Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Pesquisadores brasileiros publicaram um novo documento com diretrizes para ajudar as pessoas em geral — que não trabalham necessariamente na área da saúde — a identificar, abordar e encaminhar um conhecido com ideações suicidas para um tratamento adequado, já que a maioria dos casos estão associados a algum tipo de transtorno de saúde mental.

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O documento dialoga com os dados oficiais: na contramão dos países desenvolvidos, o número de suicídios na América Latina e no Brasil tem aumentado nos últimos anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No país, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, o que significa que em média 38 pessoas tiram a própria vida por dia.

As diretrizes

Os especialistas detalham de forma simples e didática como agir em caso de um conhecido estar com ideações suicidas. Eles citam alguns sinais importantes de alerta, como, por exemplo, identificar alguém que:

  • esteja ameaçando se machucar ou se matar, ou falando em querer morrer
  • esteja procurando maneiras de se matar, como em busca de comprimidos, armas, ou outras formas
  • esteja falando ou escrevendo sobre morte, morrer, ou suicídio
  • esteja se sentindo preso, como se não houvesse saída
  • esteja se afastando de amigos, família, e sociedade

Além disso, o documento ensina como se aproximar e abordar a pessoa em risco. Diz, por exemplo, que a pergunta deve ser direta e sem pré-julgamentos. Por exemplo: a pessoa deve perguntar “você está tendo pensamentos suicidas?” e nunca “você não está pensando em fazer alguma coisa estúpida, né?”. O socorrista deve assegurar à pessoa que está ali para ouvir e que quer ajudá-la.

As diretrizes trazem um quadro com dicas de escuta (como ouvir o relato com atenção, paciência e empatia) e o que nunca dizer quando estiver conversando com uma pessoa em risco de suicídio, como por exemplo não minimizar os problemas relatados, não interrompê-la com suas próprias histórias e nem dizer que a pessoa esta “blefando”. Por fim, o documento estimula que a pessoa busque ajuda.

Sobre a criação do documento

Traduzido e adaptado das diretrizes do programa “Mental Health First Aid”, que existe na Austrália desde 2000, a versão brasileira é resultado de uma cooperação que existe desde 2018 entre pesquisadores brasileiros e australianos.

Por aqui, os cientistas trabalharam para chegar em uma interpretação nacional do modelo, de acordo com a cultura e as particularidades de cada país. O documento do Brasil recebeu o nome de “Diretrizes para pensamentos e comportamentos suicidas no Brasil” e foi publicado no periódico científico “BMC Psychiatry”.

Antes de ser divulgado, o texto oficial foi avaliado por um grupo de 60 brasileiros – sendo 30 profissionais da saúde especialistas e 30 pessoas com experiência associada ao suicídio (seja pessoalmente, sobrevivendo à tentativa, ou acompanhando um familiar).

“Na nossa cultura existe uma conexão familiar muito forte. Por isso, nos casos de risco, incluímos essa questão do envolvimento dos amigos e familiares para ajudar”, explicou o psiquiatra Alexandre Andrade Loch, professor de pós-graduação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-FMUSP), um dos especialistas que participou da elaboração desse documento.

“É muito comum que as pessoas que suspeitam de que alguém esteja em risco [de tirar a própria vida] não saibam como agir, não saibam como abordar, não saibam onde buscar ajuda. Até os profissionais de saúde encontram dificuldades num primeiro momento. Por isso, esse manual foi organizado e pensado também por quem já passou por essa situação para que ele proponha a melhor conduta possível”, explicou Loch.

Apesar de já terem sido publicadas em uma revista científica, o modelo de treinamento que será usado aqui ainda não está acessível ao público – a expectativa é que isso ocorra no começo do ano que vem. Segundo Loch, há um estudo de mestrado em andamento no Instituto de Psiquiatria da USP para definir qual o a melhor forma de curso para que essas informações sejam disponibilizadas.

“A ideia é que esse treinamento possa ser aplicado em escolas, locais de trabalho, empresas, mas ainda não sabemos por quanto tempo: se seriam semanas, ou meses. O que a gente sabe, pela experiência da Austrália, é que quanto mais informações as pessoas tem, menos preconceitos com os problemas de saúde mental existem”, afirmou.

Para o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, a existência de um documento para o público leigo é fundamental porque muitas vezes a pessoa que está em risco de suicídio não se identifica nessa situação e não procura ajuda.

“Ter um documento que facilite a identificação de pessoas em risco é importante porque muitas dessas pessoas estão em negação, acham que não têm nenhum problema de saúde mental. Ou quando reconhecem que possuem um sofrimento legítimo, sentem vergonha porque ainda existe muito tabu e estigmas sobre o suicídio. Isso faz com que a pessoa agrave o seu quadro”, alerta o médico.

Kanomata disse ainda que a ideação suicida não é algo constante, ela vai oscilando ao longo do tempo e vai se exacerbando em momentos de maior estresse. Por isso, há importância na participação de amigos e familiares na identificação dos casos.

“O suicídio é algo que vai contra os princípios instintivos de qualquer ser vivo, que é o de sobrevivência e autopreservação. O fato de uma pessoa tentar suicídio, falar que quer morrer, acaba provocando uma sensação desprazerosa nas outras pessoas, gerando um certo distanciamento. Por isso a importância do apoio e acolhimento da família”, afirmou.

Setembro Amarelo

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), utiliza o mês de setembro como período de prevenção ao suicídio – iniciativa que recebe o nome de Setembro Amarelo, com ações em todo o país para chamar a atenção para o tema, assim como ocorre com o Outubro Rosa (para prevenção do câncer de mama) e Novembro Azul (sobre câncer de próstata).

Neste ano, a campanha teve como lema “A vida é a melhor escolha” e ressalta que muitos casos de suicídio poderiam ter sido evitados se as pessoas em crise tivessem tido acesso ao tratamento psiquiátrico e a informação de qualidade.

Mais pessoas se suicidam todos anos do que morrem de HIV e de malária, por exemplo, segundo a OMS. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte, depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

“Ainda existe muito estigma em torno do suicídio. O que a gente quer com esse documento é que as pessoas entendam que uma pessoa que se suicida não tomou essa decisão do dia para a noite. É um processo que vem acontecendo há algum tempo, a pessoa está adoecendo e precisa de ajuda. O suicídio é só a ponta do iceberg”, disse Loch.

Fonte: Agência Einstein

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