Passaram-se exatamente um ano, cinco meses e 14 dias. O último Noitão do Petra Belas Artes, antes da pandemia, foi em 13 de março do ano passado. Pegando carona na data – sexta-feira, 13 -, a programação foi dedicada ao cinema de horror, com o então inédito Possessão – O Último Estágio, de Pearry Reginald Teo, um filme surpresa e outros dois no limite do cult e do trash, O Anticristo, do italiano Alberto De Martino e Stigmata, de Rupert Mainwaring. O primeiro Noitão pós-pandemia volta de novo sob o signo do horror, homenageando um autor que, em pouquíssimo tempo, foi ungido pela Academia e passou a colecionar indicações para o Oscar. Não apenas indicações, mas vitórias – Jordan Peele já venceu como roteirista de Corra!, que também dirigiu, e como produtor de Infiltrado na Klan – outro prêmio de roteiro, para Spike Lee.

A programação começa às 23h30 desta sexta, 27, e atravessa a madrugada, terminando no café da manhã, como de hábito. Alguns cuidados especiais estão sendo adotados para garantir a segurança do público. Na verdade, trata-se de um teste. O Noitão nunca negou fogo, e nesse período de retomada, com plateias ainda reduzidas, quem sabe não será o cinema de gênero a fazer a festa dos cinéfilos? Os ingressos estão à venda, com capacidade reduzida a 70% das salas. O Belas anuncia um filme escrito por Peele – A Maldição de Candyman, de Nia DaCosta -, os outros dois que ele dirigiu, Corra! e Nós, e um filme surpresa. Ao adquirir o ingresso, o espectador terá de escolher entre os dois longas de Peele, que será o segundo programa, mas cada filme numa sala diferente.

Rememorando, o horror tornou-se um gênero importante da produção de Hollywood nos anos 1930. Nos 40, o produtor Val Lewton fez escola com um tipo de horror baseado na sugestão. Nos 60, George A. Romero politizou o horror e fez de A Noite dos Mortos Vivos o espelho da ‘América’ dividida pelos movimentos sociais por direitos civis da época. Em bom português – o racismo. Décadas depois, Jordan Peele retomou o horror político para refletir a era Donald Trump. Vidas Negras Importam. Em Corra!, de 2018, garota branca convida o namorado negro para um fim de semana da família dela, sob o pretexto de apresentá-lo para papai e mamãe. Daniel Kaluuya descobre um segredo, melhor dizendo, que será cobaia de um experimento terrível, e trata de fugir.

Embora contemplado com o Oscar de roteiro original, o filme é quase um plágio de Esposas em Conflito/The Stepford Wives, que Bryan Forbes adaptou, em 1975, de Ira Levin, o mesmo autor de A Semente do Mal, que virou O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. Na trama de Esposas, um casal muda-se para um condomínio no subúrbio. O local é esquisitíssimo. Todas as mulheres, em todas as casas, são submissas aos maridos. O que está ocorrendo? O que vai ocorrer agora com Daniel Kaluuya, se ele ficar diante da TV, assistindo àquelas imagens?

Nós, de 2019, é sobre outro final de semana de horror. Um casal de negros viaja para a praia, mas antes disso, numa espécie de prólogo, uma menina entra numa atração de parque de diversões e descobre que tem uma réplica exata dela. A família instala-se numa casa. Lupita Nyong’O, que venceu o Oscar de coadjuvante por 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, e Winston Duke são os pais. Entram em cena os duplos deles e dos filhos. Não chegam para brincar, mas para destruir a família. Elizabeth Moss, de The Handmaid Tale, está no elenco. No centro do cinema de Peele está o racismo. Tem sempre alguém complicando a vida dos negros. Nós tem mais símbolos originais, que indicam uma evolução na mise-en-scène do autor.

Coelhos, espelhos, aquela tesoura. Jordan Peele está dando seu testemunho sobre o que é ser negro nos EUA. Se representa alguma coisa, e é evidente que sim, Spike Lee não se cansa de destacar a importância do originário de Nova York. Jordan Peele nasceu em 1979 e se tornou conhecido no elenco de MADtv.