‘Penso no amanhã e começo a me apavorar’, diz Carlinhos de Jesus sobre doença

Dançarino de 72 anos revela diagnóstico de doença autoimune que afeta sua mobilidade e detalha rotina de tratamento

Carlinhos de Jesus fala sobre sua doença
Carlinhos de Jesus fala sobre sua doença Foto: Reprodução/Globoplay

O coreógrafo e dançarino Carlinhos de Jesus, 72 anos, concedeu uma entrevista ao ‘Fantástico’, da Globo, no domingo, 31, na qual falou sobre o diagnóstico de saúde que tem afetado sua mobilidade. Ele foi diagnosticado com uma doença autoimune que provoca inflamação e desgaste na bainha de mielina — a camada que protege os nervos. Além disso, enfrenta inflamação nos quadris e tendinite na região dos glúteos.

Em algumas situações, Carlinhos tem precisado recorrer à cadeira de rodas. Ele contou que os primeiros sinais surgiram há cerca de três anos, quando começou a perceber a perda de força na perna direita, embora sem dor. Porém, em junho deste ano, os sintomas se intensificaram: durante uma viagem a Passo Fundo (RS), passou a sentir dores tão fortes que não conseguia mais caminhar. Ao retornar para o Rio de Janeiro, precisou ser hospitalizado.

“Eu estava no Rio Grande do Sul e senti uma dor que não me deixava apoiar o pé no chão. Dava alguns passos e logo a fisgada voltava”, relatou.

Segundo Carlinhos de Jesus, a dor se tornou tão intensa que chegou a cair em casa e precisou de medicação pesada para dormir. “Era tanta dor que só conseguia descansar com morfina”, revelou.

O impacto emocional também tem sido grande. “Hoje procuro viver o presente. Mas, quando penso no futuro, bate o medo. Como será minha vida daqui pra frente?”, desabafou.

No tratamento, ele tem conciliado fisioterapia, exercícios de fortalecimento muscular e imunoterapia, que visa estimular o sistema de defesa do organismo. O objetivo é estabilizar o quadro e evitar agravamentos. “É um processo que exige paciência e resiliência. Preciso de calma para voltar a andar”, afirmou.

Afastado de sua maior paixão, Carlinhos resume o momento com uma metáfora: “A dança sempre foi meu divã. E agora eu estou sem esse divã.”

Entenda o que é bursite trocantérica

IstoÉ Gente conversou com o ortopedista *Dr. César Janovsky, especializado em Ortopedia e Traumatologia do Esporte, para esclarecer a condição do bailarino e alertar sobre prevenção e tratamento.

De acordo com o médico, as duas condições enfrentadas pelo coreógrafo são distintas, mas é comum afetarem o paciente ao mesmo tempo.

“Embora as duas condições frequentemente coexistam e provoquem dor na mesma região, a lateral do quadril, elas têm causas distintas. A tendinopatia glútea está ligada à sobrecarga e degeneração dos tendões dos músculos glúteo médio e mínimo. A dor costuma irradiar para a coxa e piora ao caminhar, subir escadas ou deitar-se sobre o lado afetado. Já a bursite trocantérica envolve a inflamação da bursa, uma bolsa de líquido que reduz o atrito entre os tendões e o osso. A dor também é localizada na lateral do quadril, mas pode ser mais intensa ao toque e em repouso. Em muitos casos, a tendinopatia leva à bursite, agravando o quadro clínico”, explica ele.

O especialista alerta que as dores têm multifatores e que é preciso ter atenção aos movimentos repetitivos. 

“De acordo com o estudo publicado pela Scientific Reports, as principais incluem sobrecarga por movimentos repetitivos, como dança e corrida, longos períodos em pé, fraqueza dos músculos glúteos, alterações biomecânicas, envelhecimento e fatores hormonais. O tratamento mais eficaz a longo prazo é baseado em exercícios de fortalecimento muscular, especialmente dos glúteos, combinados com reeducação postural e estratégias para aliviar a carga sobre o quadril. Infiltrações com corticoides podem aliviar temporariamente a dor, mas não tratam a causa. Os melhores resultados são alcançados com fisioterapia ativa e acompanhamento especializado.

Sobre o futuro da carreira do coreógrafo, o ortopedista tranquiliza que essa não é uma condição paralisante, e que profissionais dessa área podem voltar à atividade após tratamento adequado.

“Apesar da dor intensa e da limitação funcional, essa condição não representa uma sentença definitiva de afastamento. O estudo reforça que, com o tratamento adequado, especialmente exercícios supervisionados, é possível restaurar a função e retomar as atividades. Se Carlinhos seguir um plano de reabilitação bem conduzido e respeitar os limites do corpo, poderá continuar dando aulas, talvez com adaptações temporárias. O afastamento, quando necessário, costuma ser apenas uma etapa do processo de recuperação”, detalha.

Prevenção ainda é o melhor remédio, mas nem sempre é possível de antecipar para evitar lesões como as sofridas pelo bailarino. A alimentação aliada da boa saúde pode ajudar, mas ainda há um consenso entre os especialistas.

“Embora o estudo não tenha abordado diretamente a alimentação, há consenso na literatura sobre o papel da dieta anti-inflamatória na recuperação de lesões musculoesqueléticas. Alimentos ricos em ômega-3, como salmão e sardinha, frutas vermelhas, vegetais de folhas verdes escuras, azeite extravirgem, cúrcuma e sementes oleaginosas contribuem para reduzir a inflamação e melhorar a cicatrização dos tecidos. Além disso, manter um peso corporal adequado é fundamental, pois o excesso de peso aumenta significativamente a carga sobre o quadril e os tendões”, aconselha o médico.

Perguntado sobre a idade de Carlinhos de Jesus ser um fator que contribui para o surgimento desse tipo de problema, o ortopedista esclarece que, com o passar do tempo, o corpo perde a capacidade regenerativa da massa muscular.

“A idade é um fator de risco relevante. A tendinopatia glútea é mais comum entre os 50 e 65 anos, mas também pode ocorrer em idosos com mais de 70 anos. Com o envelhecimento, há uma redução natural da capacidade regenerativa dos tendões, além de alterações hormonais e perda de massa muscular, que contribuem para o surgimento e agravamento do quadro. No entanto, a idade não impede o tratamento e a recuperação, especialmente quando há histórico de atividade física e bons hábitos de saúde”, acrescenta.

A máxima de que quanto antes começar a se exercitar, melhor será o resultado para a saúde, segue valendo para todo mundo. Mas, um possível sobrecarga também representa perigo. Ter dedicado a vida à dança contribuiu para desenvolver o problema, ou ao contrário, teria até ajudado a retardar o surgimento de lesões?

“Muito provavelmente, as duas coisas. A dança exige força, controle e repetição intensa de movimentos, o que pode, com o tempo, sobrecarregar os tendões do quadril. Por outro lado, manter-se ativo, com boa musculatura e mobilidade, pode ter ajudado Carlinhos a postergar o aparecimento da lesão. Ter desenvolvido esse problema aos 72 anos, após uma vida inteira de movimentos corporais exigentes, é até esperado”, explica ele.

“O mais importante agora é uma reabilitação bem orientada, que permita a ele continuar se movimentando com qualidade e sem dor. Com o tratamento correto, ainda há muito espaço para dançar com leveza e segurança”, finaliza o médico.