Definitivamente, não tente indagar Jair Bolsonaro sobre qualquer assunto de ordem administrativa, reais compromissos e tarefas de um chefe de Estado, vislumbrando nele alguém com o pretendido perfil de um estadista, ciente dos deveres e que cuida do País e não de seus interesses pessoais — eleitoreiros, familiares e, porque não dizer, legais. O Messias encrenqueiro e agitador do centro-oeste brasileiro não é isso. Já demonstrou. Já falou. Provou de todas as formas. Não é governar o que lhe interessa. Não é responder por soluções aos problemas corriqueiros da Nação o que lhe motiva. É apenas o poder, meramente o vil e inebriante comando – para um soldadinho que hoje passa pito em generais, uma realização — o que lhe move. Não importa se o escolheram para aquela cadeira do Planalto justamente para cuidar de desafios urgentes, das demandas sociais, econômicas ou o que seja, na vã ilusão de um salvador — esse bem mequetrefe — capaz de reviravoltas mirabolantes. Ele não vai fazer. Ele não quer, sequer.

Bolsonaro manda cada um perguntar para o vírus o que fazer. E esse tem respondido da forma mais cristalina possível: continue nesse caminho, presidente, tem ajudado bastante

Com praticamente dois anos de mandato concluídos, metade do prazo de validade de um interregno de loucuras, o “mito” de circo anarquizou onde e como pôde a estrutura federal. Daí não ser surpresa alguma quando, na semana passada, mais uma vez, indagado sobre uma questão premente (o destino do auxílio emergencial), saiu-se com essa pérola do “pergunta para o vírus!”. Bolsonaro deve se achar o máximo ao disparar respostas grosseiras, típicas de um bronco aloprado. Propagandeia e é adepto da política da “lacração”, mandando invertidas a torto e à direita, como se isso o fizesse superior aos demais. Na psiquiatria deve existir explicação para o recalque. Não foi por menos que, tempos atrás, quando perguntado sobre os milhares de mortos pela pandemia no Brasil, lançou o desaforado “e daí?”. Ou quando quis impor, na base da arrogância comum a ditadores, um “cala a boca” ao jornalista que lhe questionava sobre o dinheiro que o amigo gerente do laranjal bolsonarista, Fabrício Queiroz, depositou na conta da sua mulher, Michelle. São tantas e tão aberrantes as situações de desmantelo mental que soariam risíveis, não tivessem consequências práticas diretas na vida da população, dado o cargo que ocupa. No plano das vacinas, por exemplo. É absolutamente espantoso o descaso, o tratante ardil político de postergar iniciativas, do presidente para mostrar que é ele quem estabelece quando e como os imunizantes redentores chegarão aos brasileiros. Bolsonaro reclama da pressa, contradiz a própria lei que assina sobre a obrigatoriedade da vacina e lança insinuações criminosas, irresponsáveis e mentirosas em relação à qualidade da opção chinesa da Coronavac, desenvolvida em parceria com o Butatan, por ter o seu arquirrival e governador paulista, João Doria, como mentor e incentivador. O negacionismo do mandatário não pode imobilizar o combate à Covid-19 por parte do governo. Embora ele tente, seguidamente, como nas ocasiões em que sabota o isolamento e estimula a desobediência. Todos esses movimentos constituem evidentes crimes de responsabilidade e vêm sendo praticados à luz do dia, da forma mais descarada possível. O mundo inteiro já tem pronto o seu plano nacional de vacinação e o Executivo, por aqui, posterga a conclusão de um trabalho semelhante na pasta da Saúde. A troco de quê? Já se foram semanas e nada. O Tribunal de Contas da União foi impelido a cobrar, diretamente, o projeto de imunização e, mesmo assim, o governo deu de ombros, ignorou. Desde agosto é esperada uma resposta e nada. O Supremo Tribunal Federal (STF) entrou na parada. Exigiu também providências. Após tanta insistência, e diante das queixas generalizadas das secretarias de Saúde sobre o fato, o presidente aquiesceu, a contragosto. Deve, se tudo correr conforme o combinado, ser anunciado o plano na semana que vem, com meses de atraso. É inacreditável tamanha falta de compromisso com ações tão elementares. E quando tudo já habitava o campo do absurdo, em se tratando das inconsequências patrocinadas pelo mandatário, que nunca acabam, eis que se descobre quase sete milhões de kits de testes para a Covid — que custaram a bagatela de cerca de R$ 300 milhões — encalhados em um depósito do Aeroporto de Guarulhos, cujo prazo de validade está para vencer em janeiro próximo, e que não foram distribuídos por esquecimento e falta de planejamento do governo federal. Deve ir boa parte para o lixo. Literalmente. E isso em um País cuja testagem encontra-se bem aquém do recomendado por organizações internacionais de saúde. Jogaremos sete milhões de kits fora quando a rede pública hospitalar teve acesso a pouco mais de três milhões de dosagens de teste. Irresponsabilidade na veia e o presidente ainda tentou empurrar, indevidamente, a culpa para os Estados. No que foi desmentido pelo próprio ministro Pazuello. É possível suportar tanta incompetência? Nas seguidas demonstrações e no todo, atribuam-se a falha e a inoperância a quem devido: o presidente em pessoa. No plano da verba destinada à pandemia, a ser dirigida para hospitais, profissionais de saúde e alimentos, é triste perceber que o governo destinou menos de 5% do previsto. Os créditos foram gerados dentro do chamado “Orçamento de Guerra” e os ministérios de Bolsonaro simplesmente não escoaram os recursos. Não usaram praticamente nada do dinheiro liberado, apesar da urgência da crise. Em bom português: embora autorizado — para a estruturação de leitos, compra de materiais e aparelhos, serviços de telemedicina e contratação de médicos —, o montante não foi empenhado. Dos R$ 338,2 milhões reservados para a batalha da pandemia, menos de R$ 16 milhões chegaram ao fim previsto. Que governo é esse? O brasileiro está sendo condenado ao sacrifício absoluto por que seu mandatário não dá a mínima ao caos em andamento? Exato. Nem os mais de 170 mil mortos até aqui – e serão muito mais – o sensibilizaram.

Sem meias palavras, para além dos pendores genocidas do capitão, falta, ao grupo que comanda, gestão eficiente do dinheiro público. A mensagem que Brasília passa aos cidadãos é a da inexistência de um planejamento. Existe quase um convite à crise. Não é apenas problema de logística. Um governo federal que busca lavar as mãos diante de tamanho desafio reitera a sua inapetência administrativa. A operação na área de saúde é quase nula. Ali na pasta reina a orientação do cada um por si. O Brasil encontra-se às portas da segunda onda de contaminação e não tem sequer uma estratégia emitida de cima para atenuar o drama. Na verdade não é mais uma questão de má ou boa gestão, até porque não existe gestão alguma. Impera a inércia, o despreparo e a apatia de quem deveria liderar a resposta e a articulação das forças políticas. Passados intermináveis oito meses de pandemia, só se escuta falar, por parte do capitão, da propaganda enganosa e imoral da cloroquina, abolida por todas as instituições globais de saúde. Sem testagem, sem recursos, sem plano de vacinação, sem ao menos engajamento do presidente, o País segue à deriva nesse tsunami. É lamentável. Desolador. Bolsonaro manda cada um perguntar para o vírus o que fazer. E esse tem respondido da forma mais cristalina possível: continue nesse caminho, presidente, tem ajudado bastante.