Pesquisa analisa cantor que sobreviveu por quase 13 horas sem fígado e teve experiência de quase morte

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Segundo o médico Rodolpho Augusto de Moura Pedro, Nando Lopes ficou 12 horas e 27 minutos sem o fígado Foto: Reprodução/Redes Sociais

Um estudo publicado no Brazilian Journal of Anesthesiology em julho deste ano avaliou como um paciente com anepatia – condição em que uma pessoa fica sem o fígado – evolui ao permanecer horas sem o órgão. Foram analisados três indivíduos que foram internados no Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) dos quais dois morreram e um conseguiu sobreviver ao receber um transplante.

Em contato com o site IstoÉ, o médico Rodolpho Augusto de Moura Pedro, autor do estudo, explicou que, ao final da pesquisa, foi possível compreender que a condição rara da anepatia possui uma evolução laboratorial e clínica “bastante complexa”.

Os três foram hospitalizados entre 1º de fevereiro de 2020 e 1º de fevereiro de 2021. Todos passaram por uma hepatectomia total, quando o fígado é retirado para que o paciente receba um transplante. O único que sobreviveu, o cantor Nando Lopes, de 53 anos, contou ao “G1” que passou por uma EQM (Experiência de Quase Morte) enquanto esteve em um coma induzido por quase 13 horas depois de seu órgão ter sido completamente removido.

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O cantor é de Goiânia (GO), mas vive em São Paulo (SP) desde 1995. Nando Lopes foi hospitalizado com colangite biliar primária, doença que pode evoluir para cirrose, e recebeu um transplante de fígado em 9 de janeiro de 2021, entretanto, quatro dias depois, o homem estava em estado grave e o órgão colocado foi rejeitado pelo organismo e precisou ser removido para que a piora de seu quadro fosse interrompida.

O autor da pesquisa que analisou Nando Lopes aponta que, em casos como esse, há duas opções possíveis. Uma delas, de acordo com o especialista, é manter o suporte de UTI torcendo para que o paciente consiga sobreviver até que outro fígado seja encontrado. A outra é remover o órgão doente e ganhar tempo para a chegada da nova estrutura. “Esta é uma situação de risco em que o paciente se encontra entre a cruz e a espada.”

“Quando um paciente desenvolve uma falha aguda intensa do fígado, seja por uma doença nova ou insuficiência do transplantado, existe uma alta chance de mortalidade, uma vez que o órgão é responsável por uma série de processos químicos que nos mantém vivos”, elucida Rodolpho Augusto, acrescentando que, nestes casos, cada hora representa uma diferença entre a vida e a morte.

Experiência de Quase Morte

Depois de ter o fígado retirado de seu corpo, o cantor relatou ter passado por uma EQM durante coma induzido enquanto outro fígado era esperado. “Eu me via ali (no quarto do hospital) e eu ficava meio sem saber o que estava acontecendo. E às vezes eu me via sem corpo e falava: ‘Quem sou eu? Quem é essa pessoa também? Eu estou pensando como o Nando, então eu sou o Nando’. Tinha esse raciocínio e lucidez”, declarou o goiano ao G1.

De acordo com o homem, jamais passou pela cabeça dele que ele estivesse fora do próprio corpo. “Eu tinha consciência que eu estava ali para um transplante. E pensava: ‘Será que o fígado que colocaram em mim, será que eu estou assumindo a personalidade dessa outra pessoa e estou me vendo?’”, recordou o cantor.

Segundo Nando, ele chegou a se ver no Aeroporto de Brasília (DF) com dois de seus amigos que já morreram. “Um deles chegou e lembro da fala: ‘Nandinho, você por aqui?’ E o outro também: ‘Ei campeão’. Era o jeito que falavam comigo em vida”, relatou o homem, explicando que o fígado que recebeu veio de um homem que morreu em um acidente no nordeste.

O cantor permaneceu internado por mais um mês e quatro dias após receber alta depois da cirurgia. O goiano chegou a ter Covid-19 no dia seguinte, mas sem sintomas. Atualmente, Nando Lopes pratica corrida, caminhada e canta normalmente.

Estudo que analisou Nando Lopes

De acordo com Rodolpho Augusto, a maioria das pesquisas aponta que a maior parte das pessoas com anepatia morre após 48 horas sem fígado. “O relato de sobrevivente com maior tempo sem fígado foi publicado em 2010 nos Estados Unidos, quando um paciente sobreviveu após ficar 67 horas sem o órgão.”

Segundo o médico, Nando Lopes ficou 12 horas e 27 minutos em anepatia. As outras duas pacientes analisadas morreram no pós-operatório.