A Associação Brasileira dos Coreanos divulgou nesta sexta-feira, 27, um manifesto condenando a definição da Academia Brasileira de Letras (ABL) para a palavra “dorama”, compartilhada nesta semana em uma publicação no Instagram. A Academia Brasileira de Letras se defendeu e disse que apenas apontou o uso da palavra em contextos reais em português- veja mais abaixo.

No post, que causou uma repercussão incomum no perfil da ABL no Instagram, como mostrou o Estadão, o termo “dorama” é descrito como uma “obra audiovisual de ficção em formato de série, produzida no leste e sudeste da Ásia, de gêneros e temas diversos, em geral com elenco local e no idioma do país de origem”.

Para os pesquisadores coreanos, a definição é preconceituosa e generaliza as produções asiáticas, já que “dorama”, por ser uma palavra de origem japonesa, não deveria ser usado como um termo guarda-chuva para séries de outros países.

“Cada produção tem suas características, peculiaridades e um público específico. Generalizar é confundir as peculiaridades. É como falar que toda comida nordestina é comida baiana”, disse Augusto Kwon, presidente da associação.

A publicação da ABL já havia recebido críticas semelhantes e gerado debate entre fãs de dramas coreanos. O post já soma mais de 12 mil curtidas e 700 comentários, números expressivo se comparados com o engajamento habitual do perfil da ABL. Uma publicação recente divulgando uma oportunidade de visita à sede da instituição, por exemplo, tem 1,8 mil curtidas e 16 comentários.

Na publicação, a ABL cita apenas o dicionário Oxford de língua inglesa como referência. A definição usada, contudo, é a da palavra “k-drama”, que é usada para descrever apenas os dramas coreanos.

“O uso no Brasil do termo ‘dorama’, em japonês, generaliza e apaga indústrias midiáticas asiáticas. Esse apagamento fortalece estereótipos e reforça, assim, o orientalismo. O drama de TV é um formato televisivo realizado em diferentes indústrias da mídia no leste e sudeste asiáticos. Chamar um drama sul-coreano, ou k-drama, de ‘dorama’ é mais uma forma de estereotipar um consumo, além de ativar estruturas históricas de raízes imperialistas”, diz no texto do manifesto Daniela Mazur, pesquisadora do MidiÁsia, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Dorama’ é uma palavra niponisada de um termo em inglês, transcrita dessa maneira por força das características fonéticas do silabário japonês, o que não é o caso da escrita coreana, a qual permite transcrevê-la como ‘drama’, igual ao vocábulo em inglês. Ou seja, quando chamamos os seriados coreanos de k-drama, estamos usando o termo em inglês já transcrito para o coreano, e não o termo original do inglês, como pode parecer. Da mesma forma, existe o termo p-drama para designar as telenovelas filipinas. Por isso, generalizar as produções do sudeste asiático como ‘doramas’ seria como chamar todos os asiáticos de ‘japa’, contrariando a tendência atual de dar voz às minorias, se é que podemos chamar os dramas coreanos de minoria no quadro atual das produções de streaming no mundo”, apontou Yun Jung Im, professora e coordenadora da graduação em Letras – Coreano da Universidade de São Paulo (USP), outra especialista que assina o manifesto.

ABL defende definição

Ao Estadão, Ricardo Cavaliere, membro da comissão de lexicografia da ABL, defendeu a definição. “Não é incomum que, uma vez incorporada a outra língua, a palavra ganhe vida própria, rapidamente se distanciando de seu sentido ou de seu emprego original”, disse.

Quando questionado se o dicionário Oxford foi a única fonte utilizada para a definição da palavra, Cavaliere explicou que “a produção lexicográfica da ABL baseia-se no uso da palavra em contextos reais”.

“A fonte primordial de pesquisa são textos escritos em língua-padrão, como livros, jornais, revistas, artigos acadêmicos, etc. A consulta a obras de referência brasileiras e estrangeiras (dicionários, vocabulários e enciclopédias) dá-se em momento posterior ao da redação e serve ao propósito de enriquecer o corpo do verbete e oferecer ao público mais fontes de consulta”, disse.

Ele aponta que “nada impede” que um indivíduo use o termo “de forma restrita” e “defenda entre seus pares o uso mais fiel à origem”.

“É a maneira como a comunidade linguística (neste caso, a brasileira) faz uso de uma palavra que determinará a redação do verbete no dicionário, não o contrário, como frequentemente se pensa. Ou seja, o registro feito em dicionários e vocabulários é posterior ao uso que os falantes fazem da língua no processo de comunicação”, afirmou.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais