Pedro Fortes Costa tem 7 anos e está muito orgulhoso de suas conquistas. Na quarentena, em São Paulo, ele começou a ler livros sozinho e tem encarado volumes dos mais variados tamanhos e gêneros. Das tiras de Mafalda e Snoopy a lendas brasileiras e biografias que ele vai listando com sua vozinha: Rasa Parks, Mandela, Obama, Carolina Maria de Jesus. “Ler é divertido como ver TV. Mas gosto mais de ler. Eu amo livros”, conta.

O incentivo que recebeu dos pais desde bebê ganhou reforço quando o avô, que mora no Rio, depois de muito debater com as filhas qual livro poderia agradar ao garoto, mandou pelo correio uma coletânea do Snoopy no aniversário do neto, em junho. Ele devorou. Nascia aí um combinado entre os dois: quando Pedro acaba um livro, o avô manda outro. “Acho que me empolguei com isso.

Tive uma experiência parecida aos 8, 9 anos, quando uma tia se mudou para longe e começou a me enviar livros. Isso foi extraordinário para mim. Além da questão da descoberta da leitura, receber uma correspondência no próprio nome dá uma noção de lugar de mundo diferente para a criança”, diz Alexandre Fortes, professor universitário de história que hoje, aos 54 anos, faz a triste constatação: “Nunca vou conseguir ler o quanto eu gostaria”. Falta tempo.

Maia, de 32 anos, mãe de Pedro e Jorge, de 2 anos, que já escolhe histórias para o irmão contar, está na mesma situação do pai. “Hoje, sou mais leitora de livro infantil”, brinca – e faz uma ponderação interessante. “Nós sempre tivemos a rotina de leitura aqui, mas a escola tem um papel muito importante na sala de aula e com as bibliotecas circulantes, que levam o livro para dentro de casa.”

O irmãos Manuela, 10, e Karim, 13, também sempre foram bons leitores. “Tentamos equilibrar o que eles querem ler com o que achamos importante que eles leiam. E assim a leitura fica diversificada: vai de biografia de youtuber a lendas africanas, O Diário de Anne Frank e Anarquistas, Graças a Deus, de Zélia Gattai”, explica a jornalista Carla Nascimento. Influenciada pelo irmão, Manuela adora mangá. E pais e crianças se revezam, à noite, na leitura em voz alta de Gregor, de Susanne Collins. “Dá um pouco de dor de garganta em quem está lendo, mas é um momento gostoso em família, diz Karim, que está experimentando algo não muito diferente de meninos e meninas de sua idade. “Estou lendo menos em comparação a antes. Desde o ano passado, tenho me interessado mais por videogame e estou focado em criar meus personagens e histórias para jogos. Quando eu crescer, quero ser desenvolvedor de jogos”, diz.

Essas histórias refletem algumas das principais descobertas da 5ª Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, coordenada pelo Instituto Pró-Livro em parceria, pela primeira vez, com o Itaú Cultural e realizada pelo Ibope.

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São muitos dados ruins – e o principal é que diminuiu de 56% para 52% o número de leitores no Brasil. A pesquisa entende o leitor como alguém que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos três meses anteriores ao levantamento. Quem não leu deu os seguintes motivos, entre outros menos significativos: falta de tempo (34%), não gosta (28%), não tem paciência (14%), prefere outras atividades (8%), tem dificuldade para ler (6%).

Caiu o número de leitores no geral, mas cresceu o de crianças leitoras entre os 5 e 10 anos – a única faixa etária que teve um desempenho melhor em 2019 do que em 20015 – a Retratos da Leitura é feita a cada quatro anos. Entre elas, 48% disseram que leem por gosto, porcentagem que vai diminuindo gradativamente e aponta para um dado preocupante. Nas duas pesquisas anteriores, de 2011 e 2015, houve uma manutenção no porcentual de leitores dos 11 aos 17 anos. Agora, vemos uma queda a partir dos 11 anos, segundo explica Zoara Failla, coordenadora da pesquisa. Ela, porém, é otimista e acredita que o aumento da leitura entre as crianças menores pode ter impacto positivo na faixa seguinte na próxima pesquisa. Isso se não perdermos esses leitores quando eles chegarem ao Fundamental 2.

“Temos que olhar para esses dados bons para buscar respostas sobre onde investir. Se a garotada dos 5 aos 10 gosta de ler e está ampliando o número de leitores nessa faixa, alguma coisa está acontecendo aí. O que é?”, questiona Zoara. Duas respostas: a influência dos pais, sobretudo das mães, e dos professores – dados apontados pela pesquisa. “A família tem uma importância fundamental e está percebendo isso. Quando ela lê para o filho, quando lê na frente das crianças, quando a presenteia com livro, isso faz toda a diferença”, diz. Ela continua: “Mas é fácil ler para uma criança. A outra questão é: estamos conseguindo estabelecer uma mediação com os adolescentes? Como compartilhamos as experiências de leituras com eles? O que comprar?”.

Somada a isso tem a mudança de dinâmica na escola, um novo currículo, várias disciplinas e não mais um ou dois professores, com quem era possível estabelecer relações de afeto. “O espaço vai ficando menos acolhedor, de menor vínculo. É preciso pensar qual é o ambiente da escola que pode possibilitar o acolhimento para esse leitor em formação. É a biblioteca? Qual leitura pode ser significativa para ele? Do que ele gosta de ler? Conhecer quem é o adolescente que está dentro da minha sala de aula é uma coisa desafiadora, mas fundamental. E é preciso promover o diálogo entre os espaços dentro da escola.”

E aqui surge outro problema. Quem é esse professor? Ele é leitor? “Percebemos que o repertório de autores lidos é muito parecido com o do brasileiro em geral. Identificamos maior gosto de leitura entre eles e vemos que ele está lendo mais do que a média, mas o que estão lendo? É religioso e autoajuda. A questão é: como eu vou despertar o interesse de um adolescente para a leitura se meu repertório é pequeno?”

A Retratos da Leitura é a mais abrangente pesquisa sobre o hábito de leitura no País e tem como objetivo servir de base para políticas públicas para a formação de leitores. Os dados desta edição serão apresentados na segunda, 14, às 19h, pelo YouTube e Facebook do Itaú Cultural. Entre 22 de setembro e 13 de outubro, todas as terças, às 17h, especialistas vão analisar seus resultados em debates online.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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