E fez história, esse garoto de Três Corações, Minas Gerais… Nascido em 23 de outubro de 1940, com 4 anos de idade estava de mudança para Bauru, em São Paulo. Era o Dico para a família (que ainda tinha o caçula Jair, o Zoca). E o Edson para os amiguinhos. Fã de futebol como o pai, logo foi intimado a fazer parte dos times de garotos que corriam pelas ruas daquela cidade do interior. Inventou de jogar no gol, porque gostava de José Lino da Conceição Faustino, o Bilé, amigo de seu pai ainda do Vasco mineiro, de São Lourenço. Mas como não conseguia gritar o nome do ídolo, berrava “Vai, Pilééé!” E aí virou “Pelé” para os companheiros de time. Que detestava. E, aí, claro, o apelido pegou, nas idas e vindas entre os campos de peladas e a caixa de engraxate que passou a carregar, para ajudar em casa depois que o pai se machucou.

A maior parte de sua vida, no entanto, seria passada em Santos e, depois, na vizinha Guarujá — duas cidades praianas de São Paulo depois de se mudar do interior (foi na Universidade Metropolitana de Santos que Pelé se graduou em Educação Física). Mas outras inumeráveis horas foram gastas em aviões, girando e girando pelo mundo como jogador, empresário, ou mesmo como convidado ilustre de líderes mundiais, presidentes, reis e rainhas.

Pelé, 1,73 m e 70 kg no auge da carreira aos 30 anos, em 1970, na Copa do México, foi admirado não só por torcedores por todas as habilidades técnicas e intuitivas inerentes ao futebol, mas também por cientistas do esporte, que esmiuçaram seu físico em estudos até concluírem que era o atleta perfeito… O “Atleta do Século”. Que somou 1.281 gols em 1.363 partidas pela estatística mais aceita, entre inúmeras controvérsias.

Aos 16, referência do país

Aos 11 anos, Pelé foi parar no Clube Atlético de Bauru, a convite do jogador Waldemar de Brito, que estava formando um grupo. E não se passaram muitos anos até1956, quando decidiu apresentar o rapazinho de 16 anos ao Santos Futebol Clube, prometendo que seria “o melhor jogador do mundo”. Deu um mês e Pelé já fazia sua estréia no time profissional em 1956, contra o Corinthians de Santo André: 7 a 1 para o Santos, com o sexto gol marcado pelo jovem atacante, que entrou no segundo tempo.

Que jogador de futebol é reconhecido por todo um país com apenas 16 para 17 anos? Pelé. Titular em 1957, até hoje se mantém como o mais jovem artilheiro do Campeonato Paulista, com 36 gols. Até 1974, o Santos teve um Rei, que nem era mais só seu, mas de todo o planeta. Sob a aura do ídolo, dez títulos estaduais e seis campeonatos nacionais, além de duas Libertadores (na época, ainda Copa Campeões da América) e dois Mundiais de Clubes, em 1962 e 1963, valeram ao Santos um lugar entre as melhores equipes de todos os tempos.

O milésimo gol foi marcado por ele defendendo a equipe santista, depois de semanas de expectativa de torcedores — e não torcedores –, e plantões por todos os campos de jornalistas e fotógrafos. Acabou saindo da cobrança de um pênalti contra Andrada, o goleiro do Vasco, no Maracanã, aos exatos 34 minutos e 12 segundos de jogo. Era 19 de novembro de 1969. Pelé tinha 29 anos. Jornalistas correram de trás do gol para carregar o ídolo nos ombros, enquanto mais de 65 mil gritavam o nome do Rei. O artilheiro deu a volta olímpica com a camisa “1000” do Vasco, que havia defendido em jogos de um combinado Santos-Vasco, ainda em 1957, e agora em meio a uma apoteose de emoções, afuniladas na vitória por 2 a 1 do time paulista.

Assim também foi em sua despedida do Santos, em 2 de outubro de 1974, no estádio da Vila Belmiro e contra a Ponte Preta, nos 2 a 0 pelo Campeonato Paulista. Ajoelhado no campo, com os braços abertos, chorou por aceitar o convite do New York Cosmos.

Uma revolução americana

Pelé foi carregado pelo campo do Giants Stadium, em New Jersey, quando deixou o Cosmos e o futebol em 1º de outubro de 1977, diante de mais de 75 mil fãs a quem pediu “Love, love and love” em sua “preleção”  de despedida. Jogou tempo com a camisa verde do time americano e meio com a 10 do Santos, resumindo em uma partida toda uma vida de Rei do Futebol. Marcou um gol, de falta, o 1.283º de sua lista. A camisa do Cosmos foi para o pai, Dondinho, no intervalo; a última que vestiu como profissional passou às mãos de Waldemar de Brito, seu primeiro técnico ainda em Bauru, ali mesmo, no gramado. Carregado, deu uma volta olímpica segurando as bandeiras do Brasil e dos EUA.

Muhammad Ali chorou no discurso de Pelé, ao lado de Dondinho. Em reverência ao Rei, outros famosos acompanharam o jogo, como os atores Telly Savallas (famoso à época pelo personagem do detetive Kojak, da tevê) e Robert Redford, o cantor Mick Jagger, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger. Do Brasil, além de políticos, lá estavam os capitães das três conquistas mundiais da Seleção com Pelé: Bellini (1958), Mauro (1962) e Carlos Alberto (1970).

Fazia dois anos que havia deixado o Santos, depois muitas ofertas do Exterior, e daquela vez só aceita por uma razão bem pessoal, em referência à mulher Rosemary e aos filhos Kelly e Edinho, como descreve na autobiografia Pelé: A importância do futebol, lançada em 2013: aos 33 anos, estava falido. E devendo milhões, como foi informado por seu contador. Mas sua presença no Cosmos teve mesmo importância estratosférica: simplesmente contribuiu para encantar um público refratário ao futebol, que acabou sendo desenvolvido pelo país que mais entende de produzir espetáculos no planeta. De território praticamente intocado por esse esporte, os EUA até promoveram sua Copa, em 1984. Mais ainda: o salário milionário pago a Pelé elevou o patamar de rendimentos de jogadores por todo o mundo.

Único tricampeão mundial

Ainda com apenas 16 anos e menos de uma temporada no Santos, Pelé foi convocado para a seleção brasileira que enfrentaria a Argentina pela Copa Rocca, no Maracanã. Mesmo a derrota (2 a 1 para los hermanos) ficaria na memória do Rei, em declarada a emoção por usar a camisa do Brasil pela primeira vez — era 7 de julho de 1957 –, entrando em campo no segundo tempo para marcar o seu gol. O segundo jogo, contra os mesmos adversários, foi disputado no Pacaembu, com vitória brasileira por 2 a 0: Pelé e Mazzola, e garantiu o primeiro título de Pelé pela seleção.

Mas o mundo se mostraria atônito mesmo na Copa da Suécia, em 1958. A seleção tinha um garoto de 17 anos e oito meses que se tornaria o mais jovem campeão do mundo: Pelé, artilheiro do Brasil com seis gols e aquela camisa 10, que se tornaria icônica. Não existem imagens registradas com mais rostos espantados de homens e mulheres louríssimos e aos pulos, do que aquelas da Suécia, quando o futebol se deslumbrou com a dupla Pelé e… nada menos que Garrincha.

O bicampeonato veio em 1962, no Chile, quando a seleção também se apresentou recheada de estrelas e mais estrelas, como Nilton Santos, Didi, Vavá. Pelé deixou sua marca na estréia contra o México com um gol para a história. Mas, contundido na segunda partida, não pôde mais jogar naquela Copa. Na Inglaterra, em 1966, uma decepção para o Rei: mais uma vez machucado, já ficou fora do segundo jogo — que teve a vitória da Bulgária. Sem plenas condições, entrou em campo contra Portugal, que fechou 3 a 1 — para eliminação do Brasil.

Apesar de ter jurado nunca mais jogar uma Copa, Pelé voltou em 1970. E a seleção da Copa do México também entrou para a história, como a mais icônica do futebol — também graças ao alcance mundial das imagens transmitidas pela tevê –, com um punhado de indescritíveis craques como Tostão, Gérson, Rivelino, Jairzinho, Carlos Alberto, Clodoaldo… Quatro dos gols na conquista do Tri foram de Pelé, que faria seu último jogo pela seleção brasileira com 31 anos, em 18 de julho de 1971, no 2 a 2 (Rivelino e Gérson) com a Iugoslávia, em amistoso no Maracanã lotado por 138 mil pessoas gritando “Fica!” para o Rei.

Os baques da vida

Primeiro foi Sandra, filha de Anísia e nascida em 1964. Pelé soube dela em 1991 e a reconheceu apenas na Justiça, em 1996, após exames de DNA. Mas os cabelos do Rei começaram a embranquecer mesmo com a prisão do filho Edinho, em 2005, durante operação de combate ao tráfico na Baixada Santista, que depois seria detido outras quatro vezes (agora é técnico do sub-20 de Londrina e mora no alojamento do clube).

A saúde começou a se fragilizar depois da operação no quadril, em 2012, o que o levaria à cadeira de rodas. Nos anos seguintes surgiram infecções urinárias e outras. Em 2015, passou por cirurgia na coluna, e em 2019 voltou às pressas de Paris e novamente precisou tratar de infecções. Foi internado em meio à pandemia, em 2020, quando surgiram suspeitas de um tumor no cólon, o que levou a mais operações e tratamentos profiláticos. Até a internação, agora em novembro de 2022, durante a Copa do Mundo no Catar, acompanhado por Márcia Aoki, a mulher que conheceu em Nova York em 2008 e guardiã do Rei que hoje faz parte do imaginário do mundo.

Momentos mágicos

* Entrou para a história o dia em que o Santos — com Pelé — “parou uma guerra”. O conflito entre os grupos étnicos Ibo e Hausa, que gerou a tragédia de 2 milhões de mortos nessa chamada Guerra de Biafra, entre 1967 e 1970, foi literalmente interrompido com a chegada do time brasileiro à Nigéria, para o amistoso com o local Benin City no Estádio Ogbe. Em meio ao cessar-fogo, o Santos fez 2 a 1, deixou o país… e a guerra continuou. Nessa turnê africana com nove jogos e 19 gols, Pelé marcou nove.

* Rei e Rainha se encontraram pela primeira vez em 1968, no Maracanã lotado (3 a 2 para a seleção paulista contra a carioca), durante visita ao país de Elizabeth II, para quem o jogador brasileiro era “incomparável”. Depois de 29 anos, a monarca recebeu Pelé no Palácio de Buckinham em 1997, onde foi ungido “Cavaleiro do Império Britânico”.

* Pelé teve seus momentos como cantor/compositor e até ator.  Com Elis Regina, cantou duas músicas dele mesmo em 1969, e gravou com Jair Rodrigues, Sérgio Mendes e Roberto Carlos. Participou de 18 filmes para cinema — até ao lado de Sylvester Stallone, em 1982, ou dos Trapalhões em 1986. Funcionou como “garoto-propaganda” de vitamina, pilha, loja de eletrodomésticos… Em 1998, fez campanha para o Ministério da Educação cantando “ABC, toda criança tem que ler e escrever”.

* Pelé foi o ministro do Esporte do governo FHC entre 1995 e 1998. E foi com a criação de sua Lei Pelé que os jogadores se libertaram da exploração da Lei do Passe, que só beneficiava os clubes.

* Com fãs maravilhados pelas apresentações de Maradona entre 1976 e 1997, uma discussão sem fim dividiu o futebol: quem foi melhor? Pelé (o Rei) ou Maradona (el Diós)? Os ídolos se conheceram pessoalmente em 1979, mas foi em 2005, na estréia do programa “La Noche Del 10”, comandado pelo argentino, que “a paz” foi selada pelos dois, com uma troca de bolas de cabeça e um abraço. Maradona morreu aos 60 anos, em 2020.