José Mujica e Lucía Topolansky se apaixonaram entre balas, cultivaram seu amor na democracia e romperam os padrões ao governarem o Uruguai. Uma vida de luta e militância que, para “Pepe”, terminou na terça-feira (13), ao lado da sua fiel companheira.
Lucía, 80, é uma ex-guerrilheira do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros (MLN-T), assim como Mujica o foi. A vida do casal é digna de cinema.
Tudo começou com uma juventude na guerrilha que tentou derrubar o governo uruguaio da década de 1960 e do começo dos anos 1970. Depois, vieram a tortura e a prisão para ambos, até o retorno da democracia, em 1985.
Em 1969, Lucía se somou ao MLN-T, disposta a desmantelar “o Estado burguês”, e conheceu Mujica na clandestinidade. “Estávamos em um momento de muito perigo e havíamos ficado sozinhos. Quando você vive muito perigo, talvez, inconscientemente, precise do amor muito mais do que o normal”, disse o ex-presidente à AFP em novembro.
A prisão os separou, e a relação foi retomada depois. “Fui me encontrar com Pepe e começamos a militar no dia seguinte”, lembrou Lucía em 2021, em entrevista ao canal Encuentro.
Enquanto protagonizava a ascensão da esquerda ao poder no Uruguai, um país dominado pela centro-direita até 2005, o casal consolidou sua relação nos arredores de Montevidéu. Entre “mates”, o cultivo de flores e o cuidado com seus cães, uma chácara em Rincón del Cerro se tornou o refúgio ideal.
O momento mais marcante do seu caminho até o poder aconteceu durante a posse de Mujica, quando Lucía tomou o seu juramento, na qualidade de senadora mais votada do país. Mais tarde, ela se tornou vice-presidente do Uruguai, de 2017 a 2020.
Durante a presidência de Pepe, a chácara se tornou um local de peregrinação para políticos e personalidades internacionais, que faziam visitas ao casal, atraídos por seu estilo de vida modesto e pela alcunha de “presidente mais pobre” que Mujica ganhou.
Viver com Lucía “é um costume doce. Conversamos sobre política e outras coisas, vemos jogos de futebol, somos companheiros, somos amigos”, descreveu Mujica em 2014.
Mais de uma década depois, em outra entrevista à AFP em sua residência, o ex-presidente repetiu uma de suas máximas: encontrar Lucía “foi o maior acerto”.
Lucía, filha de uma família de alta renda de Montevidéu, e Pepe, filho de agricultores, casaram-se após décadas de convivência. Muito antes de formalizarem a união, eles haviam assumido outro compromisso, o da militância.
Para Mujica, isso significou não ter filhos. “Eu me dediquei a mudar o mundo. Fiquei sem tempo para filhos”, disse à AFP. Após a sua morte, seus herdeiros políticos, como o atual presidente uruguaio, Yamandú Orsi, confortaram Lucía, que abriu hoje o cortejo fúnebre e recebeu as condolências durante o velório, no Palácio Legislativo.
“Ela está bem, com uma força tremenda”, descreveu o cantor e compositor uruguaio Mario Carrero, amigo do casal.
Sem Mujica, e com a missão de continuar tecendo a estrutura complexa da esquerda uruguaia, Lucía deve manter o legado de seu marido. Em 2021, ela antecipou ao Encuentro: “Enquanto eu estiver lúcida, irei militar.”
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