No mesmo mês em que o Código Penal brasileiro foi alterado para incluir a tipificação de crime de perseguição — ou stalking, como é conhecido no mundo todo —, em abril, a professora Nelice Pompeu atravessava uma situação que já se enquadraria no novo texto: por causa de uma série de manifestações políticas contra a abertura das escolas em meio à pandemia, ela primeiro passou a receber mensagens ameaçadoras pelo celular. Umas das ameaças se materializou quando foram até o seu trabalho pedir sua demissão e chegou ao ápice quando ela viu fotografias suas, feitas por um anônimo dentro de um clube, circulando por perfis falsos nas redes sociais. “Está sendo perturbador”, relata.

POLÍTICA Mulher e filho de Daniel Cara fizeram parte de ameaças (Crédito:GABRIEL REIS)

Algo semelhante aconteceu com Daniel Cara, candidato ao Senado pelo PSOL em 2018. Ainda antes da campanha, ele passou a ser ameaçado por uma série de desconhecidos nas redes sociais, mas estranhou quando percebeu que todas as mensagens tinham uma linguagem parecida. “Parecia a mesma pessoa usando perfis diferentes”, conta. As ameaças, que envolviam seu filho pequeno e a esposa, chamando-os inclusive pelo nome, se tornaram assustadoras quando ele se deparou com o responsável pelos ataques em um estabelecimento ao lado de sua casa. Depois do episódio, Daniel chegou a procurar uma delegacia, mas ouviu que não havia materialidade para abrir um Boletim de Ocorrência. Apesar disso, os ataques on-line cessaram.

Aumento das penas

A nova tipificação do crime de perseguição revogou uma lei da década de 1940 que dizia respeito a quem perturbasse a tranquilidade de outra pessoa “por acinte ou por motivo reprovável”. A pena era de 15 dias a 3 meses de prisão. A nova regra, por sua vez, prevê reclusão de até 2 anos. Em casos em que as vítimas são crianças, adolescentes e idosos, mulheres apenas por sua condição de sexo feminino, ou em que o agressor usa algum tipo de arma ou atua acompanhado, a pena pode ser ainda maior. Na esteira dessa mudança institucional, o Senado aprovou no começo de agosto o projeto que pretende incluir o crime de violência psicológica contra a mulher no Código Penal. O texto foi sancionado por Jair Bolsonaro há alguns dias.

Segundo a promotora pública Valéria Scarance, que coordena a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), a maioria das situações de perseguição hoje no Brasil envolve, na verdade, o stalker rejeitado, isto é, a pessoa que quer reatar um relacionamento rompido — geralmente homens. “Para as mulheres, esse tipo de stalking é um risco de violência e eventualmente de morte”, diz ela. Amarílis Costa, da Rede Feminista de Juristas (deFEMde), acrescenta ainda o número expressivo de histórias envolvendo o stalker em busca de intimidade, que fantasia uma relação inexistente com a vítima e, por isso, passa a ameaçá-la. “Ele acredita que merece um contato mais íntimo e que seus esforços para obter esse contato são justificados”, explica. Recentemente, uma dessas histórias veio à tona, infelizmente com um final fatal: a jogadora de e-Sports Ingrid Bueno, de 19 anos, foi esfaqueada no bairro onde morava, em São Paulo, por um estudante de 18 anos com quem ela havia trocado mensagens pela internet no mês anterior. Ele chegou a enviar um vídeo cometendo o feminicídio para um grupo de colegas do WhatsApp.

Medo de sair de casa, necessidade de mudar alguma parte da rotina ou de bloquear contas de telefone e perfis nas redes sociais são sinais inequívocos de que se está sendo perseguido, segundo o Ministério Público. Além disso, quando a pessoa se sente ameaçada psicológica ou fisicamente, não há dúvida que também se enquadra na mesma situação. Nesses casos, a vítima deve procurar uma delegacia para realizar um Boletim de Ocorrência, mas também fazer uma representação – isto é, processar o agressor — até seis meses depois do crime. Agora a pena para os stalkers ficou bem mais dura.