Em um cenário de congelamento de preços, inflação descontrolada e forte desvalorização do peso, os argentinos votam no domingo, 14, para eleger 127 deputados e 24 senadores. E tudo indica que o governo peronista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner receberá um duro recado das urnas. As pesquisas de intenção de voto mais recentes indicam que a coligação de centro-direita Juntos pela Mudança deverá vencer a coligação governista Frente de Todos, que tem em seu núcleo o chamado “kirchnerismo”, uma vertente do peronismo. As pesquisas dão uma vantagem de quatro a oito pontos porcentuais para a coligação conservadora, liderada pelo Partido Republicano do ex-presidente Mauricio Macri, que inclui a União Cívica Radical (UCR) e dissidentes governistas. A oposição já venceu o governo nas primárias, chamadas de “Paso”, em 12 de setembro. Após a derrota nessa etapa, uma grave crise instaurou-se no Partido Justicialista (peronista) com a demissão de cinco ministros e a intervenção da vice-presidente, a senadora Cristina Kirchner, no gabinete do presidente Alberto Fernández. Enfraquecido, o presidente mantém com a sua vice uma relação meramente protocolar – na prática, estão rompidos.

“Na Argentina, não existe Centrão. O próprio peronismo é o elemento fisiológico” Juan Pablo Lohlé, cientista político

Em 25 de outubro, as divisões no interior do peronismo ficaram ainda mais evidentes, quando o governador da província de Córdoba, Juan Schiaretti, atacou publicamente Cristina, mas poupou Fernández. Ele não apoia a coligação Frente de Todos e preferiu lançar os próprios candidatos a deputados por Córdoba, segunda maior província do país após a de Buenos Aires. Nas primárias, a oposição obteve 39,78% dos votos, enquanto a coligação governista conquistou 35,43%. Foi uma das maiores derrotas do peronismo nas últimas décadas. A Frente de Esquerda, que concorre numa chapa separada do peronismo, ficou com 5,32%. O governo venceu em apenas sete das 23 províncias e saiu derrotado na cidade de Buenos Aires. A se manterem os números, o presidente perderá a maioria no Congresso 257 deputados e 72 senadores.

PERIFERIA A centro-direita avançou na província de Buenos Aires, antigo reduto peronista (Crédito: Agustin Marcarian)

Acordo com o FMI

“O problema é que Fernández ainda tem dois anos de mandato pela frente. Sem a maioria, será muito difícil aprovar medidas para resolver os graves problemas econômicos”, observa o cientista político Juan Pablo Lohlé, que foi embaixador argentino no Brasil. Ele explica que na Argentina não existe, ao contrário do Brasil, um bloco como o Centrão no Congresso, que garanta a aprovação das medidas de um governo que não tenha a maioria. “Na Argentina, o próprio peronismo é fisiológico. Então a pergunta é: com quem o governo negociará?” diz. Ele avalia que, derrotado, Fernández tentará acelerar o fisiologismo dentro do PJ. Outra questão é o que acontecerá com Cristina se o “kirchnerismo” for derrotado. A ex-mandatária enfrenta processos na Justiça.

Os dados argentinos são de uma derrocada econômica muito mais grave do que no Brasil. A taxa de desemprego está em 22% da população e o valor do dólar ultrapassou 200 pesos no câmbio paralelo. A inflação superou 51% em doze meses e o governo congelou os preços de 1.245 itens de produtos nos supermercados. Em 2022 e 2023, vencem US$ 19 bilhões do empréstimo que a Argentina contratou com o FMI. Será um momento-chave para a definição do rumo que o país seguirá nos próximos anos. Fernández pediu a Washington que os prazos sejam adiados. Pragmático, o Fundo aguarda o resultado das eleições.