia e matas deveriam ser preservadas com índice zero de desmatamento, única opção, segundo ela, para impedir o a elevação do aquecimento.

Vasconcelo Quadros